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Sábado, Dezembro 21, 2024

A instável situação da UE

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Numa conjuntura particularmente turbulenta e incerta, agravada pelo clima de guerra na sua fronteira leste e pela assumida opção de apoio a uma das partes naquele conflito, ainda mal recuperada da crise financeira global (2008-2012), da subsequente crise das dívidas soberanas (2010-2013) e do Brexit (2020), a UE continua a somar mais indícios de fracasso que de sucesso, mas os seus dirigentes insistem em apregoar o seu papel de farol das liberdades…

Não satisfeita com a constante acumulação de erros, cega para os resultados dos sucessivos processos de alargamento que levaram a União a crescer para leste (2004 e seguintes) antes de ter assegurado a estabilidade e o sucesso de uma integração minimamente conseguida a sul (o célebre ventre macio de que falava Churchill nos anos 40), a nomenclatura bruxelense somou à degradação da sua própria qualidade erros táticos, como o da triste Constituição Europeia (2003/2004) ou o do ainda pior processo de referendos (2005), prontamente abandonado aos primeiros sinais negativos, permanece surda aos constantes alertas de insatisfação popular, de tal forma que quase cinco anos depois de a Grã-Bretanha ter votado para deixar a UE, esta enfrenta uma questão existencial: qual dos 27 países restantes poderá ser o próximo?

Com a coesão europeia ameaçada por esta série de questões graves (de natureza interna ou externa), os problemas da migração em massa e o desafio que esta representa para a integração continuam a ser uma questão muito valorizada pelas populações e depois da pausa nas travessias de migrantes ditada pela Covid-19 (também esta causadora de tensões recorrentes sobre a sua resposta à pandemia, principalmente no que diz respeito à distribuição de vacinas), começam a refazer-se as rotas, principalmente a partir da Líbia, pelo que será apenas uma questão de tempo até que os políticos sejam vítimas da sua habitual retórica e dos seus passes de mágica sobre os “benefícios” da migração em massa para reequilibrar a distorcida pirâmide etária europeia, sem as devidas políticas de acompanhamento e integração ou assimilação cultural.

Por outro lado, a acreditar nas agências de apostas o favorito é a Itália (3/1), seguida da Grécia (6/1) e da Polónia (7/1), com Portugal a surgir apenas em 10º lugar (16/1), depois da Espanha (8º lugar, com 14/1) ou dos fundadores França e Holanda, em 4º e 5º lugar, com 8/1 e 12/1, respectivamente, mas recorde-se que eles nem sempre fazem a escolha certa, como se comprovou no caso do Brexit.

Neste século, e especialmente após a crise global de 2008, tem crescido entre os países da chamada “europa do norte” um sentimento de contestação a um certo despesismo da UE. Seja pelo sentimento das crescentes dificuldades financeiras internas (concretamente no financiamento dos seus sistemas de saúde e segurança social), seja como reacção à sua situação de contribuintes líquidos da união, os chamados “estados frugais”, que estiveram na primeira linha de defesa da famigerada resposta monetarista à crise das dívidas soberanas, contestam cada vez mais a união, mas não os seus “vícios”, entre os quais se devem contar as questões relativas à soberania nacional e ao controle sobre questões políticas sensíveis cada vez mais entregues ao livre arbítrio de funcionários comunitários e não ao de representantes eleitos.

Esta falta de respostas politicamente sustentadas no voto aplica-se a questões tão importantes quanto as da imigração, segurança ou economia e a avaliar pelo resultado negativo nos referendos que franceses e holandeses infringiram à proposta de constituição europeia, é um sentimento que ultrapassará já as classes políticas de cada estado-membro. Mas daqui a garantir a eminência de outra saída da UE vai um passo grande, tanto mais que os aparentes candidatos são membros da Zona Euro – o Reino Unido nunca aderiu à união monetária e o mero processo de reversão para moedas nacionais não será fácil nem barato – e as suas economias contam-se entre as maiores (França e Itália são, respectivamente a 7ª e a 8ª economia mundial, a Espanha é a 14ª e a Holanda a 17ª) e todas mais dependentes do mercado único.

Segundo o Eurobarómetro de Maio de 2022, quase metade dos cidadãos europeus confiam na UE (47%), uma quebra de 2% relativamente à Primavera de 2021, tendência igual à registada pela confiança nos respectivos governos nacionais; entre os países com maior confiança na UE contam-se Portugal (65%), Irlanda e Estónia (63%), Malta e Dinamarca (61%) e entre os que apresentam menores valores contam-se a França (32%), Grécia (39%) e Áustria (42%). Este cenário poderá parecer optimista face aos valores mínimos (31%) registados no auge da crise das dívidas soberanas, mas a tendência decrescente e a expectativa de agravamento da actual conjuntura de crise indiciam o seu agravamento, fenómeno a que não deverá ser estranho o crescimento das tendências populistas na maioria dos estados-membro.

Mesmo sem esquecer quão improvável pareceu o Brexit e quão demagógica foi a sua campanha, o facto é que ele aconteceu e embora não se tenha revelado a catástrofe socio-económica que tantos previram, a realidade continua difícil, com uma periclitante retoma de controlo nacional, uma economia frágil e um equilíbrio político muito longe de ser atingido.

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