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João de Sousa

Quinta-feira, Novembro 21, 2024

A nova-velha Turquia

A nova-velha Turquia

A Turquia iniciou uma nova política face ao auto-proclamado “estado islâmico” (“ei”), em consequência do atentado de Suruç, há 10 dias (20 de Julho), na fronteira turco-síria. A famigerada Kobane, na Síria, fica a apenas 10 km de Suruç, sendo aliás esse o destino dos membros da Juventude Socialista dos Oprimidos (assim mesmo, Partido Socialista dos Oprimidos), cuja acção de voluntariado visava ajudar à reconstrução desta cidade anteriormente ocupada pelos criminosos do “ei” e, bombardeada pela Força Aérea da Coligação. O atentado de Suruç saldou-se em 32 mortos e 104 feridos.

Este foi a mote, a razão convenientemente encontrada pelo Presidente da República (PR) Erdogan para esta mudança, mas a qual nada tem a ver com os acontecimentos do passado dia 20 de Julho.

Em primeiro lugar, a Turquia é actualmente um país sem Governo. As eleições legislativas de 07 de Junho, correram mal ao Governo islamista do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), sobretudo pelo jogo duplo e permissivo que tem tido com o “ei”. Perdeu a maioria absoluta (258 assentos parlamentares, em 550 possíveis, 40,9%), sendo a grande surpresa desta eleição os 80 deputados eleitos (13,12%) pelo Partido Democrático do Povo (ou Popular, HDP), de esquerda e em aliança com o Partido Democrático das Regiões (DBP), pró-curdo. Criado apenas em 2012, o HDP trata-se do braço político do Congresso Democrático do Povo, no que resultou do concentrar de todas as forças dispersas de esquerda, laicas e pró-curdas, para conseguirem ultrapassar os 10% de votos necessários para que possam ter assento parlamentar, de acordo com a lei turca.

Jogo duplo desde 2002

De referir que este entendimento à Bloco de Esquerda e/ou à Syriza, só foi possível em resposta ao processo de “erdoganização” que o país vem sofrendo desde 2002, bem como do referido jogo duplo e permissivo que o AKP tem tido para com o “ei”;

Em segundo lugar e, como consequência deste resultado eleitoral, há dentro do AKP um crescente desentendimento entre o PR Recep Tayyip Erdogan e o Primeiro-Ministro (PM) Ahmet Davutoglu, fruto de perspectivas de rumo diferentes. Erdogan, que do alto da sua arrogância sempre apostou/acreditou nestas eleições em aumentar o número de deputados do seu partido para 400, bastando-lhe 330 para ter a maioria absoluta.

O novo PR projectou este número redondo, pois desde que subiu à presidência, sonha com poderes absolutos, sendo que para tal necessita de algumas emendas constitucionais. É este o seu maior problema actualmente, desde 07 de Junho, sendo que diverge com o PM Davutoglu, da solução a aplicar no futuro próximo. Enquanto que o líder do AKP e PM sem Governo, tenta uma aliança com a oposição (Partido Republicano do Povo CHP e Partido do Movimento Nacionalista MHP), o novo Chefe-de-Estado tem uma perspectiva diferente sobre o que é a Democracia e, quer forçar de novo eleições antecipadas, convencido que conseguirá a desejada maioria absoluta;

Ofensiva visa os cursos, não os islamitas

Dito isto e, em terceiro lugar, esta ofensiva militar visa os curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e não os islamistas do “estado islâmico”, conforme tem sido propalado, dando ao mesmo tempo jeito para americanos e a NATO terem finalmente disponiveis bases aéreas locais, para combater os islamistas.

No fundo, os islamistas turcos do AKP pretendem colocar os curdos do PKK e do PYD (Partido da União Democrática, curdos sírios), que combatem os islamistas do “ei”, no mesmo saco que os islamistas do “ei”! Estão a combater terroristas, dizem, e não os curdos enquanto povo. Para além dos ataques às bases do PKK, no Iraque e na Turquia, querem também que sejam levantadas as imunidades dos deputados recém eleitos pelo HDP, com ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão;

Em quarto lugar, o propósito de criar uma zona livre, “purificada” e sem o “ei”, 109 km para o interior do território sírio, a partir da fronteira turca, pretende sobretudo evitar o surgimento de um momento curdo sírio, o qual aproveite todo o recente “bordel” criado pelo surgimento do ”ei” e que, de um dia para o outro, apresente um Governo de facto. Por isso mesmo, em Outubro de 2014 e a propósito da investida da Coligação sobre Kobane, já incluindo bombardeamentos aéreos, a Turquia jogou da mesma forma asséptica do costume, não se sujou, tomando uma decisão no mínimo interessante e com água no bico, autorizando os peshmerga do Curdistão iraquiano a atravessarem território turco até Suruç, para depois entrarem em Kobane.

Refugiados colocam problemas políticos e sociais

Na prática, Erdogan confirmou as excelentes relações que mantém com Massoud Barzani, Presidente do Governo Regional Curdo do Iraque e colocou os peshmerga, curdos iraquianos, a controlarem o PYD, curdos sírios.

Por outro lado, também interessa à Turquia fazer regressar a território sírio cerca de 1.8 milhões de refugiados, os quais há 4 anos que desgastam economicamente o país, criando consequentemente problemas sociais e políticos. Serão estes os futuros ocupantes desta terra-de-ninguém a conquistar e estabelecer.

E, ainda em relação à longa linha de fronteira com a Síria, as autoridades turcas sempre justificaram a sua controlada e necessária porosidade, invocando a razão do fornecimento de apoio humanitária. Ora, na verdade, isso permitiu uma movimentação transfronteiriça largamente aproveitada pelo “ei” e pelo PYD, entre outros, para abastecimentos de toda a ordem e entrada e saída da vasta fauna de rebeldes que habitam a região;

Em quinto lugar, há uma nova realidade geo-política regional, que obriga naturalmente a Turquia a uma nova posição. Trata-se do acordo nuclear iraniano, seu rival Persa e xiita. O facto de pertencer à NATO, confere à Turquia um reforço da sua responsabilidade, no quadro da sustentação de um paradigma de guerra fria regional, já estabelecido neste novo Médio Oriente (consultar textos anteriores sobre esta matéria).

Americanos não querem perder um aliado

Em primeiro lugar, o processo de paz com o PKK, denominado Processo Solução e oficialmente aceite pelo líder curdo Abdullah Ocalan em Março de 2013, está suspenso, o que poderá acarretar consequências ainda maiores;

Em segundo lugar e consequentemente à mais que provável quebra do Processo Solução, a Turquia passa a ter mais um inimigo declarado e bem enraizado dentro do seu próprio território, que o vai combater com a mesma ferocidade com que combate o “ei”;

Em terceiro lugar, os americanos também não querem perder um aliado no combate ao “ei”, já que muitas das facções que o combatem (ao “ei”), são também anti-americanas;

Em quarto lugar, a NATO encontra-se dependente das vontades de um Presidente que disponibiliza bases aéreas, vendo este acto certamente como um preço justo a pagar pela liberdade de acção que a sua obsessão pelo poder absoluto obriga.

Erdogan quer eleições antecipadas e jogará tudo o que puder, para as provocar, insistindo na ideia que vai reganhar o momento eliminando o movimento curdo, o mesmo que já lhe retirou a maioria absoluta no mês passado.

Não acredito que o consiga e, certamente, que o feitiço se vai virar conta o feiticeiro!

 

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