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João de Sousa

Domingo, Novembro 3, 2024

A Economia GIG

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

O fecho da silly season (período do final do verão que antecede a retoma da actividade política e que é caracterizado por notícias exageradas sobre assuntos frívolos por falta de melhores temas) está este ano a ser marcado pela questão da redução dos impostos, com o PSD a agitar a bandeira da redução de impostos e o PS a arrasar as propostas.

Apesar desta ser uma questão importante no mais vasto problema da distribuição do rendimento, a forma como costuma ser abordada pelas principais forças políticas tende a desvirtuar as suas potencialidades e ainda mais o seu efeito prático. É que fomentar por via fiscal uma distribuição do rendimento mais equitativa tem tido o bem conhecido efeito de beneficiar as franjas da sociedade com maior representação política, ou seja, beneficiar aqueles que menos precisariam de semelhante artifício para contrariar os desequilíbrios promovidos por um sistema preparado precisamente para facilitar todo o processo de concentração da riqueza.

Mais, abordá-lo por via fiscal pode despoletar ainda uma maior dificuldade no financiamento da actividade pública, já de si muito diminuída por via das políticas neoliberais que privilegiam aquela concentração de riqueza e que têm conduzido os Estados às situações de sobreendividamento que conhecemos, enquanto ajuda a esconder a dura realidade do desajustamento dos tecidos económicos e dos modelos produtivos que os alimentam.

Num contexto de claro favorecimento do factor capital não é apenas a fragilidade de soluções de natureza fiscal que ressalta, antes toda uma arquitectura gizada para transferir o máximo de rendimento do factor trabalho para o factor capital, amplamente personificado num modelo produtivo que assenta em empregos de baixa qualificação e baixos salários, como o da Economia GIG (designação dada à moderna economia que opera através de plataformas informáticas que servem de intermediário entre o prestador de serviços e o cliente final, cuja origem remontará ao termo “gig”, calão norte-americano que significa “ter trabalho”) que está a devastar o tradicional modelo assente numa relação directa e formal entre empregador e assalariado. Surgiu em consequência da digitalização, mas também de novas formas de encarar o trabalho, sem horários definidos, sem contratos e com múltiplos empregadores, parecendo ser uma realidade que veio para ficar e com tendência para crescer.

Com este sistema de precarização do factor trabalho está-se a atingir um patamar de instabilidade e exploração que as desadequadas leis do trabalho em vigor não regulam nem protegem. Para cúmulo da hipocrisia, esta Economia GIG ainda é apresentada como um factor de modernidade e sinal da “independência” dos trabalhadores (invariavelmente apresentados como free lancers e empreendedores); uma independência de trabalhos precários e baixos salários (pagos à tarefa), porque a garantia dos ganhos e dos lucros estão bem assegurados aos proprietários das plataformas electrónicas.

A prazo, a Economia GIG poderá fazer soçobrar os já muito desgastados sistemas de segurança social, seja porque os antiquados sistemas de desemprego não estão estruturados para uma realidade de pluriemprego (muitos destes novos tarefeiros desempenham funções em mais que uma das plataformas disponíveis), seja porque em situações de desemprego será recuperada uma parte cada vez menor do rendimento perdido, o que aumentará a pressão para a sua marginalização pelos novos “empreendedores”.

Segundo um estudo de 2019 da OCDE «Economia GIG Platforms: Boon or Bane?» a Economia GIG representava 1% a 3% do total de empregos em todo o mundo, valor pouco significativo, salvo pelo facto de se estimar que mais de 50% dos trabalhadores na economia GIG pertencem à Geração Z (é a geração dos nascidos entre 1995 e 2004) ou são Millennials (é a geração dos nascidos 1982 e 1994, também conhecida como Geração Y) com baixos rendimentos, enquanto outro estudo do McKinsey Global Institute (de 2016) calcula que, só na Europa e nos EUA, havia cerca de 162 milhões de pessoas (ou seja, 20 a 30% da população em idade activa) a exercerem algum tipo de trabalho independente, situação que já na altura se apresentava com tendência para crescer.

O Fórum Económico Mundial, referiu em 2021 dados de um estudo da Mastercard (Gig Economy White Paper – May 2019) que apontava taxas anuais de crescimento para a Economia GIG da ordem dos 17% e um volume de negócios que, no ano em curso, deverá ultrapassar os 450 mil milhões de dólares…

…realidade que deveria ser acompanhada do adequado controlo público sobre as condições de trabalho (níveis de remuneração e cumprimento do normativo da segurança social) num sector onde são sobejamente evidentes as situações de opacidade contratual (canhestramente escondidas atrás do eufemismo do “empreendedorismo” dos trabalhadores temporários ou sazonais), amplamente agravadas por uma legislação laboral desadequada à realidade político-social, quando não manifestamente desarticulada (mas perfeitamente enquadrada nos princípios neoliberais da liberalização e desregulamentação dos mercados) para poder almejar qualquer efeito prático.

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