No início dos anos 80 a febre do momento entre boa parcela dos estudantes universitários e em certas camadas da classe média eram os grupos de ufologia inspirados em um livro intitulado “Eram os Deuses Astronautas”. Para os adeptos daquela onda, o autor do livro apresentava provas irrefutáveis de que os alienígenas existiam e que já haviam visitado a terra.
Os argumentos que me eram apresentados para sustentar tais teses me pareciam absolutamente ridículos, mas ao refutá-los, no entanto, sempre me vinham com a resposta de que eu não tinha o direito de contestar algo que eu sequer tinha lido.
Para escolher minhas leituras, sempre tive por critério conhecer minimamente o autor. No caso específico, ainda que não tivéssemos a internet na época, uma rápida pesquisa foi suficiente para descobrir que o tal Erich Von Daniken não era nada mais que um indivíduo que teve uma formação fundamentalista católica na sua juventude, com vocação para fanatismos, e com um passado repleto de condenações por furtos, fraudes e falsificações. Seu best-seller, devorado na época pela classe média, havia sido escrito na prisão. Ou seja, tratava-se de um indivíduo sem nenhuma formação ou conhecimento científico, mas extremamente hábil na arte de produzir farsas e iludir pessoas. Não valia a pena perder tempo com a leitura de seus livros.
Desta forma, nunca tive o menor interesse em ler qualquer coisa do farsante que incrivelmente ainda hoje posa de arqueólogo, teórico e escritor, produzindo programas televisivos. Da mesma forma, não tenho nenhum interesse em ler qualquer coisa do astrólogo autointitulado filósofo que é a febre do momento entre as camadas de ignorantes e cujas credencias não são melhores que as de Von Daniken.
Mas incrivelmente, por mais que sejam desmascarados e ridicularizados estes falsos intelectuais como Von Daniken ou Olavo de Carvalho, ou falsos líderes espirituais como João de Deus, parece que em especial vastas parcelas da classe média tem uma certa avidez pela ignorância, de forma que acaba a onda de influência de um charlatão, logo à frente surge outro a ser consumido por uma legião de imbecilizados, muitas vezes com as mesmas pregações já desmascaradas.
Ainda que seja um fenômeno comum e recorrente as ondas movidas pela ignorância de frações da população e pela perspicácia de espertalhões, me parece que o Brasil está sendo absolutamente pioneiro na institucionalização de tal ignorância enquanto política de governo em áreas cruciais como a educação, direitos humanos, meio-ambiente e relações exteriores.
Objetivamente são irreparáveis as consequências da ação destes charlatões sobre seus grupos de influência. Jamais será possível reverter os danos psicológicos a uma mulher que foi estuprada pelo líder religioso e jamais será reparada a vida de uma criança que morre de uma doença infecciosa porque não foi vacinada porque o pastor proibiu a vacina. Também com certeza é irreparável os danos intelectuais em indivíduos que se deixam influenciar por falsos teóricos como os acima expostos. Ainda assim são danos individuais ou no máximo a grupos de influência que provocam estragos, mas não comprometem substancialmente o curso de desenvolvimento da sociedade. Quando tais pensamentos exóticos e oportunistas se transformam em políticas de governo ou estado, no entanto, certamente representará um retrocesso social e econômico que poderemos ter que trabalhar décadas e décadas para recuperar futuramente. Em especial na educação, as atuais políticas objetivam lançar a sociedade brasileira nas trevas e instituir a ditadura do charlatanismo intelectual e religioso.
Certamente, pelo descaso histórico dos governos passados, não temos uma universidade que possamos dizer que seja elemento central impulsionador do desenvolvimento econômico e social do país, mas ainda assim, no decorrer de mais de um século, a universidade brasileira se desenvolveu e produziu conhecimento. Ainda que fosse para alicerçar o seu projeto político e tentado tutelar a academia, mesmo no regime militar os governos autoritários não subestimaram a produção do conhecimento científico. O que assistimos no momento, no entanto, não é a tentativa de tutela, mas sim de liquidação do conhecimento, de extinção das universidades públicas e de apologia da ignorância. É a tentativa de destruição de quase um século e meio de desenvolvimento de nosso conhecimento construído a muito custo. O corte de verbas de 30% do orçamento das instituições federais é só o começo.
Da mesma forma podemos afirmar que a formação inicial de nossas crianças apresenta enormes debilidades, decorrentes do fato de que a educação sempre foi colocada em segundo plano por nossos governantes. Mas ainda que tenhamos um quadro de professores com formação aquém da desejável e da falta de infraestrutura de nossas escolas de ensino fundamental, dos baixos salários, termos conseguido a universalização da oferta deste nível de ensino foi uma verdadeira revolução perante a nossa realidade social. Revolução esta obtida a duras penas. Ainda que os governos passados demonstrassem descaso para com a educação inicial, nunca se deixou de ter investimentos e políticas públicas para a área.
O que assistimos no momento, no entanto, não é o descaso. O que estamos assistindo é a tentativa de substituir as políticas públicas de educação fundamental votadas a colocar as crianças em um primeiro contato com o conhecimento formal por uma suposta educação familiar e religiosa. Objetiva formar massas de ignorantes que se submetam fácil e docilmente as manipulações de charlatões intelectuais e religiosos. Não bastasse o fundamentalismo evangélico que quer extirpar do ensino qualquer conhecimento científico que coloque em questão a teoria do criacionismo, soma-se a este a seita olavista que considera toda a ciência moderna um embuste marxista e considera o período da inquisição o auge do conhecimento humano. Estamos a um passo de retroceder ao obscurantismo das trevas da idade média.
Diante da gravidade da situação, se faz urgente um amplo movimento da sociedade para fazer frente a esta ofensiva obscurantista nunca vista em nosso país. É hora de se colocar as diferenças de lado para que se possa preservar os poucos avanços civilizatórios que conquistamos.
por Jorge Gregory, Jornalista e professor, trabalhou no Ministério da Educação (MEC) | Texto original em português do Brasil
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