A duas semanas da primeira – e não sabemos se única – volta das eleições presidenciais, já formei, como muitas outras pessoas, a minha percepção dos candidatos presidenciais.
Não me pronuncio sobre candidatos com propostas indiferenciadas e deixo de lado os títulos académicos e profissionais dos restantes. No essencial, reparto os aspirantes ao cargo entre candidatos partidários e da cidadania. E do conjunto de qualidades parece-me ressaltar que ainda está por vir o candidato ideal, como naqueles livros infantis ou de adultos em que se vão trocando as cabeças, troncos e membros de várias personalidades, à procura de uma nova figura.
Começando pelos candidatos da cidadania.
Sampaio da Nóvoa tem a seu favor um currículo brilhante na Educação e ser um excelente negociador institucional com a fusão das duas grandes universidades de Lisboa. Quero até acreditar que sempre se envolveu em causas cívicas relevantes para o país. Mas querer entrar na vida política logo pelo lugar cimeiro é uma marca que pode ser fatal, tal como foi ao dr. Fernando Nobre; a ambos falta o cursus honorum, a carreira dos assuntos políticos em que é testada a capacidade individual de falar por todos: e o cursus honorum começa por baixo. O próprio Sampaio da Nóvoa ao falar por um “tempo novo” terá de indicar que quer ser inclusivo e não apenas de esquerda.
Paulo Morais apresenta-se como candidato de uma só causa embora central: a anti-corrupção. Se porventura fosse eleito, confrontar-se-ia com a exiguidade de instrumentos para levar a cabo os seus propósitos. Como candidato da cidadania encontrará melhor abrigo em movimentos e partidos alternativos do que como detentor do poder executivo onde o papel de justiceiro é apenas uma faceta a par da do garante dos equilíbrios constitucionais e de visionário do futuro comum.
Henrique Neto tem o discurso político mais abrangente entre todos os presidenciáveis pelo vasto leque de preocupações que manifesta, qualidade a que não é decerto alheia a sua longa experiência nas arenas empresariais e políticas. Mas no caso de ser eleito, sabemos que encontraria dificuldades em fazer passar essas boas ideias de governação porque não é esse o papel primeiro de um presidente.
Passando aos candidatos partidários.
Maria de Belém mostra que não basta ambição para ser eleito presidente da república; é preciso ter uma alma, ou seja, despertar ecos em vastos segmentos da população, mesmo que não se tenha carisma, como é o caso de Cavaco Silva. Ora não é evidente qual a alma de Maria de Belém. Apoiada pelo sector do PS que tem dúvidas na aliança à esquerda, Maria de Belém está também a cumprir um papel estruturante no PS, o que interessa certamente ao sistema partidário mas não aos portugueses em geral.
Marisa Matias tem trabalho feito no Parlamento Europeu mas claramente concorre para manter alta a bandeira do Bloco de Esquerda. Tem a seu favor o perfil geracional, no limite da condição jovem. E é uma mulher. Talvez o Bloco aposte nela, em vez de Francisco Louçã, para manter uma imagem, um programa. Mas o meio milhão de votos no Bloco teve, a meu ver, outra origem; acabar com o arco da governação. E conseguiu.
Edgar Silva. Creio ser um caso positivo da evolução das mentalidades que o PCP tenha escolhido para seu porta-voz um ex-sacerdote sem ressentimentos. Como candidato partidário, cumpre o seu papel de fazer falar do PCP. E contudo existe aqui uma contradição dolorosa. Nenhum candidato como Edgar Silva fala tanto à maneira da doutrina social da Igreja; mas é evidentíssimo que ele não tem, nem procura ter, nem teria, o apoio da maioria sociológica da Igreja. Parece-me haver aqui um caso de messianismo não resolvido.
Marcelo Rebelo de Sousa como analista político ficou para sempre retratado na caricatura de Ricardo Araújo Pereira sobre o tema do aborto. Sim e Não. Pois e Também. Mas o que é negativo num analista não o é necessariamente num presidente da república em que a função faz o órgão. Estamos perante um genial criador de consensos que é também um potencial criador de tensões. Não é evidentemente um candidato da cidadania pois é do PSD. Não é um candidato partidário pois teve a inteligência de se descolar do centro direita que o apoia, mau grado seu. Joga em dois tabuleiros: se o não fizesse, não seria Marcelo.
Afinal, o que está em jogo neste cargo de presidente da República é uma personalidade que saiba dar voz a Portugal, a um conjunto de interesses muito divergentes, em idade, profissão, classe, género; alguém que tem de representar o público e o privado, quem trabalha, quem está desempregado, e quem é pensionista. É possível? É! Com estes candidatos? Não sei! O voto é secreto porque é livre. E o povo escolherá porque aprendeu a ser livre. E quem é livre, deseja ser representado por alguém libertador: alguém que liberte os nossos sonhos, que nos traga uma esperança e nos faça visionar um futuro melhor, através da acção e da palavra. Os problemas reais vêm depois.