No passado dia 23 de Fevereiro, numa conferência organizada pelo Centro de Investigação em Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa e o Instituto Europeu, na Fundação Calouste Gulbenkian, para debater o futuro do projecto europeu, o ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço deixava o seguinte alerta:
“O Islão sente a nossa fraqueza. O mundo islâmico adquiriu a consciência do declínio do Ocidente, representado pela Europa, e, como sempre sucedeu na história da Humanidade, está a tentar impor a sua lei”.
Mas Eduardo Lourenço não se ficou apenas por esta observação e foi mais longe no seu raciocínio: “O Islão tem uma consciência muito aguda de que o Ocidente, representado pela Europa está em declínio, sentem a nossa fraqueza enquanto potência mundial e jogam o jogo que sempre se jogou na Humanidade, os mais poderosos, ricos, os mais empreendedores, os mais guerreiros, os mais violentos, têm tendência a impor a sua lei. Para eles nós somos os cruzados”.
“Necessitamos da consciência de que estamos todos no mesmo barco, na nau Europa, que continue a navegar, como na pátria de Ulisses que é a nossa pátria de europeus”, concluiu o filósofo Eduardo Lourenço.
O ex-comissário da Agência da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), António Guterres, já disse por diversas vezes em conferências públicas que “se a União Europeia não conseguir resolver o problema dos refugiados que fogem da morte e da guerra, poderá ser o fim da própria Europa”.
Os turcos já perceberam a desorientação dos líderes europeus
Mas pelos vistos os líderes europeus ainda não se entenderam como vão resolver a questão dos refugiados. Assiste-se a uma desorientação total dentro da União Europeia. Os muros para travar a caminhada e o deslocamento dos refugiados (para alguns migrantes!) têm sido construídos à velocidade da luz. E os corredores humanitários dos Balcãs transformaram-se em verdadeiros corredores da morte para muitos idosos e crianças que fogem da Síria, Iraque, Líbia, Afeganistão e de alguns países do Norte de África.
No momento em que escrevo esta prosa para o “Tornado”, um jornal livre e independente, os principais líderes da União Europeia (U.E) estão reunidos com o primeiro-ministro da Turquia, Ahmet Davutoglu, (e outros governantes turcos) em Bruxelas, para discutirem qual o valor de um pacote económico a transferir para Ancara, de modo a conter o fluxo de refugiados para o continente Europeu.
Ou seja, os líderes europeus estão à mesa com o mesmo primeiro-ministro que manda encerrar jornais livres e independentes na Turquia, fecha os olhos ao tráfico de pessoas no Mar Egeu e faz negociatas pouco transparentes com o petróleo proveniente da Síria e que rende milhões para os jihadistas do estado Islâmico (EI).
Mas nesta reunião de Bruxelas, há mais em jogo do que os recursos financeiros que a União Europeia pretende enviar para Ancara. Os líderes europeus estão desorientados e estão em pânico com a chegada da Primavera e com o aumento do número de refugiados que podem chegar às ilhas gregas e à costa mediterrânica italiana. Recorde-se que na Turquia existem mais de 3 milhões e meio de refugiados à espera de uma oportunidade de entrarem num barco de borracha.
A troco de milhares de euros e da conivência das autoridades turcas.
A Turquia não é um país seguro para ninguém
Num acordo que a organização humanitária Human Rights Watch considerou “uma resposta política falhada e potencialmente perigosa para a União Europeia” ao fluxo migratório, os líderes europeus prometeram em Novembro de 2015, enviar para a Turquia 3 biliões de euros para viabilizar os esforços para manter refugiados e migrantes no país.
Uma estratégia que falhou por completo, pois os fluxo de migrantes (refugiados) não abrandou no Mar Egeu nem no Mediterrâneo. E as diversas organizações humanitárias, os governos da Grécia e Itália, a Polícia Marítima Portuguesa e os próprios responsáveis da NATO fizeram questão de afirmar que o fluxo de refugiados não pára de crescer.
O governo de Erdogan comprometeu-se por diversas vezes a cooperar com as autoridades europeias. Investindo nos campos de refugiados, e ao condenar e punir todos os cidadãos turcos (ou outras nacionalidades) que estão a promover o tráfico de migrantes. Mas a verdade é que os números de pessoas que chegam à Grécia e Itália, provenientes da Síria, Iraque e outros países, provam exactamente o contrário.
Sabe-se pela ACNUR e pela ONU que apesar de os governantes turcos dizerem que os refugiados sírios registados no país terem direito aos serviços de saúde e educação, a verdade é que apenas metade das crianças sírias têm acesso às escolas públicas turcas. O governo de Ancara promete mas não cumpre.
Há três semanas atrás, os refugiados que vivem na Turquia e que estivessem registados não tinham direito a trabalhar no país liderado por Recep Tayyip Erdogan e Ahmet Davutoglu. Dois autocratas contestados há imenso tempo na Turquia. É verdade que devido a algumas pressões ocidentais o governo turco aprovou novas condições laborais de modo a que os refugiados sírios pudessem conseguir trabalho legalmente. Mas a verdade é que são poucos os sírios que conseguem trabalho na Turquia.
Os representantes do governo turco presentes na reunião de Bruxelas, dizem que o dinheiro que for transferido da União Europeia para Ancara vai ser investido nas infra-estruturas dos campos de refugiados (esgotos, saneamento e água potável), especialmente na cidade fronteiriça de Kilis, onde metade da população é síria. A cidade onde o tráfico de refugiados tem redes muito bem organizadas. E operam com a conivência das autoridades policiais turcas. Uma situação que tem vindo a ser denunciada pelos órgãos de comunicação internacionais.
Antes do início da reunião, ficou a saber-se em Bruxelas, que a União Europeia está disponível para enviar para a Turquia 90 milhões de euros que possam ser investidos na educação e na ajuda humanitária e impedir a saída de refugiados via Mar Egeu para o continente europeu.
Mas os governantes turcos já compreenderam a desorientação dos líderes europeus e exigem muito mais na mesa de negociações. Eles fazem exigências para a concessão de vistos para os cidadãos turcos poderem entrar na União Europeia, querem regalias aduaneiras e também estão a negociar sobre o fornecimento de energia à Turquia.
As negociações de Bruxelas podem ser catastróficas para a U.E
Que fique bem claro o seguinte: em Bruxelas não se negoceiam apenas e só as condições que possam travar o fluxo de migrantes ao território da União Europeia, mas outras matérias que interessam a Ancara.
A vice-directora da Human Rights Watch para a União Europeia, Judith Sunderland já deixou um aviso muito sério: “A Turquia está a negociar outros interesses próprios e quer fazer crer os líderes europeus de que o país é seguro para os migrantes que chegam da Síria ou do Iraque. Ou seja, a Turquia está a criar e ilusão de que é um país seguro para os refugiados, mas não é. E o acordo entre a União Europeia e a Turquia poderá causar mais danos do que ajudar os que fogem da guerra e da morte”.
Um relatório da organização de direitos humanos aponta que o país “não provê uma protecção eficaz para os refugiados e repele com frequência os requerentes de asilo de volta à Síria”, o que seria uma violação da Convenção sobre os Refugiados de 1951.
Para a maioria dos observadores internacionais presentes em Bruxelas, a Turquia não se enquadra na definição de “país seguro”, pois, o registo de ataques a vários cidadãos sírios que se encontram em território turco provam exactamente isso.
Convém recordar que no final de 2015, o jornalista e cineasta sírio Naji Jerf, conhecido por expor as atrocidades da organização extremista “Estado Islâmico” (EI) na cidade síria de Raqqa, foi assassinado na cidade fronteiriça de Gaziantep. A sua morte ocorreu dois meses após dois activistas sírios que actuavam contra o E.I serem decapitados na cidade turca de Sanliurfa.
No ano passado, mais de um milhão de refugiados conseguiram chegar à Europa. Em 2016, esse total já é de 130 mil. Os europeus estão aterrorizados com o crescimento desta migração em massa e com a crise humanitária que se instalou no corredor humanitário dos Balcãs e nas fronteiras da Áustria e Alemanha.
Até agora os governantes turcos continuam a iludir os principais líderes europeus. E enquanto se fazem concessões desastrosas à Turquia em Bruxelas, chegam à ilha de Lesbos, na Grécia mais umas centenas de migrantes que atravessaram o Mar Egeu.
Os líderes europeus têm de compreender de uma vez por todas o conselho que é dado pelo ex-comissário da ACNUR e candidato a secretário da ONU, António Guterres:
“A União Europeia deve olhar para a crise dos refugiados como uma crise humanitária. E deverá criar meios próprios para resolver este problema. Caso contrário podemos assistir ao desmoronamento da própria União Europeia”.
A equipa portuguesa da Polícia Marítima (PM) que está em missão na Grécia resgatou e apoiou 264 pessoas no mar Egeu nos últimos dois dias, informou esta segunda-feira a Autoridade Marítima Nacional (AMN).
A equipa, que se encontra na ilha de Lesbos desde 01 de outubro para apoiar a guarda costeira grega (integrada na operação Poseidon Rapid Intervention) fez quatro missões de busca e salvamento em três patrulhas, resgatando 93 crianças, 72 mulheres e 99 homens, especificou a AMN em comunicado.
Os migrantes e refugiados estavam em embarcações com os motores avariados e tinham sido deixados à deriva entre a Turquia e a Grécia por “facilitadores”.
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