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Sexta-feira, Julho 26, 2024

A Europa do copyright

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Quem olhar para a generalidade dos comentários feitos sobre o nosso mundo digital contemporâneo fica com a ideia de que estamos perante uma terrível monstruosidade que urge corrigir.

Uns garantem-nos que a internet nos roubou o anonimato e que o ‘big brother’ está a tomar conta de todos os nossos passos, de todas as fotografias, do que comemos, gostamos e fazemos; outros garantem-nos que a internet lança campanhas de ódio e que desencadeia perseguições, outros ainda dizem-nos que a sua criatividade é miseravelmente roubada dos direitos de propriedade, enquanto outros (e eu incluo-me neste campo) nos chamam a atenção para os impostos que os gigantes digitais não pagam e para os enormes poderes que adquiriram.

A internet e o mundo digital da informação vieram sem dúvida revolucionar o nosso dia-a-dia e trouxeram enormes impactos em variadíssimos domínios. O mundo da informação é hoje outro; ninguém precisa de comprar jornais ou ter uma televisão para saber de tudo ou quase de tudo; as enciclopédias deixaram de ser aquelas dezenas de volumes compradas a peso de ouro para consulta periódica no canto da sala; a publicidade é-nos dirigida com base no que são as nossas preferências.

Necessariamente, a internet potencia tudo o que a humanidade é capaz de fazer, seja a capacidade da intriga, inveja, boato e maledicência, seja a de encontrar amigos, parceiros ou amantes, seja a capacidade de promover uma causa humanitária seja de promover o ódio a uma comunidade, ou alguém em particular; a internet multiplica as capacidades de defraudar o fisco, como na verdade também pode armar o cidadão com o conhecimento necessário para exigir uma melhor gestão pública.

É claro que o mundo digital necessita que nos adaptemos e que encontremos as soluções inteligentes para controlar tudo o que de mau se pode propagar por ele sem com isso o incapacitarmos de providenciar o que ele tem de melhor.

A ideia de penalizar as plataformas digitais por tudo o que de mau possa acontecer – mesmo que seja a reprodução de um texto, de uma imagem ou de um comentário de alguém que reproduz outra mensagem que – no final de uma longa linha de comunicações possa ter infringido o direito de propriedade intelectual de alguém é uma ideia perniciosa que poderá pôr em causa a liberdade que a internet nos propiciou.

Começa por dar às grandes empresas digitais poderes morais de censura que elas nunca deveriam ter, continua por fazer dos mecanismos de censura um novo negócio com consequências potencialmente muito negativas, deixa à margem de poderes reguladores democraticamente controlados e da justiça decisões que podem ser essenciais para a nossa vida e retira-nos a todos a liberdade em função de nebulosos critérios e objectivos de correcção política e social.

Creio que precisamos de seguir outro caminho que o da censura generalizada e de poderes draconianos de quem não foi investido de qualquer poder judicial para controlar as nossas vidas.

A Europa do copyright que foi aprovada neste final de legislatura pelo Parlamento Europeu apresenta múltiplos perigos à liberdade dos cidadãos e dá-nos muito poucas garantias da sua defesa e usufruto do mundo digital.

Creio que é necessário construir um modelo de regulação muito mais sofisticado que consiga responder aos grandes desafios do mundo digital preservando tudo aquilo que ele nos trouxe de bom e assegurando os princípios de presunção de inocência, de liberdade de opinião e de expressão que fundam o nossos sistema democrático.


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