A contagem dos votos das eleições legislativas de 2015 aproxima-se ainda do seu final mas algumas considerações podem já ser lançadas relativamente ao papel desempenhado pelos meios de comunicação social neste acto eleitoral, particularmente no que diz respeito ao pluralismo ideológico veiculado pelos seus conteúdos, em dois planos.
O primeiro prende-se com o direito juridicamente reconhecido às direcções de informação para decidir em causa própria relativamente a esta matéria. Com efeito, sendo-lhes reconhecida liberdade editorial, é conhecida a sua inclinação para uma leitura desta última que segue, de forma mais explícita em alguns casos e mais envergonhada noutros, a dimensão eleitoral obtida no acto eleitoral anterior por cada um dos partidos representados na assembleia da república. Tal leitura, juridicamente plausível, não deixa de constituir um contributo condenável para o fechamento e cristalização da oferta partidária existente, na medida em que a favorece continuadamente, em frequência de referência noticiosa e na duração dos conteúdos, ostracizando de forma consciente qualquer inovação ideológica entretanto desenvolvida. Ainda que os períodos de campanha eleitoral explícita e claramente identificada como tal contribuam para mitigar em alguma medida essa desigualdade, a verdade é que esse efeito não compensa, no cômputo geral, o efeito de fechamento gerado pela actividade regular da emissão de conteúdos de natureza política.
O segundo, ainda mais grave na medida em que é significativamente mais explícito e, com grande probabilidade, mais impactante junto da opinião pública, decorre da selecção absolutamente inacreditável de comentadores, quer residentes, quer esporádicos, chamados a enquadrar regularmente a acção política, particularmente a do Governo. Uma simples consideração da pertença partidária destes autênticos explicadores-distractores revela o quão ideologicamente comprometidos se encontram os principais meios de comunicação social nacionais e respectivas direcções, contribuindo activamente por facilitação para exercícios de condicionamento da atenção dos cidadãos e cidadãs, quer quanto à forma como devem interiorizar a conduta do Governo, quer quanto ao modo como devem avaliar a da oposição, ora suavizando os erros e habilidades (quando não flagrantes crimes) praticados pelo Governo ou em nome da sua acção, ora amplificando os seus aparentes sucessos, ora ainda oferecendo interpretações maximalistas de factos menores que auxiliem o processo de reorientação da acção da sociedade civil para longe da acção do poder executivo.
O que se afigura simultaneamente mais espantoso e mais preocupante é a aparente impunidade com que tal tomada de partido tem sido praticada, sobre a qual o perfil de regulação do trabalho dos media existente no país não parece – por diversas razões – capaz de exercer qualquer tipo de efeito substantivo. Assim, perpetua-se todo um histórico crescente de favorecimentos, escudados numa leitura pervertida do conceito de liberdade editorial, cuja natureza se prende de forma evidente com a imunidade a pressões externas ilegítimas, e não com a cumplicidade no exercício mediaticamente capacitado dessas pressões sobre os destinatários do trabalho jornalístico.
Os cidadãos e cidadãs serão, em qualquer circunstância, os primeiros responsáveis pelas escolhas eleitorais que praticam: em momento algum deve qualquer acção de qualquer espécie desenvolvida pelos meios de comunicação social contribuir para desresponsabilizar os titulares do direito e dever cívico que constitui o acto de escolha de um representante político. Contudo, revestindo-se a prática jornalística e os conteúdos veiculados pelos media de importância incontornável no seio de uma democracia consolidada, quer enquanto mecanismos de relação com factos não experimentáveis em primeira mão pelos cidadãos e cidadãs, quer enquanto mecanismos de apresentação/discussão de ideias e, através delas, do reforço da literacia cívica e política da sociedade civil, não podem os media permitir-se – e não pode ser-lhes permitida – uma leitura desviante de um conceito de liberdade que vem a traduzir-se na negação objectiva e consciente do acesso a parte da informação imprescindível a uma cidadania esclarecida, capacitada e consequente. Em democracias nas quais o conhecimento se encontra desigualmente distribuído, não podem os meios de comunicação social afirmar qualquer direito a uma liberdade de tomar partido.