A guerra no filme “Não haverá mais noite” e o cinema de John Huston em Moulin Rouge.
Não gosto de ver os chamados filme de guerra. Não tem sentido ficar vendo as violências nefastas que esse tipo de filme mostra. Mas em face dessa guerra que estamos vivendo e encontrando um documentário que está em exibição no Making Off, vi. E como era uma obra de apenas 1h16min, “Il n’y aura plus de nuit” me atraiu.
A cada dia essa situação que o mundo está vivendo fica mais próxima de uma guerra geral. O que nos coloca em mais uma situação de trágico. Talvez os homens queiram mostrar que o mundo moderno também pode ser e criar tragédias. Os dois senhores que estão à frente dos Estados Unidos e da China tenham “duas mãos e o sentimento do mundo”, como disse ter Miguel Arraes, citando um verso de Drummond, quando assumiu pela primeira vez o Governo de Pernambuco. Isso é o que a humanidade deverá estar esperando. É verdade que a guerra é algo cotidiano, como falou o poeta Alberto Lins Caldas, mas também será a paz, e assim o cinema pode dar algo para criarmos uma continuidade inclusive pela poesia.
“Não haverá mais noite” é um filme de produção francesa com direção da cineasta Eléonore Weber, mas as imagens foram todas filmadas pelos pilotos que dirigiam os aviões em plenas guerras dos Estados Unidos e França contra o Afeganistão, o Iraque, o Paquistão e outras batalhas. Com as suas super câmeras ligadas para inclusive ver tudo o que estava acontecendo em cada terreno, cada um deles viu o que eles próprios destruíam. E as imagens mesmo na noite mostram tudo no claro. A câmera deles consegue eliminar a noite naqueles campos. E assim as pessoas não têm como se esconder. Inclusive cenas patéticas de rapazes jogando futebol ou brigando um com o outro. Essa é a visão que a guerra dos nossos dias mostra.
Mesmo sem ter sido filmado pelos cineastas, “Il n’y aura plus de nuit” é uma criação fílmica excelente, e isso principalmente não só pela montagem das imagens, mas também pelo texto que as acompanha. Entretanto, a força das imagens tem muito mais expressão criativa que o texto de certa forma poético.
O fundamental é que não é uma obra como muitas do gênero filme de guerra, que utiliza a violência para atrair certo tipo de público. Quem gosta de violência visual certamente não verá ou não sentirá nenhuma atração por esse filme. A guerra tecnológica é muito mais disfarçada do que a antiga guerra, ou mesmo até uma simples briga de pessoas lutando à faca peixeira.
Olinda, 06. 03. 22
O cinema americano dos anos 50
Certamente para o público de hoje – os jovens de 30 ou 40 anos – falar sobre filmes dos anos 50, mesmo norte-americanos, é falar sobre um extremo passado. Mas para mim um filme como “Moulin Rouge”, feito em 1952 pelo cineasta John Huston, é uma presença extraordinária. Não sei se ele foi exibido aqui no Recife ainda nos anos 50, pois pode ter sido nos anos 60, mas para minha memória tanto faz que seja uma década ou outra. E “Moulin Rouge” entrou na programação da plataforma Mubi trazendo uma cópia restaurada, com perfeita qualidade técnica.
Me recordo de que vi esse filme com bastante interesse, claro que era importante para mim o fato de se tratar de uma obra que falava sobre um momento da cultura francesa muito visível, pois além do Moulin Rouge ser o cabaré que fica em Paris, é um ponto turístico fortíssimo, e tinha a presença do pintor Toulouse-Lautrec.
John Huston era norte-americano e fez muitos bons filmes dentro da produção norte-americana, embora o “Moulin Rouge” tenha sido feito na Inglaterra. Certamente, já naqueles anos os cineastas procuravam fugir aos padrões de Hollywood tentando conseguir apoio de produtores independentes.
Se comparássemos com a linguagem cinematográfica de hoje, veríamos que o filme poderia ser bem mais leve como narrativa, mas para um cineasta trabalhando nos anos 50, John Huston consegue contar muito sobre o Moulin Rouge e também sobre Toulouse-Lautrec, sem utilizar os chavões da linguagem hollywoodiana. Huston mostra o cabaré com a narrativa apenas dos próprios diálogos e não criando um narrador. E o mesmo acontece para contar a estória de Lautrec. Os dois atores principais do filme são José Ferrer e a atriz vedete Zsa Zsa Gábor.
John Huston fez muitos filmes que ganharam fama, mas uma obra que me interessou bastante foi “The african queen” com a destacável interpretação de Katharine Hepburn. Lembro a sequência em que ela mostra com toda a pompa da personagem o enorme drama vivido dentro de um rio nas regiões africanas. Até hoje me recordo de como a atriz sofria e parecia principalmente sofrer, e como o seu acompanhante Humphrey Bogart gozava com o seu sofrimento ali. Uma sequência como essa me parece poder servir para o conhecimento da paisagem humana, talvez melhor do que possa acontecer dentro de um consultório psicanalítico.
Enfim, eu sempre combati o cinema hollywoodiano, mas também nunca deixei de apreciar as suas grandes produções cinematográficas. Um cineasta como John Huston além de ser realmente norte-americano é um dos maiores esteios desse cinema. Sem se deixar apegar com uma produção mesquinha ou restrita. Enquanto imagem clara.
por Celso Marconi, Crítico de cinema mais longevo em atividade no Brasil. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8 | Texto em português do Brasil
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