São vários os livros reconstruindo a vida de Jesus. Eles são tipicamente idealistas focando em Jesus como um grande homem que mudou o curso da história através de suas decisões e feitos.
O que é raramente discutido nessas vidas modernas de Jesus é como ele foi um produto das circunstâncias materiais de seu tempo. É crucial, nós contestamos, olhar para a educação de Jesus no contexto da mudança social e condições econômicas na Galileia do primeiro século.
Houve dois importantes projetos de urbanização que tiveram um impacto significativo entre a população da Galileia: a reconstrução de Séforis e a construção de Tiberíades. Esses projetos beneficiaram alguns e destruíram a vida de outros. Presentes de terra foram dados para as pessoas mais influentes, mas isso também significou o deslocamento de outros, e a destruição de tradicionais famílias rurais.
Mas, nós não devemos esperar que suas reações a essas circunstâncias combinem com as expectativas modernas de agitação e resistência.
Na Galileia e Judéia do primeiro século, havia veículos prontos para descontentamento, notavelmente banditismo e milenarismo. Enquanto esses não eram movimentos mutualmente exclusivos, Jesus e seus associados procuravam uma alternativa no milenarismo.
Desenvolvendo estudos de Eric Hobsbawn de agitação social agrária, nós devemos ver o milenarismo como uma forma de agitação “pré-política” ou “pré-capitalista.” Milenaristas ofereciam uma fantástica promessa de uma iminente nova ordem mundial e uma forma de resistência para governantes injustos, elites e seus lacaios. Inútil, sem dúvida, mas havia opções limitadas para verdadeiramente transformar o mundo.
De acordo com as ideias dominantes do tempo, esse milenarismo não era igualitário, como é algumas vezes romanticamente associado com Jesus. O movimento prometia um futuro com um rei justo, e orgulho de lugar para seus membros principais para julgar quem devia ser salvo e condenado na iminente Era de Ouro.
O movimento em torno de Jesus se apresentou como um partido de vanguarda milenarista, guardiões de uma nova teocracia, servindo os interesses do campesinato.
Eles prometiam que as fortunas do mundo agrário seriam viradas de cabeça para baixo. Setores de não-elite da sociedade judaica eram garantidos uma vida de fartura, enquanto os ricos deveriam renunciar sua riqueza ou sofrer ruinosas consequências. O movimento até organizou uma “missão para os ricos,” para fazer as elites se afastarem de seus caminhos opressivos. Se foi uma missão bem sucedida, é discutível.
Ao invés de romantizar Jesus como um grande homem da história, nós argumentamos que ele devia ser visto como um organizador religioso culturalmente credível, que emergiu de uma sociedade judaica de não-elite. Jesus e seu movimento eram dependentes e um condutor adequado para os interesses do campesinato local.
A credibilidade do movimento de Jesus na Galileia envolvia uma ênfase nos valores tradicionais dos camponeses, respeitáveis interpretações das escrituras judaicas, e severa disciplina de grupo. Isso oferecia uma alternativa voltada para o público em uma Galileia em transformação.
Como as famílias estavam encarando a agitação, o movimento de Jesus formou sua própria família alternativa, respeitosamente imitando papéis familiares tradicionais. Eles mesmos encararam ridículos, talvez desdenhosos por forasteiros, como “efeminados” e “pouco masculinos,” quando eles não eram mais vistos preenchendo seus papéis esperados na família tradicional.
Em resposta, o movimento se apresentou como forte, muscular e endurecido, tanto em linha, quanto em competição com noções dominantes de masculinidade no mundo mais amplo, incluindo o Império Romano.
O movimento de Jesus baseou-se em tradições judaicas de “mártires justos” para desenvolver ideias sobre morrer de forma gloriosa pelo bem de Deus e do país. O martírio era uma característica definidora da apresentação pública da compreensão do movimento de sua força, e induziu mais escaramuças com a elite.
Em Jerusalém, durante o festival de Páscoa, ansiedades sociais e políticas regularmente se inflamariam. Na fatídica viagem de Jesus para Jerusalém, o movimento se emaranhou com (e ganhou algum apoio) as voláteis e imprevisíveis multidões da Páscoa, onde ele desafiou o que ele viu como um sistema financeiro explorador.
Jesus foi visto como uma ameaça suficiente para a ordem social, para ele ser preso e crucificado. O poder romano se preocupava pouco com as sutilezas dos detalhes de se um movimento popular era violento ou não.
Mas isso não foi o fim do movimento. Figuras fundamentais na vanguarda acreditavam que Deus o tinha ressuscitado de volta a vida. Tais crenças não eram pouco usuais na época, e eram talvez esperadas de um mártir.
Que os associados e simpatizantes de Jesus reportaram tê-lo visto depois de sua morte é uma das razões da sobrevivência do movimento. Mas não é uma explicação suficiente do porquê o movimento sobreviveu.
Ele não poderia ter sobrevivido sem as redes e apoio na base. Ideias religiosas e políticas tipicamente se espalharam através de redes sociais, e a sobrevivência do movimento Jesus não é exceção.
Redes fundamentais para a propagação do movimento para além do campesinato paroquial já tinham se desenvolvido na época da vida de Jesus, através de comunidades de pescadores e através de adeptos mais ricos do movimento (por exemplo: coletores de impostos), assim como através de escribas locais.
Famílias (incluindo mulheres chefes de famílias) e locais de trabalho ajudaram a propagação do movimento através do mundo Mediterrâneo.
Reuniões de judeus e sinagogas também foram importantes redes pré-existentes através do Império Romano, crucialmente com várias conexões não judaicas locais. Os desenvolvimentos a mais longo prazo de estradas, transportes e comunicação foram propícios para a propagação das ideias de um Deus abrangente – e o deus de um império.
Certamente, o que se tornou conhecido como cristianismo pareceu muito diferente do movimento Jesus da Galileia e refletiu diferentes interesses de classe. Mas ele não foi inteiramente diferente.
Ideias de teocracia e governo imperial estavam presentes nos primeiros dias do movimento Jesus, e podiam ser remoldadas para formar apoio ideológico para o Império Romano.
Ainda em se tornar a justificação ideológica para o Império Romano, e então da Europa Cristã e mais tarde o poder burguês, o cristianismo simultaneamente formou a linguagem de resistência, e as palavras de Jesus podiam ser usadas contra Roma, contra o feudalismo, e contra o capitalismo no milênio que se seguiu.
por James Crossley e Robert Myles são autores de: “Jesus: a Life in Class Conflict”, recentemente publicado por Zer0 Books | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy
Fonte: People’s World
Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado