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Sábado, Novembro 23, 2024

A economia merecida

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Em plena crise da Covid-19, os neoliberais mais inflexíveis parecem ter começado a descobrir uma nova paixão, falando agora de uma economia mais justa e um desenvolvimento sustentável. Será possível?

Que pensar quando aqueles que ainda ontem se apresentavam como fanáticos do mais puro e duro neoliberalismo, vilipendiam agora, ruidosamente, as falhas do capitalismo financeiro com o fervor próprio dos recém-convertidos e denunciam que o aumento da desigualdade atingiu um nível insuportável, parecendo abrir caminho para o regresso ao Estado de bem-estar e do proteccionismo, profundamente abalado pela desbragada onda de desregulamentação e globalização iniciada na década de 1970.

É verdade que num trabalho de há quase uma década, o premiado jornalista norte-americano Hedrick Smith denunciava no seu livro «Who stole the american dream?» que se entre 1979 e 2006 a produção de riqueza na terra do leite e do mel tivesse sido distribuída, como o foi entre 1945 e 1979, uma família americana média teria então um rendimento anual adicional da ordem dos 12.000 dólares, mas apesar do sucesso que o livro conheceu o seu efeito prático foi marginal, ou mesmo nulo.

Quase o mesmo se poderia dizer de muitas obras e trabalhos de investigação que nos últimos anos têm procurado alertar para as questões do meio ambiente, embora se comece agora a estabelecer uma certa ligação entre o colapso das economias, provocado pela Covid-19, e alguma melhoria nos níveis de poluição; nada, porém que indicie a desactualização ou propicie o abandono do culto do deus-cifrão.

Pensar em recuperar um conceito de economia mais próximo das ciências sociais que das ciências exactas implica o abandono da axiomática simplificadora própria dos modelos económicos (na linha das escolas neokeynesiana e neoclássica) em benefício duma abordagem relacional com a realidade social e as suas complexidades, algo difícil de imaginar numa actualidade onde imperam os conceitos mais individualistas e uma enorme falta de debate de ideias. Esta ausência de debate – visível na maior parte das questões de interesse colectivo e que além das questões económicas se estende também para a esfera política – será a grande responsável pelo fracasso de muitas soluções implementadas e, pior, nem sequer derivará da falta de reflexão e de investigação, como procurei dar nota em finais de 2019, no artigo Economia Heterodoxa (parte I), onde apresentei as ideias basilares da denominada Economia do Bem Comum (tal como foram formuladas por Karl Polanyi e Christian Felber) ou de outras abordagens, como o de Richard C. Cook (no artigo Economia Heterodoxa (parte II)), mais orientadas para a área monetária.

A centralização do discurso e a redução do debate à perniciosa ideia da inexistência de alternativas (o célebre chavão redutor que há décadas vem amordaçando todos os que não se inserem na esfera bem-pensante e aquiescente dos círculos de poder) não extinguiu a capacidade de produzir novas ideias e conceitos – neste século, como em todos os anteriores, nunca as inquisições lograram calar o progresso; o mais que conseguiram foi protelá-lo – nem eliminou completamente o debate. Escondendo-o do grande público, graças ao compadrio de uma comunicação social submissa aos grandes interesses económicos, reduziu-lhe o impacto para assegurar a prevalência da argumentação frágil.

Será que os arrependidos neoliberais vão mesmo abrir o debate para uma nova economia – aquela justa e equilibrada que todos merecemos –, ou a sua conversão não passará afinal de mais uma duvidosa e mal explicada fachada ecológica, como a do “carbono zero”?

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