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Domingo, Novembro 24, 2024

A guarda pretoriana de Moro na Lava Jato

As mais recentes revelações sobre a atuação da chamada força-tarefa da Operação Lava Jato mostram como agiam os procuradores diante do então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro.Os procuradores eram, na verdade, serviçais do juiz, de acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em parceria com o site The Intercept Brasil. O conteúdo das mensagens mostra os procuradores agindo como verdadeiros guardas pretorianos do então juiz. Ou como samurais, cuja tradução é guerreiros, que serviam ao shogunato japonês e resolviam qualquer desentendimento ou divergência de opiniões via katana (o sabre dos guerreiros).

A tradução direta de shogun é general. No Brasil, usa-se o termo coronel para designar o mesmo tipo de posição social. Os samurais eram a versão japonesa dos que servem aos coronéis no Brasil. Viviam para defender o castelo e as outras propriedades do shogun que ficavam ao redor da fortaleza — pessoas, casas, plantações.

Moro contrariado

Segundo o jornal, procuradores na linha de frente da Lava Jato se articularam para proteger Sergio Moro e evitar que tensões entre ele e o Supremo Tribunal Federal (STF) paralisassem as investigações num momento crítico para a força-tarefa em 2016, de acordo com mensagens privadas enviadas por uma fonte anônima ao The Intercept Brasil e analisadas pela Folha e pelo site.

O objetivo era evitar que a divulgação de papéis encontrados pela Polícia Federal (PF) na casa de um executivo da Odebrecht acirrasse o confronto com o STF ao expor indevidamente dezenas de políticos que tinham direito a foro especial –e que só podiam ser investigados com autorização da corte.

O episódio deixou Moro contrariado por criar novo foco de atrito com o Supremo, um dia depois de ele ser repreendido pelo tribunal por causa da divulgação das escutas telefônicas que tiveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como alvo naquele ano.

As mensagens indicam, segundo a Folha, que os procuradores e o então juiz temiam que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, desmembrasse os inquéritos que estavam sob controle de Moro em Curitiba e os esvaziasse num momento em que as investigações sobre a Odebrecht avançavam rapidamente.

Os diálogos sugerem que o incidente foi causado por um descuido da Polícia Federal no dia 22 de março de 2016, quando ela anexou os documentos da Odebrecht aos autos de um processo da Lava Jato sem preservar seu sigilo, o que permitiu a divulgação do material por um blog mantido pelo jornalista Fernando Rodrigues na época, informa o jornal.

Apoio incondicional

Assim que soube, do dia seguinte, Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, para reclamar da polícia e avisar que acabara de impor sigilo aos papéis. “Tremenda bola nas costas da Pf”, disse. “E vai parecer afronta”, acrescentou, referindo-se à reação que esperava do Supremo.

Moro avisou que teria de enviar ao tribunal pelo menos um dos inquéritos em andamento em Curitiba, que tinha o marqueteiro petista João Santana como alvo. Deltan disse ter contatado a Procuradoria-Geral da República e sugeriu que o juiz enviasse outro inquérito, com foco na Odebrecht.

Horas depois, o procurador escreveu novamente a Moro para discutir a situação e sugeriu que não tinha havido má-fé na divulgação dos papéis pela PF. “Continua sendo lambança”, respondeu o juiz, no Telegram. “Não pode cometer esse tipo de erro agora.”

Deltan procurou então encorajar Moro e lhe prometeu apoio incondicional. “Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações”, escreveu.

Moro disse que temia pressões para que sua atuação fosse examinada pelo Conselho Nacional de Justiça e comunicou que mandaria para o Supremo os três principais processos que envolviam a Odebrecht, inclusive os que a força-tarefa tinha sugerido manter em Curitiba.

Deltan prometeu ao juiz que falaria com o representante do Ministério Público Federal no CNJ e sugeriu que tentaria apressar uma das denúncias que a força-tarefa estava preparando. A medida permitiria que o caso fosse encaminhado ao STF já com os acusados e crimes definidos na denúncia.

Folha informa que os diálogos analisados fazem parte de um pacote de mensagens que o site The Intercept Brasil começou a revelar no último dia 9. O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários grupos do aplicativo Telegram desde 2014.

As mensagens mostram também que procuradores e policiais se mobilizaram em diversos momentos para manter o juiz como um aliado da força-tarefa, seguindo sua orientação até mesmo quando criticou uma procuradora cujo desempenho numa audiência lhe parecera fraco.

Grupo da PF

No caso da lista da Odebrecht, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo — um dos cabeças do grupo da PF que se juntou à Lava Jato —, que chefiava as investigações sobre a empresa, minutos depois de receber a reclamação do juiz. “Moro está chateado”, escreveu. “Vai apanhar mais do STF, porque vai parecer afronta”, acrescentou, repetindo a palavra usada pelo juiz antes.

O procurador sugeriu que o policial fizesse uma análise mais aprofundada da lista para verificar se os valores correspondiam a contribuições políticas feitas legalmente ou não e fez um apelo. “Por favor nos ajude a pensar o que podemos fazer em relação a isso”, escreveu.

Anselmo respondeu no fim do dia, de acordo com as mensagens. Disse que correra para anexar os papéis aos autos dentro do prazo legal e que não via motivo para “todo esse alvoroço”, acrescentando a Deltan que parte do material já tinha sido exibido a três integrantes da força-tarefa um mês antes, quando foi encontrado.

Deltan afirmou ao delegado que ele cometera um erro na sua avaliação e pediu que fosse mais cuidadoso. “O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim”, explicou. “Vem porrada.”

No fim da noite, Moro pediu a Deltan que ajudasse a conter o grupo antipetista MBL (Movimento Brasil Livre), após um protesto em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, em que militantes estenderam faixas que o chamavam de “traidor” e “pelego do PT” e pediam que deixasse “Moro trabalhar”.

“Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro”, digitou Moro no Telegram, no fim da noite. “Isso nao ajuda evidentemente.”

Deltan disse que ia procurar saber, mas observou que talvez fosse melhor não fazer nada. “Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro”, disse. Mais tarde, o procurador disse que a força-tarefa não tinha contato com o MBL, e Moro não insistiu mais no assunto.

Em 28 de março, após receber manifestação formal do Ministério Público sobre os processos, Moro mandou para o STF dois inquéritos e uma ação penal que estavam em andamento em Curitiba, incluindo os autos com a lista da Odebrecht, para que Teori decidisse o que fazer com eles. “O ideal seria antes aprofundar as apurações para remeter os processos apenas diante de indícios mais concretos de que esses pagamentos seriam também ilícitos”, anotou em seu despacho. “A cautela recomenda, porém, que a questão seja submetida desde logo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.”

Pagamento de propinas

Em 22 de abril, Teori decidiu devolver os três processos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos, que foram preservadas sob sigilo. Primeiro relator da Lava Jato no Supremo, Teori morreu num acidente aéreo em janeiro de 2017.

Diz a Folha que nessa época, os procuradores já haviam convencido uma funcionária do departamento supostamente responsável por pagamentos de propina da empreiteira a cooperar e estavam começando a negociar acordos de delação premiada com os principais executivos da empresa. Procurado pelo jornal, Moro afirmou que sempre respeitou o MBL e voltou a criticar invasão de celulares. Já equipe de procuradores da Lava Jato não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Segundo levantamento feito pelo CNJ a pedido da Folha na semana passada, 55 processos foram abertos para examinar a atuação de Moro na Lava Jato e 34 já foram arquivados sem punição para o ex-juiz, incluindo diversas reclamações por causa da divulgação das escutas em 2016.


Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (Justificando) / Tornado


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