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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

A mecânica dos mercados | As ligações fatais

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Em fim de ano e em jeito de balanço, apesar das guerras e da crise política nacional, recordo a agitação que varreu o sector financeiro (particularmente o norte-americano), e a notícia do início de Maio que, confirmando que o banco norte-americano JP Morgan ia comprar activos do First Republic Bank reacendia a questão da real situação dos sistemas financeiros, e me levou a reler uma análise escrita por Michael Hudson por alturas da falência do Silicon Valley Bank, num artigo a que aludi aqui no TORNADO e que pensei agora detalhar melhor.

Porém, talvez seja mais correcto (e honesto) deixar falar o autor de obras como «J is For Junk Economics» e «Killing the Host – How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy» – onde expõe como os sectores financeiro, dos seguros e imobiliário (o grupo FIRE, sigla inglesa para “finance”, “insurance” e “real estate”) ganharam o controlo da economia global à custa do capitalismo industrial e dos governos que lhes asseguraram um estatuto fiscal favorecido que inflaciona os preços imobiliários enquanto deflaciona a economia “real” do trabalho e da produção, como os resgates salvaram os bancos mas não as economias e como as políticas de austeridade desviam riqueza e rendimento para o sector financeiro, enquanto empobrecem a classe média – e limitar-me a continuar a tradução do referido artigo:

A Mecânica do Mercado de Títulos e o seu Impacto na Crise Bancária

Por Michael Hudson – 15 de Março de 2023

O encobrimento enganoso do presidente Biden

O presidente Biden está a tentar confundir os eleitores, garantindo-lhes que o “resgate” de depositantes ricos do SVB sem seguro não é um resgate, mas é claro que é um resgate. O que ele quis dizer foi que os accionistas do banco não foram socorridos, mas os seus grandes depositantes foram salvos de perder um único centavo, apesar do facto de não beneficiarem de qualquer garantia e, de facto, terem conversado entre si e decidido abandonar o barco e causar o colapso do banco.

O que Biden realmente quis dizer é que este não é um resgate do contribuinte, não envolve criação de dinheiro ou déficit orçamental, assim como os 9 biliões de dólares do Fed em Quantitative Easing para os bancos desde 2008 foram criação de dinheiro ou aumentaram o déficit orçamental. É um exercício de balanço – tecnicamente uma espécie de “swap” com compensações de bom crédito do Federal Reserve por títulos bancários “ruins” dados como garantia – seguramente muito acima dos preços actuais de mercado. Foi justamente isso que “resgatou” os bancos depois de 2009. O crédito federal foi criado sem tributação.

A inerente visão de túnel do sistema bancário

Pode-se citar a rainha Isabel II e perguntar: “Ninguém previu isso?” Onde estava o Banco Federal de Crédito Imobiliário que deveria regulamentar o SVB? Onde estavam os inspectores do Federal Reserve?

Para responder a isso, deve-se olhar para quem são os reguladores e os inspectores do banco. Eles são examinados pelos próprios bancos, escolhidos por negarem que haja qualquer problema inerentemente estrutural no nosso sistema financeiro. Eles são “verdadeiros crentes” de que os mercados financeiros estão a autocorrigir-se por “estabilizadores automáticos” e “bom senso”.

A corrupção desreguladora desempenhou um papel na selecção cuidadosa de tais reguladores e inspectores com visão de túnel. O SVB era supervisionado pelo Federal Home Loan Bank (FHLB). O FHLB é conhecido pela captura regulatória pelos bancos que optam por operar sob a sua supervisão. No entanto, o negócio do SVB não é o crédito imobiliário, mas sim o do empréstimo para empresas de gestão de patrimónios de alta tecnologia preparadas para IPOs (Nota do tradutor: IPO ou Initial Public Offering é uma oferta pública inicial ou de lançamento de acções, uma oferta pública na qual as acções de uma empresa são vendidas a investidores institucionais e a investidores privados) – para serem emitidas a preços altos, faladas e, em seguida, muitas vezes deixadas cair num jogo de insuflar e largar. Funcionários bancários ou inspectores que reconhecem esse problema são desqualificados do emprego por serem “sobre qualificados”.

Outra consideração política é que o Silicon Valley é um reduto do Partido Democrata e uma rica fonte de financiamento de campanha. A administração Biden não iria matar a galinha dos ovos de ouro das contribuições de campanha. Claro que iria socorrer o banco e os seus clientes privados. O sector financeiro é o núcleo de apoio do Partido Democrata e a liderança do partido é leal aos seus apoiantes. Como o presidente Obama disse aos banqueiros que temiam que ele cumprisse as suas promessas de campanha de amortizar as dívidas hipotecárias para avaliações de mercado realistas, a fim de permitir que os clientes de hipotecas lixo explorados permanecessem nas suas casas: “Sou o único entre vocês e a multidão com os forcados”, ou seja, a sua caracterização dos eleitores que acreditaram no seu discurso de “esperança e mudança”.

Assim continua a apreciação de Michael Hudson sobre o sector financeiro e as suas ligações ao poder regulatório e político. Pouco abonatória, mas clara, precisa e necessária para quem queira perceber o que realmente acontece à nossa volta.

 

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