Toda a morte orgânica é fenómeno natural da própria vida, e nem ela, vida, existiria sem a morte. Viver e morrer são assim, pois, ciclos e mecanismos naturais da própria vida.Krisha Gotami teve um filho e este morreu.
Transida de dor, ia com o filho morto de casa em casa, pedindo um remédio, e as pessoas diziam:
– Está doida, a criança está morta.
Finalmente, Krisha Gotami encontrou um camponês que respondeu à sua súplica e disse-lhe:
– Não posso dar-te um remédio para a criança, porém sei de um médico capaz de o dar.
E Krisha Gotami respondeu:
– Suplico-te que me digas quem é.
– Vai ver o Buda.
A mulher, à beira da loucura, foi ver o Iluminado e exclamou, chorando:
– Senhor, o meu filho estava a brincar entre as flores e tropeçou numa serpente que se enroscou no seu braço. Depois ficou pálido e silencioso. Não posso aceitar que ele deixe o meu colo assim. Senhor, meu mestre, dá-me um remédio que cure o meu filho.
O Iluminado respondeu:
– Sim, irmã, há uma coisa que pode curar o teu filho e a ti, se puderes consegui-la, porque os que consultam os médicos tomam o que lhes é receitado. Procura uma simples semente de mostarda preta; porém, só deves recebê-la de uma casa onde nunca tenha entrado a morte.
Aflita, Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda. As pessoas se compadeciam dela e lhe davam a semente, porém, quando ela perguntava se já tinha morrido alguém naquela casa, respondiam-lhe:
– Ah! São muitas as pessoas queridas que já morreram nesta família. Não nos lembre da nossa dor.
Agradecida, ela lhes devolvia a semente de mostarda que não serviria para preparar o remédio e dirigia-se a outros que lhe diziam:
– Aqui está a semente, porém já morreu o nosso empregado.
– Aqui está a semente, porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita.
– Pode levar esta semente, mas saiba a morte levou a nossa filha antes da hora.
E assim foi, procurou o dia todo, mas não encontrou nenhuma casa onde a morte já não tivesse passado. Nenhuma semente serviria para trazer o seu filho de volta. No começo, achou que ninguém entendia a sua dor. No decorrer do dia, percebeu que a dor da morte não era apenas sua. Muitos sofreram com ela e ela sofreu ao ouvir histórias de pessoas que se foram, avôs, avós, pais, mães, filhos, filhas, irmãos, irmãs, empregados, amigos, parentes e até animais queridos.
Ela entendeu a mensagem do Iluminado. Enterrou sozinha o seu filho, mas sabia que era como se estivesse ao lado de muitos conhecidos e desconhecidos, dando o último adeus ao menino.
Kisa Gotami voltou até Buda, que lhe perguntou:
– Encontrou a semente?
– Não, Mestre.
– Mas procurando o que não poderia encontrar, achaste um amargo bálsamo… Enterraste o teu filho?
– Sim. Sobre o meu seio, o meu menino dormiu hoje o sono da morte. E eu só pude chorar sozinha… De manhã estava sozinha, no fim da tarde, ainda sozinha, percebi que havia uma multidão comigo.
– Agora sabes que, cedo ou tarde, todo mundo chora uma dor semelhante à tua.
– Porquê, meu Senhor?
– Nenhum nascido pode evitar a morte. Assim como os frutos maduros caem da árvore, assim os mortais estão expostos à morte desde que nascem. A vida corporal do homem acaba partindo-se como a vasilha de barro do oleiro. Jovens e adultos, ignorantes e sábios, todos estão sujeitos à morte. Porém, o sábio que conhece a Lei não se perturba, porque nem pelo pranto nem pelo desânimo obtém a paz, mas pelo contrário, isso tudo aviva as dores e os sofrimentos do corpo. A morte não faz caso de lamentações. Embora viva dez ou cem anos, acaba o homem por separar-se de seus amados ao sair deste mundo. Quem deseja a paz da alma, deve arrancar da sua ferida a flecha do desgosto, da queixa, da lamentação. Feliz será aquele que consegue vencer a dor.
Esta passagem budista faz-nos relembrar que sem regime algum de exceção, assim é a vida de cada existência sobre a Terra.
Toda a morte orgânica é fenómeno natural da própria vida, e nem ela, vida, existiria sem a morte. Viver e morrer são assim, pois, ciclos e mecanismos naturais da própria vida.
Se sobre ela refletirmos, ao imaginarmos a vida física sem a morte, no seu prolongamento sem fim, e assim aqui vivêssemos para sempre, concluiremos que tal não se nos afiguraria natural e logo sem sentido se nos pareceria. E se pensássemos no que isso comportaria, tendo em conta tudo o que sabemos sobre o ser humano e do que ele é e já foi capaz – mesmo com a certeza da finitude – só essa mera imaginação nos conduziria à rápida conclusão que na vida tudo está certo e tudo responde a uma lógica universal e de conformidade.
Quando confrontados com a morte, mesmo que por entre lágrimas e dores, tentemos não nos deixar abater pela desesperação e pela perturbação que só mais as acentuarão, ao mesmo tempo que tentemos não permitir que a amargura se apodere de nós, de modo a podermos continuar com as nossas obrigações e os encargos do dia a dia.
Na vida, tudo é energia e tudo é sintonia. Assim, recordemos que as angústias e as esperanças que carregamos, sê-las-ão sentidas pelos que amamos e que pela morte física (apenas) se tornam invisíveis.
E quanto a ela, à morte do corpo, as palavras sempre sábias de Chico Xavier no-la resume assim:
Quando deixarmos o corpo físico, ninguém quer saber o que fomos, o que possuíamos, que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo”
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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