Ontem fiquei maravilhado com um paciente que andava com uma prótese na perna esquerda. À primeira vista nem dei conta, só posteriormente (mau hábito de ortopedista). Reparei então, que a linda tatuagem na parte posterior da perna, estava desenhada numa prótese.
O individuo andava com uma naturalidade espantosa, mesmo tendo algum peso a mais a mecânica da marcha não se tinha alterado. Maravilha. Chamei-o, com todo o respeito, e indaguei pela procedência do artefacto. Tinha sido feita nos EE. UU, custado 5000 USD por ela.
Este incidente fez-me reflectir acerca da problemática dos nossos amputados. Recentemente foi reinaugurado no Huambo um centro ortopédico que promete fabricar mais de 75 próteses por dia. Muitas delas devem ser dos membros inferiores, visto que são os mais frequentemente amputados. A minha reserva foi relativamente à qualidade das próteses.
É um facto que a maioria dos nossos amputados não gostam utilizar as suas próteses. Mas esta rejeição tem um motivo essencial. As próteses não são nem confortáveis nem esteticamente decentes. Pensar que a prótese tem como função principal permitir a marcha é ter uma visão estreita. Os piratas antigamente utilizavam pernas de pau, e com isso até lutavam ou se embebedavam. Não é por aí.
A amputação de um membro é o primeiro acto para a reabilitação de um paciente. A marcha faz parte da reabilitação mas a reabilitação não se circunscreve só a andar. É muito mais do que isso. Uma prótese tem que satisfazer as necessidades mecânicas, biológicas e espirituais do paciente. O facto de perder um membro já é traumático, imagine saber que terá que andar por toda a vida em cima de um artefacto desconfortável e feio.
Anos atrás tive a oportunidade de participar na tentativa de implementação de uma fábrica de próteses para amputados. O projecto era do fabricante Otto Bock, uma empresa alemã situada em Duderstadt, reconhecida internacionalmente pela qualidade das próteses que fabrica.
Embora as próteses, a serem confeccionadas localmente, não fossem de luxo, parece que o preço de fabricação dificilmente podia ser suportado pelos utilizadores finais. Infelizmente a maioria dos amputados são pessoas sem muito poder de compra. O suporte seria estatal, mas aí o preço das próteses falou mais alto e o projecto não foi avante.
Na medicina há muito disso, os gestores gostam de definir o que é caro demais para se comprar ou fabricar. O interessante é que as coisas são caras ou não dependendo de quem for o beneficiário. Será que algum consideraria cara a prótese que o seu filho ou a sua mãe necessitasse? Duvido.
Penso que devemos aos nossos pacientes amputados a possibilidade de obter próteses modernas e confortáveis. Sem luxos, sem requintes ou engenhocas desnecessárias, mas que garantam uma marcha eficiente e não dolorosa. Que não provoquem feridas no membro residual, que sejam resistentes e ao mesmo tempo leves. Em relação ao custo o importante é encontrar uma forma sustentável de produção, sem menosprezar a qualidade. Só quem é amputado sabe da importância que tem uma prótese para recuperar a auto-estima e voltar ao jogo.
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