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Terça-feira, Julho 16, 2024

A Jordânia e o Pomo da Discórdia do Século

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

O comando do establishment de segurança israelita expressou preocupação recentemente com o futuro do relacionamento entre Israel e a Jordânia. Com a apresentação do chamado “Plano de paz “do governo dos EUA, e especialmente com a intenção do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de anunciar a anexação do vale do Jordão, as altas patentes militares alertam contra medidas unilaterais que podem influenciar o futuro dos laços com Aman.

De acordo com essa avaliação, que foi transmitida aos políticos seniores, o rei Abdullah, da Jordânia, está sob uma série de pressões domésticas que estão dificultando as coisas para seu regime.

O Rei Abdullah, de 58 anos, reina na Jordânia desde 1999, é criticado pela situação económica do país e pelos muitos casos de corrupção do governo que foram descobertos. Omar Razzaz, 59 anos, é o actual 1.º Ministro, designado a 5 de Junho de 2018 depois de enormes protestos de rua provocados pela crise económica e as medidas impostas pelo FMI. Muitos elementos na Jordânia, incluindo a Irmandade Muçulmana, opõem-se veementemente aos estreitos “laços” económicos, diplomáticos e de segurança que o reino mantém com Israel.

Assim, uma medida descoordenada e unilateral de Israel, especialmente o anúncio da anexação do vale do Jordão, poderia transformar esses laços em farrapos. Algumas avaliações dizem que anexar o vale pode até desequilibrar o tratado de paz entre os dois países. Outro enorme receio é de que a anexação do Vale do Jordão e outros assentamentos designados pelo plano e, assim, separarem a Jordânia da Cisjordânia.

A Jordânia tinha expressado todos os seus receios após a conferência do ano passado no Bahrein, que detalhou os biliões de dólares em ajuda que o plano de Trump prevê para a Palestina e a Jordânia. Assim a Jordânia seria forçada a tornar-se a Pátria dos Palestinianos. A pressão americana para que o Plano de Século seja aceite pode incluir a ameaça da redução da ajuda económica americana e do apoio militar, colocando o Reino Hachemita dependente das instituições financeiras internacionais. Há o medo latente de que os jordanos protestem violentamente nas ruas contra o acordo e exija que o Rei Abdullah rompa laços com Israel ou cancele mesmo o acordo de paz.

Antes das eleições de setembro, Netanyahu planeava anunciar um projeto de lei para anexar o vale do Jordão ao gabinete ministerial para votação. Mas abandonou a ideia à última da hora e fez apenas uma declaração geral sobre seu plano de anexar a área após as eleições, que não deu em nada quando se verificou pelos resultados das eleições que ele não tinha condições para formar governo.

O Jornal Maariv, diário publicado em hebreu, noticiou que na altura em que Netanyahu mudou de ideias, após uma conversa muito agreste ao telefone com as autoridades de segurança, nas quais o Chefe do Estado Maior Aviv Kochavi e o chefe do serviço de segurança Shin Bet Nadav Argaman alertaram para as complexas e perigosas consequência que poderiam resultar da anexação. O impacto nas relações com a Jordânia não pode ser ignorado.

Na Palestina, ainda não há um alerta direcionado para o plano de desestabilizar os territórios após a iniciativa de Trump.

A Autoridade Palestiniana e o Hamas podem ter condenado em conjunto a decisão dos EUA e a anexação israelita mas o “dia da raiva” de quarta-feira nos territórios passou com poucos incidentes e manifestações relativamente pequenas. A longo prazo, a resposta palestina provavelmente será influenciada pelo que Israel realmente fizer. Esperar para ver na certeza de que o anúncio de anexação pode aumentar a probabilidade de distúrbios mais extensos e violentos.

Passaram 38 anos desde a anexação ilegítima de Israel das Colinas de Golã sírias ocupadas por Israel. Em 14 de dezembro de 1981, o Knesset israelita ratificou a decisão tomada pelo governo extremista de Rabin de anexar o Golan. No passado os Golan Ocupados faziam parte do Território da Palestina e que aqueles que estabeleceram as fronteiras dos Estados da Região durante a Primeira Guerra Mundial estabeleceram fronteiras arbitrárias com a Síria. Durante e após a Segunda Guerra Mundial, os israelitas massacraram e expulsaram os palestinianos de sua terra natal.

Também a Jordânia, apanhada na ratoeira da História, está mais uma vez à procura de apoios políticos.

Enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o líder da oposição Benny Gantz ouviam, felizes, em Washington nesta semana o anuncio do Acordo do Século, ao rei Abdullah resta tentar adivinhar que esconde Trump na manga.

Com base nas declarações de altos funcionários jordanos, o reino ainda está oficialmente sem informações, e só os rumores que correm dos jornais israelitas para Amman alimentam o receio e o medo. Dali nada poderá vir de melhor!

Que a Jordânia se torne a pátria alternativa e definitiva dos dois milhões de palestinianos que acolheu é a sombra pesada que paira no horizonte. Abolir o direito de retorno dos refugiados palestinos está claro nas palavras de Trump e nas linhas do seu acordo do século.

“Sabe o que significa anexar o vale do Jordão, depois de Trump ter reconhecido Jerusalém como capital de Israel, depois de legitimar o anexar das Colinas dos Montes Golã e reconhecer a legitimidade de muitas das ocupações de terrenos e assentamentos israelitas?”, perguntou um especialista sobre assuntos jordanos em entrevista ao Haaretz. “Significa que a Jordânia deixou de ser um elemento importante do processo de paz”.

Teatro Petra, Jordânia

Há cerca de quinze dias, a 18 de Janeiro, centenas de jordanos protestaram na capital Amann para pedir ao governo que cancele um acordo de gás com Israel. O acordo prevê bombear gás natural pelo ocupante israelita para a Jordânia este ano. Os manifestantes entoavam slogans expressando a rejeição dos jordanos de todas as formas de normalização com o inimigo de Israel, particularmente o acordo de gás que é considerado uma traição. Nos cartazes pode ler-se “O gás do inimigo é traição, a normalização é traição”. Os manifestantes também exibiram cartazes dizendo “não nos endividaremos para com o ocupante. Não seremos cúmplices deste crime”. “O gás do inimigo representa a ocupação” e “Acordo de vergonha é colonialismo”. A Jordânia será um dos países que mais pode perder com o Acordo do Século, que poderá ser o Pomo da Discórdia do Século com consequências imprevisíveis.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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