Concurso para lugares no Parlamento Europeu
Desde que Portugal envia deputados ao Parlamento Europeu que parece estar sobretudo em causa um mecanismo de recompensa do desempenho de missões partidárias no país. Na presente eleição para o Parlamento Europeu, esse aspecto também está presente.
Não é muito clara a forma como foi construída a lista que concorre como AD. Sim, terão escolhido o candidato Bugalho por ter ar de jovem, mas é um jovem já muito batido. Quanto à candidatura de Rui Moreira, circulou insistentemente que tinha exigido, para se candidatar como cabeça de lista, a garantia de ser indicado para Comissário Europeu. Possivelmente foi por aí que o “negócio” se malogrou. É curioso que a Direita, que beneficiou do render da guarda no Governo pouco anos da recomposição dos órgãos da União Europeia, ainda não tenha indicado a sua intenção neste domínio.
Do lado do Partido Socialista a indicação de Marta Temido como cabeça de lista pode ter tido como motivação a intenção de aproveitar a sua passada popularidade. Mas logo quando esta, tendo-se transferido para Lisboa, parecia estar a “namorar” a Presidência da Câmara… a ponto tal que teve de prometer que se manterá em Bruxelas depois da eleição. E será que o PS se resigna á reeleição de Moedas?
De resto os segundo e terceiro lugares da lista do PS têm uma lógica “normal”, em termos de “empregabilidade”: Francisco Assis volta onde já esteve (à espera de ocupar daqui a dois anos o lugar de Presidente da Assembleia da República em execução da partilha acordada com o PSD?), Ana Catarina Mendonça Mendes, uma busy bee de António Costa, é recompensada. Falta mencionar o quarto candidato do PS, que também conta com 28 anos, mas que, ao contrário de Bugalho, é um jovem de carreira, que já ocupou muitos lugares de jovem.
Fica-me entretanto a dúvida quanto à forma de avaliar a aparente “troca” entre Marisa Matias e Catarina Martins nos lugares de eurodeputada por Portugal e de deputada pelo Porto. Depois de ceder a coordenação do Bloco a Mariana Mortágua, Catarina Martins deixa cair que esperava ser substituída na Assembleia da República e tal veio de facto a acontecer. No entanto com a convocação de eleições para 10 de Março, Marisa Matias surge como cabeça de lista pelo Porto onde o BE acaba por manter os 2 deputados, como aliás os 5 no conjunto do país, e sai de Bruxelas, recuperando-se Catarina para ser candidata, agora a eurodeputada.
Cem anos de Europa
A Europa vive desde há mais de cem anos com tentativas de ultrapassar as consequências dos conflitos entre os principais países europeus.
Se falamos hoje de I Guerra Mundial é porque, tendo sido, como outras anteriores, uma guerra que nasceu entre Estados da Europa, acabou por arrastar regiões e povos de outros continentes. Terá sido basicamente motivada por rivalidades económicas e pela procura de domínios coloniais.
Da vitória da Entente, reforçada pela Itália e depois pelos Estados Unidos resultou, a perda pela Alemanha das suas colónias e de alguns territórios europeus, a favor da França como a Alsácia e a Lorena, da Dinamarca e da Polónia renascida, e o fim do Império Austro – Húngaro (que deixou a Áustria sensível) vulnerável à perspectiva de uma futura reunificação com a Alemanha) e do Império Otomano, sendo que em obediência à lógica das nacionalidades, foram autonomizados estados anteriormente englobados no império austro húngaro e, sujeitos a um regime de mandato dos países vencedores, do Império Otomano.
Uma consequência trágica para os vencedores foi terem perdido a Rússia, que decretara a mobilização geral em solidariedade com a Sérvia ameaçada pela Áustria de retaliação por, na Bósnia-Herzegovina, um estudante sérvio lhe ter morto um arquiduque herdeiro do trono. Em muitos dos países arrastados para a guerra houve revoltas, só na Rússia que terá perdido mais soldados que qualquer dos envolvidos, o processo deu lugar a uma revolução, que forças britânicas, francesas, americanas e japonesas tentaram em vão contrariar.
A paz separada com a Alemanha que a Rússia acabou por assinar em Brest-Litovsk, custou-lhe o reconhecimento da independência dos países bálticos e da Ucrânia, esta última contudo, depois uma prolongada guerra civil, veio a ser integrada em 1922, em conjunto com a República Socialista Federativa Soviética da Rússia, numa União Soviética de natureza confederal.
Portugal também entrou na dita Guerra, com teatros de operações em Angola, Moçambique e na Flandres, e exposição à guerra submarina, apesar do pouco entusiasmo da velha aliada Inglaterra, com escassos resultados operacionais e na negociação de reparações. Na Itália, inicialmente aliada aos Impérios Alemão e Austro-Húngaro e que se havia juntado na Guerra à Entente também se registou uma grande decepção com os resultados e com a não-obtenção de vantagens na Dalmácia, e uma parte das adesões intelectuais ao fascismo veio daí. Em Portugal foi sobretudo na oficialidade(i) que a participação começou a incutir a convicção de que as Forças Armadas viriam a ser chamadas a liderar o país, o que concretizaram em 28 de Maio de 1926.
Esta irmandade na decepção e no medo, então quase universal na Europa, do “bolchevismo”, criou uma certa afinidade entre os militares republicanos conservadores do 28 de Maio(ii) e o seu herdeiro Salazar e a Itália de Mussolini. Também os chamados republicanos históricos, que ficaram à margem da situação, criaram anticorpos contra quem parecesse pôr em causa a nova ordem saída do Tratado de Versalhes: lembro-me, já no final dos anos 1960, de um editorial do director da Vida Mundial, Carlos Ferrão, recordando o Tratado de Rapallo, assinado em 1922 perto de Génova pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha de Weimar, Walter Rathenau (e também pelo próprio chanceler), e da então R.S.F.S. da Rússia(iii). Walter Rathenau, hoje talvez esquecido, era membro do Partido Democrático, centrista, o mesmo a que pertenceu o sociólogo Max Weber, ministro do governo formado na sequência da derrota alemã na I Guerra Mundial e foi assassinado pela extrema-direita alemã no mesmo ano. Em 1923 foi também assassinado em Lausanne, onde apoiava os esforços da Turquia kemalista para chegar a acordo com os aliados, o embaixador soviético em Roma, Verkovski.
A II Guerra Mundial é mais lembrada quanto à sua génese – a vontade da Alemanha de reverter os resultados da I Guerra, que impulsionou Hitler para o poder – e quanto aos seus resultados: a derrota da Alemanha e dos seus aliados Itália, Eslováquia, Hungria e Roménia, bem como a do Japão, que durante a I Guerra estivera do outro lado, mas que desde 1936 aderira a um Pacto dito anti-Komintern. Com a derrota, um conjunto de perdas territoriais, o estabelecimento na própria Alemanha de quatro zonas de ocupação e o estabelecimento de um conjunto de regimes de “democracia popular” na própria Europa. Os resultados não são tão lineares como os do final da guerra anterior porque a derrota dos aliados da Alemanha está entrelaçada com tentativas de inversão de alianças e ocorrência de insurreições populares. Durante alguns anos pensou-se que seria possível que entre a França, o Reino Unido e a União Soviética se estabelecessem acordos de cooperação ou até que o Plano Marshall se aplicasse a toda a Europa. A degradação do relacionamento leva à formação da NATO em 1949. As eleições nas zonas de ocupação da Alemanha levam à formação de dois Estados e, não tendo sido aceite a neutralização da Alemanha, à integração da Alemanha Ocidental na NATO e da Alemanha Oriental no Pacto de Varsóvia, que só então se forma(iv). A neutralidade da Áustria, essa, foi, e continua, garantida por tratado. Quanto à neutralidade da Finlândia, que, depois de um acordo de paz em 1940, se envolveu numa segunda guerra contra a União Soviética, foi durante muito tempo uma questão de bom senso.
Em Portugal registaram-se, após uma adesão à NATO sem prévio convite à participação na discussão dos seus fundamentos, desenvolvimentos curiosos: Marcelo Caetano explica em Minhas Memórias de Salazar ter estudado a experiência de planeamento soviético(v) e é sem dúvida sugestivo que Salazar escolhendo o discurso “O Plano de Fomento, Princípios e Pressupostos”, proferido em 28 de Maio de 1951, como ocasião para discutir toda uma série de preocupações da acção governativa, tenha proferido as seguintes palavras:
A conclusão a que chego é que, não tendo a Rússia conveniência em fazer a guerra e não podendo o Ocidente fazê-la até por imposição moral, a paz, esta pobre paz, continuará nos próximos anos e continuará tão mísera e mesquinha como a temos agora. Ela só se quebrará por um desses acasos trágicos e imprevisíveis, aparentemente ligados a qualquer erro grave de manobra política; mas devemos ter confiança em que a habilidade dos dirigentes fará milagres para o evitar.
Neste contexto, a formação nos anos 1950 das Comunidades Europeias: Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Eurátomo e Comunidade Económica Europeia iniciou um processo que não só se traduziu na criação de mercados com maiores potencialidades, porque mais alargados, como permitiu controlar rivalidades entre os Estados membros. Diria ser muito improvável que voltem a surgir entre os Estados – membros conflitos insanáveis, com expressão militar. Mesmo a saída do Reino Unido terá mais a ver com a rejeição de uma soberania europeia do que com a lesão de interesses nacionais específicos, muito embora a “devolução” de competências à Escócia tenha aberto uma caixa de Pandora, mostrando – o que seria também aplicável ao caso da Catalunha – que uma declaração de independência, implicaria também uma saída da União sem garantia de regresso(vi).
De modo geral o alargamento a novos membros tem sido feito com ponderação e prudência, garantindo a submissão ao acquis communautaire, e com a disponibilização de meios que permitam atenuar as disparidades de desenvolvimento. As inovações mais arriscadas, como a aprovação de uma Constituição Europeia, que acabou por não passar, ou a criação de uma moeda única, de adesão opcional, conheceram processos demorados.
Portugal esteve desde os anos 1950 atento aos processos de integração europeia mas será de dizer que a adesão às então Comunidades Europeias foi apresentada também como uma questão de regime – e implicitamente como um factor de pressão contra a Constituição de 1976 – e que as consequências do exercício conjunto de soberania implícito na adopção da moeda única não foram cabalmente assimiladas, para o que contribuiu não se ter referendado o correspondente tratado, apesar de uma Revisão Constitucional o ter expressamente consentido. Na arquitectura comunitária só posteriormente ficou previsto que um país pudesse deixar a União Europeia – o que até agora só o Reino Unido considerou necessário fazer, e continua a não estar previsto um processo de opting out em relação ao Euro. Criou-se entretanto um Tratado Orçamental que não foi assinado por todos os estados – membros da EU, mas que Portugal, país sujeito a intervenção, foi dos primeiros a ratificar, no que foi sem dúvida uma originalidade democrática.
Os novos critérios de convergência já terão sido acordados por todos os estados – com a participação de Fernando Medina – mas é singular que o assunto não esteja a merecer atenção no nosso espaço público.
A Europa, 100 anos depois | Parte II
Notas
(i) Apesar do cumprimento das suas obrigações por parte dos oficiais pertencentes aos partidos republicanos – Democrático e Evolucionista – que apoiavam a guerra.
(ii) E por maioria de razão, entre os monárquicos, também presentes no Movimento.
(iii) Isto nada tem a ver com o Pacto de Amizade e Não-Agressão Molotov-Ribbentrop de 1939, mas é ilustrativo do que pode acontecer quando se acredita na capacidade de isolar internacionalmente um rival; chamo a atenção para que no artigo partilhado se explica que o Tratado de Rapallo permitiu à Reichwehr alemã manter-se actualizada no domínio da utilização de tanques, ultrapassando as limitações do Tratado de Versalhes.
(iv) As relações entre a União Soviética e os Estados que viriam a integrar o Pacto de Varsóvia estavam reguladas por acordos bilaterais. De qualquer forma a morte de Estaline em 1953 veio abrir o caminho para um recurso mais largo à via convencional para regular as relações entre a União e as Repúblicas, duas das quais – a Ucrânia e a Bielorússia – eram membros da ONU.
(v) Corrêa Gago no prefácio a Planeamento Económico em Portugal. 1953-1974. Um Acervo Histórico, publicado pelo Departamento de Prospectiva e Planeamento, refere que os planos de fomento portugueses foram hexenais para não se confundirem com os planos quinquenais soviéticos.
(vi) Curiosamente o Reino Unido acabou por sair, contra a vontade da Escócia, e esta só poderia voltar à União Europeia se se tornasse independente.