E se a pandemia for usada para precipitar o mundo em uma espiral de desemprego em massa, falência e desespero?
Existe uma grave crise de saúde que deve ser devidamente resolvida. E essa deve ser a principal prioridade, mas há outra dimensão importante que também precisa ser abordada, quando milhões de pessoas estão a perder os seus empregos e as suas poupanças e nos países em desenvolvimento prevalecem a pobreza e o desespero.
Primeiro a globalização da pobreza
O confinamento é apresentado à opinião pública como o único meio de resolver esta grave crise de saúde pública, mas os seus devastadores efeitos económicos e sociais são grandemente ignorados; a realidade escamoteada é que o novo coronavírus fornece um pretexto para poderosos interesses financeiros e políticos temerosos precipitarem o mundo inteiro numa espiral de desemprego em massa, falência e pobreza extrema.
Se não for devidamente suportada pela intervenção dos poderes públicos a paragem forçada das economias vai conduzir a uma séria degradação das condições de vida das populações. Depois de décadas a assistirmos à precarização do emprego não estranhamos que já hoje milhões de americanos dependam de doações para poderem comer, nem custa antever que de Londres a Pretória e de Nova York a Tóquio será este cenário de globalização da pobreza que nos aguarda.
Observada de forma fria e desapiedada a história económica recente mostra como desde a década de 80 do século passado os impactos das reformas económicas do FMI e do Banco Mundial na África, Ásia, América Latina, Europa Oriental, Balcãs e Europa Meridional, foram utilizados para pauperizar povos e nações, mediante generalizadas medidas de austeridade, apoiadas pela imposição de grandes programas de privatização que foram propícias ao colapso dos salários reais. Essas reformas económicas mortais – aplicadas em nome dos credores – provocavam invariavelmente o colapso económico, a pobreza e o desemprego em massa.
Com a desculpa da necessidade do ajuste estrutural os mecanismos foram-se sofisticando no desencadeamento da pobreza e globalização do colapso económico, onde a crise que vai forçosamente acompanhar o eclodir da covid-19 será apenas o capítulo mais recente e talvez mais devastador, ao desencadear num ápice um processo mundial de falência, desemprego, pobreza e desespero total, graças à aplicação universal de uma política de confinamento transformada num consenso político, numa clara reminiscência das soluções sem alternativa impostas na UE a propósito da crise da dívida, sem a mínima avaliação das consequências económicas e sociais devastadoras nem vislumbre de alteração às regras de funcionamento da Zona Euro.
Embora ainda sem avaliação rigorosa, poucas dúvidas restarão que entre os efeitos se contam a desestabilização das PME de todas as principais áreas de actividade económica – o que facilitará o processo de concentração de riqueza e capital através da aquisição das empresas falidas – e o aumento do desemprego, com a consequente redução dos salários e a desestabilização e redução de direitos e protecção dos trabalhadores; o aumento do desemprego e dos encargos com a segurança social levará a nova escalada da dívida externa e ao regresso às políticas de austeridade, de desinvestimento público e a nova vaga de privatizações.
Acidentalmente, ou não, a redução da actividade industrial chinesa acarretou a quebra das cadeias de produção e distribuição de equipamentos sanitários e o agravamento das debilidades dos sistemas de saúde de um Ocidente fragilizado pela deslocalização industrial para o sudoeste asiático e em especial o da Europa Meridional recentemente submetida às grandes limitações financeiras impostas pelos programas de austeridade, situação, onde cada estado-membro está novamente a responder segundo as suas disponibilidades (ver o gráfico seguinte), que contribuiu para aumentar ainda mais a necessidade da solução do confinamento para evitar a ruptura daqueles sistemas de saúde.
Confrontados com a velocidade de propagação do vírus, sem capacidade industrial própria, com os sistemas globais de transporte parados e o forte incentivo da OMS (Organização Mundial de Saúde), aos governos ocidentais pouco mais terá restado que a suspensão das suas próprias economias deixando para mais tarde a abordagem da vertente económica da situação. Neste campo a situação da Zona Euro é bem mais frágil que a dos países com moeda própria, pois está-lhes vedada a simples hipótese de emitir moeda para colmatar as necessidades originadas pela paragem das respectivas economias, e talvez por isso logo no início de Março o FMI anunciou a disponibilidade de um bilião de dólares para acudir a essas situações… mas todos recordamos o que significa tamanha generosidade.
Esta é a repetição da receita neoliberal e o recurso a esta solução, geradora de novo processo de endividamento e de mais uma escalada da dívida, significa a negação de qualquer hipótese de recuperação económica real e o aumento da pobreza e do desemprego; na mesma linha de adiamento de soluções para o problema global do endividamento insere-se uma recente decisão do G20 que suspende temporariamente (mas não anula) a dívida dos países mais pobres.
O excesso de endividamento entre os países desenvolvidos, que mal recuperados da crise financeira de 2008 e da sequela europeia da crise da dívida de 2010 vêem agora agravar-se as suas debilidades fiscais aumentadas pela crise sanitária geradora de desemprego e do consequente aumento de despesas e redução de receitas, revela-se cada vez mais um travão ao seu próprio desenvolvimento.
E isto pode ser apenas o começo.
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