Não está em causa o conhecimento por parte das famílias das vítimas dos últimos momentos dos seus mortos nos incêndios. Mas a divulgação de dados pessoais não acrescenta o que quer que seja às responsabilidades do Estado nas mortes ocorridas.Sim, digo “miserável” porque é a palavra adequada para classificar a exigência do CDS de que a descrição dos últimos momentos de vida dos que morreram em Pedrógão, constante do capítulo 6 do relatório do professor Xavier Viegas, seja exposta ao público em geral com nomes, moradas, parentesco com outros mortos, local exacto onde morreram, matrícula do veículo em que seguiam e outros dados de natureza estritamente pessoal sem relevância para o conhecimento dos factos e o apuramento das responsabilidades que não seja o puro voyeurismo.
Não está em causa o conhecimento por parte das famílias das vítimas dos últimos momentos dos seus mortos nos incêndios. Mas a divulgação de dados pessoais não acrescenta o que quer que seja às responsabilidades do Estado nas mortes ocorridas.
Como bem assinala o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)(pág. 5)
“(…) A publicação desta informação que revela sobretudo aspectos da vida privada das pessoas por ele abrangidas, e alguns casos de dados de saúde, está, por regra, proibida pelo n.4 do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa e pelo n.1 do artigo 7.º da LPDP” .
O deputado Telmo Correia do CDS bem pode atirar areia para os olhos dos mais ingénuos ao dizer que “não está aqui em causa qualquer curiosidade mórbida, está em perceber se o Estado não conseguiu proteger aquelas pessoas”. Ora, foi já assumido ao mais alto nível quer pelo Presidente da República quer pelo primeiro-ministro que o Estado falhou na protecção das vítimas, encontrando-se garantido o direito às indemnizações.
Como também refere o citado parecer da CNPD não está vedado aos familiares directos das vítimas o conhecimento das condições em que morreram os seus familiares:
“(…) existindo um meio de levar ao conhecimento directo dos interessados a informação pertinente constante do relatório e que não implica a divulgação de informação sensível ao público em geral, o principio da proporcionalidade obriga a considerar a divulgação um meio excessivo e desnecessário (…)” (pág. 7 do Parecer da PNPD)
A exigência do CDS de divulgação pública dos elementos privados constantes do relatório do professor Xavier Viegas parece ter contaminado a Associação de Familiares das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande que quer também divulgar todo o relatório com os dados privados das pessoas mortas. Nádia Piazza, porta-voz da associação, diz que é importante a divulgação “porque o país tem de saber quais as circunstâncias” e “porque os familiares querem”. Ora, o país não precisa de vasculhar a vida privada dos mortos e os familiares que a querem expôr abrem uma porta que não sabem onde os levará e que dificilmente poderão fechar depois.
Esta exigência é ainda mais estranha se atentarmos nas “apreciações subjectivas dos sobreviventes ou dos autores do relatório” citadas no parecer da Protecção de Dados (pág. 8) nas quais se avança com hipóteses, probabilidades ou deduções sobre os últimos momentos e até pensamentos das vítimas.
O parecer da Protecção de dados é bem claro quanto aos efeitos de uma divulgação em massa de dados pessoais e privados das vítimas, potenciados pelas redes sociais e susceptíveis de uma desenfreada e incontrolável exploração.
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