Além de manifestações em defesa da educação pública e da democracia, esta terça-feira (13) marcou os 50 anos da morte corporal do músico Jacob do Bandolim. Corporal porque a obra de todo grande artista é imortal, o que de certa forma o mantém vivo.
Jacob do Bandolim era o trovão. Onde ele estivesse, o espaço era totalmente ocupado pela sua voz ou pelo seu olhar ou pela sua música. Seu bandolim encantado inundava nossas vidas através dos saraus na generosa casa de Jacarepaguá (bairro onde ele residia no Rio de Janeiro)”.
O músico autodidata está eternizado também na música homenagem feita por seu filho Sérgio Bittencourt, Naquela Mesa, um lamento pela perda precoce do pai aos 51 anos, mas que também mostra a importância de um pai presente na vida e na educação dos filhos:
“Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã.
E nos seus olhos era tanto brilho,
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã”
Importante lembrar da obra dele que dedicou a vida à sua arte e elevou o patamar do choro (gênero musical e instrumental genuinamente brasileiro, nascido no século 19) com sua dedicação e qualidade incontestes. Principalmente porque a mídia comercial do Brasil ignora toda expressão artística que não tem potencial de gerar altos lucros rapidamente.
Constatação feita pelas poucas homenagens pela passagem de seu centenário em 2018. Ficam no imaginário de quem ama a música clássicos do choro de sua autoria como Vibrações, Doce de Coco, Noites Cariocas, Assanhado e Receita de Samba. Em 1964, criou o também importante conjunto de choro Época de Ouro.
Para o jornalista e escritor João Máximo:
Jacob era, no mínimo, dois: o músico extraordinário, perfeccionista, obsessivo pesquisador de sons, compositor e líder, defensor do choro, do samba, da valsa, desde que música brasileira, e o homem sisudo, franco, veemente na defesa de seus pontos de vista e, com frequência, mal-humorado. É mais do que defensável a tese de que o melhor Jacob – o sentimental, o lírico, o enlevado virtuoso que tocava, de modo muito próprio, com o instrumento colado ao peito – era mesmo o do bandolim”.
Ele se apresentou pela primeira vez na Rádio Guanabara, no Rio de Janeiro, como amador, em 1933, com o conjunto Sereno, formado por amigos, quando ainda tocava violão. Vale lembrar que nos anos 1930/1940 o cenário da comunicação era dominado pela “Era do Rádio”, ainda não havia televisão e as programações das emissoras existentes davam espaço para a música, inclusive instrumental, e para os artistas brasileiros, grandes nomes da música popular surgiram nessa época.
Ele adotou o bandolim como seu instrumento para manifestar a sua arte, em 1934, mesmo ano em que assinou o primeiro contrato profissional com a Rádio Guanabara. Nunca mais abandonou a música, mesmo trabalhando como funcionário público.
Jacob tornou-se um bem patrimonial que, feito mangueira frondosa, atirou suas ramas para além dos quintais brasileiros. Fecundou sementes por esse mundão afora”.
Segundo Carvalho, o músico transformava tudo o que tocava, “era assim: um Pixinguinha ou Anacleto, um Tom Jobim ou Nazareísta ganhavam nova identidade por meio da sonoridade e das inflexões que seu mágico bandolim imprimia àquilo tudo que ele tocava – e tocar tem, aí, um sentido mágico, sublime, divinal”.
O primeiro disco solo de Jacob só seria lançado em 1947, com o seu choro, Treme-treme e a valsa Glória, de Bonfiglio de Oliveira, acompanhado por um grupo de músicos que com ele tocava nas rádios e que ficou registrado no rótulo do disco como sendo César e seu conjunto.
Jacob era um homem sério e muito exigente. Era daquele tipo de antigamente: um olhar bastava para manifestar a sua contrariedade. Um olhar, por exemplo, num dos músicos do seu conjunto por causa de um erro qualquer era mais violento do que qualquer espinafração”.
Inevitável registrar a importância desse talento da música popular brasileira para se contrapor aos tempos de rancor e ódio que o país atravessa na segunda década do século 21. Nada como a boa arte para nos lembrar de nossa humanidade e Jacob do Bandolim nos remete ao melhor do que podemos ser.
Com todas as virtudes, fraquezas, defeitos e rastros de luz que certos homens, que ainda escrevemos com “agá” maiúsculo, souberam ou sabem ser. E homem com H maiúsculo, para mim é Gênio. Tenho certeza e assumo: não sou nada, porque, de fato, não preciso ser. Me basta ter a certeza inabalável de que nasci do Amor, da Loucura, da Irrealidade e da Lucidez de um Gênio”.
Texto em português do Brasil
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