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Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

A Porta Política

Pela porta política da Assembleia Nacional, agora “da República”, entre 1933 e 1974 apenas passou um partido político, a União Nacional. Como em todas as boas ditaduras, que se prezam por concentrar o poder, também em portugal António de Oliveira Salazar não queria ouvir falar de oposição.

É assim que na Constituição da República de 1933 fica claro que o país seria liderado sem escolhas eleitorais.

Diz a História: “A primeira Assembleia Nacional foi eleita em 1934 por sufrágio directo dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados. Os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres eram admitidas a votar se possuidoras de curso especial, secundário ou superior. O direito de voto às mulheres já fora expressamente reconhecido pelo decreto 19.894 de 1931, embora com condições mais restritas que as previstas para os homens.”

A União Nacional era um polvo que tudo controlaria. Ao mesmo tempo que ali se inscreveríam todos os pretendentes aos lugares menores – que o cimeiro estava apenas entregue a Salazar -, duas instituições mais ou menos macabras tomavam forma à sombra do Estado e do partido, que se confundiam. A primeira era a Mocidade Portuguesa, uma espécie de clube de jovens doutrinário, onde a rapaziada ia cantar vestida de calções e camisa com os símbolos nacionais, bandeira na mão e saudação pronta para Oliveira Salazar. A Mocidade era uma obrigação de cada bom pai para com seu filho: pessoa que lhe fugisse era repreendida.

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Aos 21, no entanto, ou antes se trabalhasse no sector público, lá vinha o convite para a ainda não historiografada Legião Portuguesa. Esta era uma milícia de Estado, uma espécie de polícia  secreta alternativa, reunindo os mais feros apoiantes do regime.

Se havia muitos que apenas participavam nas reuniões para não perder o emprego ou a hipótese de subir na carreira, outros, mais dedicados à causa, colaboravam em manobras de coacção, eventos de pancadaria contra a resistência democrática, obras de caridade como a queima de livros.

Manietado politicamente, o Portugal de Salazar chegou ao sucessor, Marcelo Caetano, com a cabeça exausta e a democracia no fundo do horizonte. Marcelo percebeu isso e, depois de lá ao fundo do séc. XX ter sido um dos mais extremistas pelo regime, aligeirou-se, Quis abrir o “Estado Novo”, como lhe chamou a Constituição de 1933, não a partidos mas a Comissões Eleitorais. Estas seriam uma forma de alguma oposição, ténue e apenas corporativa, poder chegar mais perto do poder – dos lugares de deputados.

Diz outra vez a História: “Nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, Marcelo Caetano pretende revitalizar a Acção Nacional Popular e ensaiar uma relativa mudança no regime, permitindo a concorrência de comissões eleitorais da oposição, sem contudo autorizar a constituição de partidos, nem actualizar os cadernos eleitorais e restringindo a campanha eleitoral apenas a um mês antes das eleições.

Nas listas do partido único foram incluídas algumas personalidades independentes que viriam a enquadrar a chamada “ala liberal” da Assembleia Nacional. Estas iniciativas evidenciaram a rigidez do regime e a sua incapacidade de abertura e renovação. Muitos dos deputados que haviam integrado a “ala liberal” acabariam por renunciar aos seus mandatos, designadamente após a revisão constitucional de 1971 onde foi gorada qualquer possibilidade de introduzir alterações aos princípios constitucionais de concentração de poderes no Presidente do Conselho de Ministros e no Presidente da República”

A Ala Liberal, que incluía pessoas como Francisco Sá Carneiro ou Pinto Balsemão, não foi capaz, como está visto, de forçar a mudança de regime. Aliás, a fundação do jornal “Expresso” liga-se directamente a este episódio. Irritados, os da Ala quiseram ter uma voz pública para lutar contra a caducidade do Estado Novo.

Como a sociedade se faz de regras e estas são escritas na lei pelos deputados, a primeira porta a abrir era a política, para o Movimento das Forças Armadas. A 25 de Abril de 1974, derrubado Marcelo Caetano, que sai sem dignidade para o Brasil, os militares e a Junta de Salvação Nacional admitem imediatamente a formação de partidos políticos, para as celebradíssimas eleições de 25 de Abril de 1975.

A Ala Liberal transforma-se em PPD (hoje PSD), o até aí clandestino PCP passa à legalidade, o Partido Socialista, criação de advogados e intelectuais no exílio, vê a luz do dia e o Centro Democrático Social, uma mistura de moderados católicos e centristas liberais que conseguem ser partido, apesar de tomados como perigosos radicais de direita.

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A Junta de Salvação Nacional vai ainda tomar medidas essenciais para o voto. Lê-se: “Depois da realização de um recenseamento eleitoral considerado exemplar, votaram todos os cidadãos maiores de 18 anos, independentemente do sexo, nível de instrução ou capacidade económica, com excepção dos responsáveis e colaboradores do anterior regime. A capacidade eleitoral passiva coincidia com a activa: todos os eleitores podiam ser eleitos, apenas com algumas excepções, como era o caso dos militares”.

Com 91 por cento de participação (ou apenas nove por cento de abstenção) as primeiras eleições livres e universais tiveram este resultado:

Partido – deputados

  • Partido Socialista (PS) – 116
  • Partido Popular Democrático (PPD) – 81
  • Partido Comunista Português (PCP) – 30
  • Partido do Centro Democrático Social (CDS) – 16
  • Movimento Democrático Português (MDP/CDE) – 5
  • União Democrática Popular (UDP) – 1
  • Associação de Defesa dos Interesses de Macau  (ADIM) – 1

Um balde de água fria para o PCP, logo a abrir, uma vez que fora esta organização, na clandestinidade, que mais tinha trabalhado no terreno contra o Estado Novo, à custa da prisão e da morte dos seus militantes. Mas os portugueses tinham passado 48 anos sob uma ditadura e os fantasmas da União Soviética, também de partido único, e o sentimento de medo que ultrapassou três gerações fez com que os eleitores batessem o pé ao regime anterior, dando a vitória ao Partido Socialista, mas que não apostassem tudo numa solução de resistência ao contrário.

A porta da Assembleia, que deixou de ser Nacional e se fez da República, foi aberta sem grande estrondo. Dezenas de pequenos partidos iam surgindo aqui e ali, mas o alinhamento inicial mantém-se, passados 42 anos da Revolução. Sim, até o Bloco de Esquerda ali está nos resultados, fruto da união da UDP com o sucessor do MDP, ao qual se juntou o PSR.

 

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