Um país e uma economia em dificuldades e não preparada para enfrentar a crise do “coronavírus”, um governo que adia atuar, e a situação dramática dos desempregados cujo número não para de aumentar
Para se poder compreender a verdadeira situação que o país e portugueses enfrentam atualmente, assim como as dificuldades que se verificam para a ultrapassar, é necessário ter presente alguns dados importantes que dão uma ideia clara, objetiva e global da situação do país e da economia determinada por politicas seguidas durante os últimos anos. Neste estudo disponibilizamos alguns desses dados para reflexão do leitor e para que depois forme a sua própria opinião, que é o mais importante.
Estudo
Um país e uma economia em dificuldades e não preparada para enfrentar a crise do “coronavírus”, um governo que adia atuar, e a situação dramática dos desempregados cujo número não para de aumentar
Para se poder compreender a verdadeira situação que o país e portugueses enfrentam atualmente, assim como as dificuldades que se verificam para ultrapassar uma crise grave como é atual, é necessário ter presente dados importantes que dão uma ideia clara, objetiva e global da situação do país e da economia determinada por politicas seguidas durante anos que fragilizou muito o país que agora a crise causada pelo “coronavírus” veio apenas tornar visível.
O desinvestimento na educação em Portugal é causa para que mais de 405 da população empregada tenha só o ensino básico ou menos, quase o dobro da média dos países da U.E.
O quadro 1, com dados oficiais do INE, mostra a situação real do país neste momento.
Quadro 1 – O Emprego em Portugal segundo os níveis de escolaridade – 2011/2020 – INE
Anos | Com ensino Básico Milhares | Com ensino secundário Milhares | Com ensino superior Milhares | Emprego Total Milhares | Básico % do Total | Secundário % do Total | Superior % do Total |
2011 | 2 913 | 935 | 891,8 | 4 740 | 61,5% | 19,7% | 18,8% |
2012 | 2 671 | 950 | 926 | 4 547 | 58,7% | 20,9% | 20,4% |
2013 | 2 474 | 1 010 | 945 | 4 429 | 55,9% | 22,8% | 21,3% |
2014 | 2 343 | 1 081 | 1 076 | 4 500 | 52,1% | 24,0% | 23,9% |
2015 | 2 282 | 1 133 | 1 133 | 4 549 | 50,2% | 24,9% | 24,9% |
2016 | 2 227 | 1 182 | 1 196 | 4 605 | 48,4% | 25,7% | 26,0% |
2017 | 2 264 | 1 260 | 1 233 | 4 757 | 47,6% | 26,5% | 25,9% |
2018 | 2 234 | 1 329 | 1 304 | 4 867 | 45,9% | 27,3% | 26,8% |
2019 | 2 134 | 1 405 | 1 374 | 4 913 | 43,4% | 28,6% | 28,0% |
2º Trimestre 2020 | 1 929 | 1 380 | 1 422 | 4 731 4 | 40,8% | 29,2% | 30,1% |
FONTE: Inquérito ao Emprego 2011/2º Trimestre de 2020 – INE |
No 2º Trimestre de 2020, ainda 1.929.000 portugueses empregados tinham apenas o ensino básico ou menos, o que corresponde a 40,8% da população total empregada. A média nos países da U.E. é pouco superior a 20%. Contrariamente também ao que acontece em outros países da U.E. a população empregada com o ensino superior é mais elevada do que a com o ensino secundário, o que revela uma distorção causada por um sistema de ensino não adequado ao desenvolvimento do país. Segundo os Relatórios do OE, entre 2010 e 2020, a despesa publica com o funcionamento do ensino básico e secundário, a preços constantes de 2010, sofreu uma redução de 2.200 milhões €.
O desinvestimento dos sucessivos governos no aumento do nível de escolaridade e de qualificação dos portugueses é claro, quando é o mais importante para desenvolver o país. Para além disso, durante as crises os mais atingidos pelo desemprego são os trabalhadores de baixa escolaridade. Entre 2011 e 2015, com a “troika” e com Passos Coelho, o emprego diminuiu em 191.000, mas os trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego atingiu 631.000. Com a crise atual, entre o 4º trim. 2019 e o 2º trim. 2020 já foram destruídos 205.000 empregos mas o número de trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego já atinge 182.000.
O “stock” de capital, ou seja, o investimento em equipamentos e outros meios necessários à produção por trabalhador tem diminuindo em Portugal
O desinvestimento em Portugal em equipamentos e outros meios necessários ao aumento da produtividade do trabalhador tem sido enorme com revelam os dados da Comissão Europeia.
Gráfico 1 – Stock capital liquido (investimento) por trabalhador empregado em Portugal a preços constantes Fonte: AMECO – Base de dados da Comissão Europeia
Entre 2013 e 2019, o “sotck” de capital líquido por trabalhador em Portugal diminuiu em 11,7%, pois a preços constantes passou de 124.564€ para apenas 110.034€. No lugar do investimento em equipamentos e outros meios materiais aumentar para que a produtividade por trabalhador aumentasse, o que se tem verificado em Portugal é precisamente o contrário. O novo investimento nem tem compensado aquele que desaparece por obsolescência e pelo uso.
E o Estado tem dado o pior exemplo. Entre 2015 e o 2019, o investimento publico (FBCF) somou 18.192 milhões € mas o Consumo de Capital Fixo (amortizações), ou seja, o que se desgastou ou foi destruído pelo uso ou degradação somou 26.444 milhões €, portanto investiu-se menos 8.252 milhões do que se “consumiu”.
É essa a causa da degradação profunda de muitos equipamentos públicos (escolas, hospitais, transportes, etc.).Como consequência, a produtividade aparente do trabalho (PIB por trabalhador) teve a evolução revelada pelos dados do INE do gráfico 2.
Gráfico 2 – PIB (riqueza criada) por empregado em cada Trimestre a preços constantes – 1.º Trim. 200 / 2.º Trim. 2020 Fonte: INE
A produtividade aparente do trabalho que já tinha diminuído no 1.º trimestre de 2020, caiu no 2.º trimestre de 2020 para apenas 8.876€, ou seja, um valor que é praticamente o verificado no 1º trimestre de 2000 (neste trimestre a riqueza criada em média por trabalhador – PIB por trabalhador – foi apenas de 8.821€), portanto no 2º trimestre de 2020 verificou um recuo de 20 anos.
O ganho médio líquido dos trabalhadores em Portugal era apenas 980€ em 2019, o mais baixo da U.E., e com crise ainda por cima sofreu uma forte redução
Consequência do desinvestimento verificado na educação e em equipamentos, quer da administração publica quer do setor privado, o nosso país tem um perfil de economia assente em baixa produtividade e em baixos salários. O quadro 2 completa o gráfico anterior.
Quadro 2 – Ganho médio mensal liquido em Portugal e nos países da União Europeia – 2019
Região / País | 2019 Ganho médio mensal liquido (14 meses) | ganho liquido mensal em relação a Portugal (base=100%) |
União Europeia (média 28 países) | 1 808 € | 184,4% |
Zona Euro (média 19 países) | 1 899 € | 193,7% |
Bélgica | 2 149 € | 219,2% |
Dinamarca | 2 643 € | 269,6% |
Alemanha | 2 262 € | 230,7% |
Irlanda | 2 584 € | 263,5% |
Grécia | 1 129 € | 115,1% |
Espanha | 1 546 € | 157,7% |
França | 1 897 € | 193,5% |
Itália | 1 544 € | 157,5% |
Luxemburgo | 3 042 € | 310,2% |
Holanda | 2 671 € | 272,4% |
Áustria | 2 309 € | 235,5% |
Portugal | 980 € | 100,0% |
Finlândia | 2 263 € | 230,8% |
Suécia | 2 347 € | 239,4% |
Inglaterra | 2 546 € | 259,6% |
Noruega | 3 240 € | 330,4% |
Fonte: Eurostat (o Eurostat publica ganhos médios anuais dividi por 14 para serem mais facilmente entendido as diferenças de país para país e nomeadamente em relação a Portugal) |
Segundo o Eurostat, em 2019, o ganho médio liquido mensal em Portugal era apenas de 980€, enquanto a média na União Europeia era de 1808€ (+84,4%), na Zona euro de 1.899€ (+93,7%), na Alemanha de 2.262€ (+130,7%), no Luxemburgo de 3.042€ (+210,2%), na Noruega de 3.240€ (+230,4%), etc., etc.. As diferenças de ganhos líquidos entre Portugal e a maioria dos países das União Europeia constantes do quadro 2 são enormes. É evidente que Portugal é um país em que a esmagadora maioria da população tem ganhos muitos baixos, quando comparado com outros países da U.E., o que causa que o impacto da crise económica e social seja maior e mais grave.
Em Jul. 2020 apenas 32 em cada 100 desempregados recebiam subsídio de desemprego
E esta gravidade da crise económica e social é ainda aumentada pelo crescimento rápido do desemprego e pelo reduzido número de desempregados que que recebem subsídio de desemprego.
Gráfico 3 – O aumento rápido do desemprego em Portugal e o número de desempregados a receber subsidio de desemprego Jan./Jul. 2020 Fonte: INE e Segurança Social
Em apenas 4 meses (março/julho de 2020), o desemprego real em Portugal aumentou de 519.500 para 678.500, enquanto o número de desempregados a receber subsídio de desemprego subiu apenas de 173.815 para 221.765. O aumento do número desempregados em apenas 4 meses (+159.000) foi três vezes superior ao número daqueles que receberam o subsídio de desemprego (+47.950). A miséria está a alastrar rapidamente em Portugal.
A necessidade urgente de retomar a atividade e de normalizar a economia mas com segurança caso contrario é o caminhar para o abismo
Os últimos dados divulgados pelo INE revelam uma preocupante quebra na atividade económica. No 2º trimestre 2020, quando comparado com idêntico trimestre de 2019, registou-se uma quebra no PIB de -16,3% (menos 8.500 milhões € de riqueza produzida), uma quebra no consumo privado de -14,5% (sem consumo o país não recupera), uma quebra no investimento de -10,8% (sem investimento o pais não se moderniza nem aumenta a produtividade) e uma quebra nas exportações de -39,5%. São quebras que a continuar conduzirão inevitavelmente o país a um desastre económico e social.
É necessário inverter este caminhar para o abismo, mas o governo tem-se revelado incapaz de falar com a verdade que é necessário e de tomar as medidas adequadas que permitam uma retoma gradual do país à normalidade possível mas com a segurança mínima que é indispensável. Mesmo nas áreas de sua responsabilidade direta, como é a Administração Pública, o governo parece ausente, deixando ao arbítrio das respetivas chefias não havendo ainda qualquer orientação clara por parte do governo.
É urgente a reorganização do trabalho de toda a administração publica integrando de uma forma planeada e organizada o teletrabalho, construindo instrumentos de enquadramento, de acompanhamento e de avaliação do trabalho realizado pelos trabalhadores que não existe, assim como o respeito dos seus direitos (ao descanso, à sua vida privada, ao horário de trabalho, etc.), mas até a esta data nada foi feito deixando tudo à deriva com consequências graves nos serviços prestados à população cujo acesso é cada vez mais difícil.
É urgente normalizar a economia com um mínimo de segurança. Para isso:
- é necessário introduzir horários desfasados quer na administração publica quer no setor privado para reduzir os ajuntamentos nomeadamente nos transportes públicos, e assim tornar possível o distanciamento físico mas até à esta data nada foi feito; é
- preciso, pelo menos a nível da Administração Pública, em muitos serviços, em que o teletrabalho foi introduzido de uma forma desorganizada, improvisada e sem qualquer preparação, dividir os trabalhadores em dois grupos que se alternam (regime presencial/teletrabalho) de forma a existir sempre trabalhadores em regime presencial para assegurar pelo menos um mínimo de normalidade no funcionamento dos serviços que não existe atualmente e garantir aos trabalhadores o distanciamento físico necessário indispensável à sua segurança.
Mas tudo isto está por fazer, e o governo tem-se revelado incapaz de o fazer. Até parece que nem pensa nisso ou que tem medo de atuar porque teme perder popularidade. E são os cidadãos que sofrem com a desorganização dos serviços públicos. Mas assim é o caminho para o abismo.
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.