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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

A guerra do marco fiscal: direita prepara endurecimento

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

Pelo menos um favor a direita parlamentar já fez ao governo: o relator do projeto de regra fiscal de Haddad, deputado Claudio Cajado, trocou a horrível palavra arcabouço pelo nome mais sonoro de “Regime Fiscal Sustentável”. Em compensação, o relator e turma de Lira, a direita da “frente ampla”, prepara o endurecimento das regras propostas, criando mais travas contra o gasto público, o que na prática significa cerceamento ao investimento e às políticas sociais.

A guerra está em curso e o governo sabe que é imperioso vencê-la para alcançar seus objetivos econômicos, e por decorrência os objetivos políticos. O êxito do governo Lula depende fundamentalmente de seu sucesso econômico, sem o qual a frente lulista poderá ter dificuldades para se manter no governo em 2026 (e nas eleições municipais do ano que vem). E o sucesso econômico, vale dizer, crescimento, emprego, renda e mais conforto para a população, depende muito da regra fiscal e da reforma tributária.

É preciso compreender o ambiente político em que o novo Regime Fiscal será votado. Neste momento, tomando como pretexto  iniciativas do Governo como a indicação de Gabriel Galípolo para a diretoria do Banco Central e a ação judicial da AGU para alterar a regra de participação do governo na gestão da Eletrobrás, a direita parlamentar e as forças pró-mercado alinharam-se para colocar “travas” mais duras na proposta e limite à ação do governo, como a dizer: daqui não passarão.

Nada traduz melhor esta disposição das forças liberais-conservadoras do Congresso do que a declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira, anteontem em Nova York: “A maior reforma que o atual Congresso fará será não deixar retroceder as reformas liberalizantes que já aprovamos”.

Diante da clara movimentação conservadora, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, já deu o grito hoje: “estão querendo é ressuscitar o teto de gastos”.

Em fina sintonia com Lira, o relator Cajado prepara um substitutivo em que endurece as regras de controle dos gastos, o que ele está chamando de “enforcement”, dourando a pílula amarga com a palavra em inglês. Ele disse hoje que tem ouvido pedidos neste sentido de quase todas as bancadas. Ele já se reuniu com as do União Brasil, PP, Podemos, Republicanos, PSDB/Cidadania, PT e PL. Para hoje estavam previstas reuniões com PSB e PSD, partidos que por sinal estão conversando com o governo sobre a (in)fidelidade de seus deputados. O PSB já esteve no Planalto hoje e saiu jurando lealdade, ao mesmo tempo que o governo prometeu agilidade no atendimento dos pleitos.

Qual é o “enforcement” de Cajado? Ele diz que não proporá o crime de responsabilidade (que pode dar impeachment do presidente) para o caso de descumprimento das metas. Mas, em troca, proporá metas mais “ambiciosas”, vale dizer, mais duras. Por exemplo: o texto de Haddad autoriza o governo a gastar até 70% do crescimento da receita. Ele quer reduzir isso para 60%. Já o PT, quer ampliar o limite para 80%. Haddad estará entre dois fogos, um pela esquerda e outro pela direita.

Cajado quer trazer de volta o contingenciamento obrigatório (congelamento temporário dos gastos orçamentários, exceto despesas obrigatórias) quando as metas não forem cumpridas em um trimestre. Isso é gesso nas pernas do governo. Quer também proibir que, enquanto durar eventual descontrole, o governo ficará proibido de conceder aumentos salariais acima da inflação, realizar concursos públicos ou conceder incentivos fiscais. Outras travas estão sendo analisadas. Propostas de emendas já lhe chegaram em profusão.

Nesta quarta-feira, finalmente, o governo resolveu se movimentar com mais vigor para se acertar com os aliados. Houve uma grande reunião palaciana reunindo Lula, os ministros Rui Costa e Alexandre Padilha, o líder do governo na Câmara, José Guimarães e outros mais. Em seguida houve a reunião com o PSB, presente o vice-presidente Geraldo Alckmin, que é do partido. Já deve ter ocorrido o encontro com o PSD e haverá também “discussões da relação” com o MDB e União Brasil. O ministro Rui Costa fez autocrítica sobre o atraso na liberação de emendas e a falta de diálogo com as bancas. À tarde Padilha foi ao Senador reunir-se com o líder Jaques Wagner buscando resolver ali um outro problema: barrar o projeto de decreto legislativo que a Câmara aprovou na semana passada, derrubando trechos de um decreto de Lula sobre o marco do saneamento.

O governo está dizendo que vai pagar o preço. O marco fiscal será aprovado mas o próprio Haddad já sabe que haverá endurecimento. Realista, ele calculou no início que a proposta poderia sofrer alterações em 40% de sua essência. Se ficar só nisso, estará de bom tamanho.


Texto original em português do Brasil

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