Desde antes da posse para seu terceiro mandato, o presidente Lula deixou evidente sua preocupação com o sistema de governança global e a necessidade de uma reforma urgente. Tomei trechos de apenas quatro momentos em que ele abordou o tema em seus pronunciamentos internacionais:
“Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz” (COP 27 no Egito, novembro de 2022).
“O hiato entre esses desafios e a governança global que temos continua crescendo. A falta de reforma do Conselho de Segurança é o componente incontornável do problema” (G7 no Japão, maio de 2023).
“Se nós não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira. E por que vira uma brincadeira? Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que nós fazemos? É o Estado Nacional? Vamos ser francos: quem é que cumpriu o Protocolo de Quioto? Quem é que cumpriu as decisões da COP-15, em Copenhague? Quem é que cumpriu o Acordo de Paris? E não se cumpre porque não tem uma governança mundial com força para decidir as coisas e a gente cumprir” (Cúpula por um novo pacto financeiro global na França, junho de 2023).
“O princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as nações – vem sendo corroído. Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução” (Assembleia Geral da ONU nos EUA, setembro de 2023).
Depois de quase um ano com o presidente Lula batendo na mesma tecla, por uma dessas ironias da história, coube justamente ao Brasil estar na presidência do Conselho de Segurança da ONU durante este outubro sangrento em que a questão Palestina irrompe a cena internacional com a força própria das grandes injustiças humanas. Durante esse período, o Brasil provou de suas próprias teses sobre um sistema falido de governança global que não consegue colocar 15 países de acordo com a defesa da dignidade da vida humana e um cessar do terror genocida israelense. Hoje, 30 de outubro, haverá mais uma reunião com enorme chance de falir novamente.
Estamos diante de uma grande tragédia humana resultante de décadas de falência do sistema que o presidente Lula tão bem denunciou e segue denunciando. E o dilema incontornável está em escolher se posicionar duramente contra Israel ou seguir na diplomacia branda da construção de consensos que nunca vêm. Para tornar o dilema mais dramático, o Brasil tenta sem sucesso desde o dia 7 de outubro retirar cidadãos brasileiros de dentro da Faixa de Gaza.
A impressão que fica, neste momento, é que diante deste cenário, uma grande liderança do sul global como Lula faria mais pela paz e pelo futuro da humanidade hoje ao condenar firmemente as atrocidades que ocorrem em Gaza sob os olhos de todos, romper ou no mínimo congelar os acordos bilaterais com Israel e coordenar internacionalmente um isolamento do Estado colonial e genocida de Israel como um novo parâmetro do intolerável para, no futuro, uma nova governança ser construída.
Texto em português do Brasil