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Sábado, Dezembro 21, 2024

A ortopedia em Angola: Realidade e desafios

Santiago Castilho, Angola
Santiago Castilho, Angola
Médico Ortopedista. Trabalha e vive em Luanda. Angola

A Sinistralidade rodoviária foi o tema principal do primeiro congresso da SAOT, a Sociedade Angolana de Ortopedia e Traumatologia, tudo indica que será o tema principal em muitos outros.

Infelizmente, continuamos a enfrentar, agora com mais dificuldades, a mesma epidemia de trauma.

Protelamos muitos problemas ortopédicos graves da população, simplesmente, porque estamos limitados ao tratamento principalmente, das vítimas dos acidentes. O nosso  passivo de doentes com deformidades, de infecções recorrentes e de tumores sem tratar é cada vez maior.

A situação actual em quase todas as instituições de saúde, publicas ou privadas pode ser resumida assim:

  • A epidemia de trauma desborda a capacidade de atendimento dos ortopedistas.
  • Mais do 80% da actividade cirúrgica está dirigida ao tratamento das fracturas e suas sequelas. Isto consume recursos, tempo e vocação profissional.
  • Os acidentados lotam praticamente todas as camas disponíveis. Os serviços ficam sem espaço para internar doentes com outros distúrbios músculo-esqueléticos não traumáticos.

Não conseguimos estar presentes em todas as regiões do país. Em algumas capitais de província os serviços de ortopedia são precários ou não existem. Os pacientes do interior do país, deslocam-se à Luanda para tratar problemas músculo-esqueléticos diversos. Por vezes, tem um ortopedista onde radicam, mas sem recursos para os tratar como deve ser.

A redução do volume dos acidentes de viação está fora do nosso alcance. Aos ortopedistas cabe principalmente, ser eficientes no tratamento das vitimas. Ser eficientes como profissionais é abordar correctamente os pacientes, é tratar as lesões sem demoras e com resultados satisfatórios.

Honestamente, ainda estamos muito distantes desse desiderato. O paradigma da assistência medica no país não nos ajuda e nos também temos que mudar a nossa filosofia de trabalho.

O principal objectivo da SAOT e do Colégio Medico da Ortopedia, nos próximos anos, tem que ser atingir a eficiência no atendimento dos pacientes. Isto não será uma tarefa fácil. Um bom começo seria para melhorar o atendimento dos pacientes com trauma, acompanhar as “Diretrizes para o desenvolvimento de programas de qualidade no atendimento ao trauma”, um documento elaborado pela OMS que responde a este desafio.



Algumas dessas directrizes já foram implementadas em vários países africanos com resultados satisfatórios. Isto demonstra sua viabilidade, mesmo em nosso contexto. Então porque não seguir o trilho? Por que não imitar o que de bom está ser feito na especialidade?

A reorganização dos serviços de ortopedia é prioritária. Não é possível mudar os resultados se continuamos a fazer igual. Não é coerente, nem factível, manter o modelo actual. Não é sustentável que em todos os hospitais pretendam, por exemplo, fazer artroplastias, realizar cirurgias de reconstrução osteoarticular ou de osteossínteses complexas.

Por muita boa vontade que tenham os médicos, a especificidade e complexidade desses procedimentos, aconselha que sejam realizados em serviços comprovadamente qualificados para tal e  com os recursos necessários. É para eles deveram ser encaminhados os pacientes. Isto contribui para o treino e o conhecimento mais específico nos dos distúrbios esqueléticos.

Hospitais sem UTI, sem pós-operatório bem estruturado, sem fisioterapia condigna, não devem realizar cirurgias ortopédicas complexas. Isto é garantia para catástrofes, que só contribuem para a má opinião dos utentes acerca do nosso trabalho.

Não existe uma rede para atender o trauma. Nem sequer há uma única unidade de poli-trauma no país. Como aprender a tratar correctamente aos poli-traumatizados, se nem sequer existe uma estrutura específica para eles?

Mesmo em países com menos recursos que Angola, alguma coisa tem sido feita nessa direcção. Embora existam dúvidas sobre qual o melhor modelo de organização dos sistemas de urgência, não se contesta a necessidade desta organização. Cada modelo tem suas particularidades, mas todos apresentam em geral, bons resultados.

Os centros de poli-trauma absorvem recursos, matérias e humanos, que conseguem oferecer melhor atendimento aos pacientes com lesões graves. Além da assistência especializada, os poli-trauma são centros de treinamento.

Os profissionais neles treinados podem ser o núcleo de novos serviços de ortopedia a serem criados por todo o país. Por outro lado, é mais sustentável direccionar os limitados recursos existentes para centros especializados.

Quando não há condições melhor não operar

“Primum non nocere”

A abordagem dos pacientes com problemas músculo-esqueléticos deve respeitar normas definidas pelo Colégio da especialidade. Tendo em conta a diversidade de especialistas que laboram no serviço nacional da saúde, é recomendável instituir algumas directrizes gerais na abordagem. Pelo menos, nos distúrbios mais frequentes.

As condutas devem respeitar os princípios universais da ortopedia, da técnica cirúrgica, dos procedimentos, mas também, a especificidade social, cultural e familiar das diferentes regiões. A ortopedia angolana necessita melhorar, nós gostaríamos que assim fosse, o povo exige que assim seja.


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