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Quinta-feira, Janeiro 30, 2025

“A pobreza mata, não são só as bactérias e os vírus”

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Constantino Sakkellarides, ex-Director Geral da Saúde em Portugal, jornal i, 2020.03.20

  1. Decidir na obscuridade

Continuam ainda por conhecer os contornos precisos da presente pandemia, nomeadamente a sua virulência, duração e condições de propagação. A informação dificilmente é visível num pântano onde campeia a desinformação potenciada pelo pânico, num cenário que faz lembrar a gripe da primeira guerra mundial em que a preocupação dominante foi a de desinformar para ‘ganhar a guerra’, estratégia que resultou num balanço que pode ter chegado a cem milhões de vítimas mortais da gripe.

A União Europeia, através da sua task force dedicada à desinformação, aponta baterias ao Kremlin na sua estratégia de lançar o pânico na União Europeia, menorizando outras máquinas de desinformação – inclusivamente europeias. Jakub Janda, do Centro de Análise Política Europeia em Praga, faz uma boa análise mais virada para a China, mas mesmo ele não equaciona o papel de Teerão na mecânica da desinformação.

Dentro de portas europeias tivemos a descarada mentira de um pérfido Trump que tinha tentado adquirir uma vacina só para os EUA travado pela ângelica Merkel, que só quer o bem de todos. Posta a correr pelas autoridades alemãs a invenção foi difundida por vários veículos de imprensa e apenas desmentida pela imprensa mais fiável como o ‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’ que a denunciou como desinformação. Na imprensa e nas redes sociais pude ver milhares de repetições indignadas da mentira, mas não vi ninguém a retratar-se.

Em Portugal impressionou-me especialmente um artigo do ‘Observador’ que pretende popularizar um artigo da ‘Science News’ mas que lhe atribui uma afirmação que este não fez (nem sequer abordou o tema): ‘e nem escapou por alguma brecha no sistema de segurança destas instalações’ . Pode tratar-se de um erro como todos cometemos, mas o tom pouco neutral do artigo levou-me a suspeitar de se tratar de desinformação, numa matéria extremamente sensível.

A realidade é que não me parece neste momento possível dizer se a pandemia se vai continuar a estender geograficamente, se vai retroceder apenas para voltar mais tarde, se vai encontrar vacinas ou remédios eficazes e se portanto teremos de continuar com ela por tempo indeterminado, ou se a iremos ultrapassar no prazo de meses ou de poucos anos. Certo é que estas epidemias são inevitáveis enquanto não repensarmos a nossa relação com o mundo animal.

Independentemente da resposta a esta questão, mesmo na mais risonha hipótese, será já impossível escapar a um quadro de catástrofe económica se não forem postas em marcha as necessárias políticas.

  1. Nada aprender com os erros do passado

Com grande pompa e circunstância, a Presidente da Comissão Europeia anunciou que os limites orçamentais do ‘pacto de estabilidade’ (na verdade eles estão no Tratado) estariam suspensos, o que parece ter enchido algumas forças políticas de entusiasmo, mostrando aqui uma persistente imaturidade.

Independentemente da forma jurídica do acto, para aqueles que como eu presenciaram a forma como as instituições europeias e o Governo português reagiram à crise de 2008, isto dá-nos a sensação de estarmos perante a repetição da forma como fomos conduzidos à maior crise económica e financeira a que jamais assistimos (2010-2013) e a uma herança de uma dívida colossal em que o cidadão foi obrigado a pagar os desvarios das instituições financeiras que continua a pairar sobre as nossas cabeças e que provocará inevitavelmente o colapso financeiro se se repetir a terapia.

Contrariamente ao que o banco central dos EUA (na gíria, o FED) se prepara para fazer, não há notícia de o Banco Central Europeu se preparar para emprestar dinheiro directamente às empresas limitando-se a anunciar – depois de ser asperamente criticado pela sua inacção – um pacote de compras de títulos que Draghi tornou já parte do funcionamento normal do sistema.

António Costa anunciou um pacote de medidas dia 20 onde há muita coisa necessária e acertada mas em que me parece estarmos perante alguns erros que se podem revelar desastrosos.

O primeiro é o de fazer um calendário que aponta para que os problemas estejam ultrapassados em Junho. Creio que ele não tem elementos que lhe permitam dizer isso, não só do ponto de vista do prognóstico viral mas, sobretudo, do ponto de vista do comportamento dos cidadãos após a crise viral.

O segundo é o de rejeitar o cheque aos cidadãos proposto nos EUA, e que me parece ser a medida mais adequada e mais inovadora que vimos até aqui. Creio mesmo que ela seria preferível a qualquer outra medida, nomeadamente a das linhas de crédito, que me parecem inadequadas à dimensão dos problemas e que potenciam o papel dos bancos, que deveria ser limitado ao mínimo indispensável por não terem sido reformados, e portanto, serem parte do problema e não da solução.

Reforçar o poder dos bancos, como a imprensa anunciou no fim-de-semana que o Governo teria feito em consonância com o BCE, é repetir em dose alargada os erros crassos cometidos na crise de 2008; é um passaporte para a banca voltar a desviar fundos agora a pretexto de ‘salvar’ os proprietários de habitação endividados.

O terceiro, e mais grave, é o de não ter confiado a condução deste dossier ao Presidente do Eurogrupo e Ministro das Finanças, Mário Centeno, porque – apesar das grandes divergências que tenho com ele e que tenho exposto aqui no Tornado, nomeadamente em matéria de financiamento a bancos – ele é a personalidade mais prestigiada internacionalmente e o político que eu conheço mais competente na matéria.

20 de Março no número 18 da Avenida das Artes em Bruxelas, fotografia de Paulo Casaca

  1. As minhas propostas

O Presidente do Eurogrupo deveria pôr na mesa – da forma que julgar mais conveniente – uma proposta de compra de títulos de dívida pública até 30 anos pelo Banco Central Europeu até 60% do PIB de todos os Estados Membros, e a juros próximos de zero para financiar o impacto fiscal justificado pela crise.

O Governo português deveria considerar as pessoas como os seus destinatários principais, estabelecendo um rendimento mínimo alvo a ser completado, sempre que possível, através de cheque-cidadão. Tendo em conta as imperfeições do sistema de informação tributária, esse mecanismo iria necessitar de apoio das autoridades locais.

Por derrogação a este princípio, as empresas poderão ser as destinatárias do apoio ao cidadão em função dos trabalhadores que se mantiverem em funções. Os micro-estabelecimentos directamente vítimas da crise (no turismo, mas também noutros domínios) devem ser alvo prioritário de apoio suplementar em dinheiro.

Todos os apoios podem ser mensalmente adaptados à gravidade da situação. Adiamento de obrigações financeiras deve ser limitado a um ou no máximo dois meses, sob pena de arrasar toda a confiança económica.

A intervenção da banca deve ser remetida ao mínimo indispensável. Se o BCE aligeira os rácios de solvabilidade ou alarga o seu crédito à banca, deve igualmente arcar com as consequências e os cidadãos devem terminantemente recusar voltar a pagar os dislates da banca.


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