Agravado com o eclodir da Covid-19 e o bombardeamento noticioso da sucessão de óbitos e do caos nos sistemas de saúde que, a crer nos meios de comunicação, não se passará um dia sem que algo de extraordinariamente preocupante ocorra e se a guerra na Ucrânia trouxe o instantâneo fim da pandemia, juntou ao léxico informativo uma nova crise de energia e o fenómeno da hiperinflação, os receios de uma crise alimentar e das interrupções nas cadeias de suprimentos, o medo do colapso industrial e da quebra nas comunicações, de ataques cibernéticos e outros apagões mais ou menos generalizados.
Há muito tempo que a comunicação social deixou de contribuir para a informação e o esclarecimento dos cidadãos passando a alimentar activamente o entorpecimento dos sentidos. Claro que a pandemia foi terrível, mas pior ainda terá sido a opção pelos confinamentos ditados pela histeria colectiva e o aproveitamento que deles foi feito (e sobre isso pouco ou nada se tem lido ou ouvido); pandemia que silenciou o flagelo de refugiados e outros migrantes na sua tentativa de alcançarem os países ricos (de acordo com um estudo realizado pelo BCG Henderson Institute (think tank do Boston Consulting Group) em parceria com a Organização Internacional para as Migrações, se todos os migrantes do planeta formassem a população de um mesmo país, constituiriam a terceira maior economia do mundo), ou fez esquecer as graves consequências das guerras no Afeganistão, no Iraque ou na Síria (para só referir as mais faladas) e, salvo o terrorista Império do Mal que continua sediado em Teerão e não no regime saudita/wahabita, relegou para os confins da memória a luta contra o terrorismo islâmico.
A guerra agora é outra; às crises múltiplas juntou-se o discurso da escassez de energia (não uma escassez ditada pelo esgotamento das jazidas de hidrocarbonetos nem pelo aumento da procura, antes a originada pela recusa da compra) que levou a uma subida de preços e ao disparar de uma inflação que não sendo fruto de um aumento da procura, nunca poderá ser eficazmente combatido com a clássica solução do aumento dos juros, como pretendem os bancos centrais.
Uma inflação que não acontece pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura, só pode ser fabricada. E a que agora atravessamos tem tido uma grande ajuda da propaganda dos meios de comunicação que falam sobre ela o tempo todo, fornecendo assim o pretexto ideal para o aumento generalizado dos preços, sem que tão pouco se questione a sua justificação. A comunicação social diz que há inflação, logo todos os aumentos de preços são um facto consumado e se alguém ousa a menor questão, a resposta é imediata e a responsabilidade prontamente lançada sobre a Rússia e a guerra.
Quando tanto se fala na sua escassez de gás, ninguém se interroga porque as reservas europeias estão acima da média dos últimos dez anos, porque em finais de Outubro haviam dúzias de navios-tanque parados ao largo dos portos europeus e o preço spot do gás chegou a valores negativos ou porque a cotação dos futuros atingiu esta semana um mínimo de Julho de 2021?
Tudo indicadores que a escassez de energia é manipulada e este é apenas mais um factor da actual crise! Uma crise que junta factores geoestratégicos (com destaque para a situação na Ucrânia, com a recente reafirmação do empenho norte-americano e da conjugação de interesses com a UE, apesar do canal público da TV polaca ter recentemente anunciado a intenção holandesa de levantar algumas das sanções impostas à Rússia) com factores económico-industriais (como as deslocalizações de indústrias europeias para destinos com energia mais barata), que ameaçam o espaço europeu e se interligam com outras crises – de que é exemplo a crise de governança que a UE atravessa há vários anos, que já ditou o Brexit, ameaçou a saída da Grécia e poderá ainda assistir à da Hungria, quiçá de todo o Grupo de Visegrado (criado em 1991 com o objetivo de reforçar a cooperação e promover a integração dos seus membros na UE, reúne Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) – e calamidades – expressas nas crises alimentares, que estão a facilitar a generalização dos produtos geneticamente modificados (OGM), na vaga de novos vírus e infecções, que a OMS propõe enfrentar com o Pacto Global de contornos e consequências ainda demasiado nebulosas, e nas alterações climáticas – que podem levar à desintegração das sociedades como as conhecemos e como a generalidade dos líderes políticos mundiais parecem apostados.