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Sábado, Dezembro 21, 2024

A produtividade e os salários

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Os “slides” com dados que dão um retrato objetivo da situação do país utilizados na audição no Conselho Económico e Social.

Neste estudo, tomando como base “A PRODUTIVIDADE E SALARIOS”, tema caro a todos os portugueses porque determina as suas condições de vida, sobre o qual o CES está a elaborar um parecer, e tendo sido convidado para uma audição, para dar a minha perspetiva e análise, “construi” 19 “slides” nos quais reuni os principais dados oficiais (INE, Eurostat e AMECO) que permitem ficar com uma ideia clara da situação do pais nesta área, assim como os fortes obstáculos e desafios que enfrentam no campo do crescimento económico, no melhoramento das suas condições de vida e do desenvolvimento.

Espero que estes dados, agora reunidos num conjunto de slides permitam àqueles que se interessam pela situação do país e dos portugueses uma reflexão (a sua) séria e objetiva.

 

Estudo

A produtividade e os salários: Os “slides” com dados que dão um retrato objetivo da situação do país utilizados na audição no Conselho Económico e Social

A Produtividade do Trabalho (análise redutora e parcial) VS Produtividade Multifatorial ou Total (a produtividade não depende apenas do trabalhador)

Os baixos Salários estão a contribuir/impedir a reestruturação da economia para cadeias de valor mais elevado na medida que são a causa da fuga para o estrangeiro dos trabalhadores mais qualificados

A JUSTIFICAÇÃO DA DIVULGAÇÃO DESTES “SLIDES”

  • A Comissão Especializada sobre o Crescimento Económico e Social (CECES) do Conselho Económico e Social está a elabora um “Parecer sobre a produtividade e Qualidade do emprego em Portugal”. E fui convidado para, numa audição “dar a minha perspetiva sobre este tema para que desta forma possam auxiliar o CES”, como consta do convite.
  • Na versão do documento de trabalho que o seu relator tinha elaborado e que me foi enviada, embora o tema do parecer fosse a “produtividade”, o documento estava fundamentalmente centrado na “produtividade do trabalho” que é um conceito parcial e redutor pois a produtividade não depende apenas do trabalhador, mas de um conjunto de fatores que vai desde os equipamentos, os materiais, etc., em que o trabalhador é apenas um entre muitos. Esta abordagem que impera nas escolas e livros de economia pode levar a conclusões erradas, de que a produtividade depende apenas do trabalhador e quando é baixa, como acontece em Portugal, a culpa é do trabalhador. Este conceito redutor também impede que se identifiquem as principais causas da baixa produtividade.
  • Na intervenção que fiz na audição, utilizando estes “slides”, a que acrescentei mais alguns dados para responder a questões levantadas durante a audição, procurei desmontar esta interpretação tecnicamente errada e que pode ser manipuladora.
  • Nestes “slides” com dados sobre a realidade portuguesa (INE) procuro também mostrar a diferença entre “produtividade“ (criação de riqueza) e repartição/distribuição de riqueza que, por vezes, é confundida. Poder haver criação de mais riqueza sem repartição justa, e o inverso também: melhor distribuição sem criação de mais riqueza. São 2 coisas diferentes que interessa não confundir. Divulgo estes “slides” porque penso que os dados que contém sobre a realidade portuguesa poderão ser úteis para a reflexão dos leitores sobre uma matéria importante para todos, pois determinam as nossas condições de vida.

 

A PRODUTIVIDADE DEPENDE DE MULTIPLOS FATORES E NÃO APENAS DO TRABALHADOR

  • A PRODUTIVIDADE DO TRABALHO é um conceito parcial que pode induzir em erro pois pode levar a pensar que a razão de baixa produtividade está no trabalhador, impedindo que se identifiquem todas as causas para se poder atuar sobre elas. Apesar de ser um conceito tecnicamente incorreto é aquele que, por razões de classe, é mais utilizado pois facilmente leva à culpabilização do trabalhador pela baixa produtividade
  • O conceito que é tecnicamente mais correto e que deve ser utilizado e estudado, embora seja mais difícil de calcular, é a PRODUTIVIDADE MULTIFATORIAL OU TOTAL pois a criação da riqueza depende não só da qualificação, competências e empenhamento do trabalhador, mas também dos instrumentos (equipamentos) que utiliza (o chamado stock de capital líquido por trabalhador), dos materiais que consome, da energia que usa, da organização e gestão da empresa, da inovação, do contexto sociopolítico e até do subsetor da atividade económica em que a empresa está, pois há subsetores que, pelas suas caraterísticas, a produtividade é mais elevada e quanto maior for o seu peso na economia maior será a produtividade no país(equipamento elétrico VS turismo)

 

O AUMENTO DA “PRODUTIVIDADE” APARENTE DO TRABALHO EM PORTUGAL É MUITO BAIXA, POR VEZES NEGATIVA, ANTES DE ENTRAR NO EURO (2000/2002), E TAMBÉM NO PERÍODO 2011/2022 (a preços constantes de 2016) Utilizamos o VAB e não o PIB pois este tem (+) impostos e (–) subsídios, que condicionam o seu valor e no VAB os impostos e subsídios não são considerados

 

A “PRODUTIVIDADE DO TRABALHO” É MUITA BAIXA EM PORTUGAL PORQUE O STOCK DE CAPITAL LIQUIDO POR EMPREGADO É MENOS DE ½ DA ZONA EURO E POUCO SUPERIOR A ½ DA MÉDIA DA U.E.– AMECO – Como será possível aumentar a produtividade por trabalhador quando o “stock de capital liquido” (equipamentos e tecnologia) por trabalhador tem diminuído desde 2013?

 

O INVESTIMENTO (FBCF) EM % DO PIB (TOTAL, PUBLICO E PRIVADO) EM PORTUGAL NOS ÚLTIMOS 11 ANOS TEM SIDO INFERIOR Á MÉDIA DA U.E. E DA ZONA EURO – Eurostat- Como se poderá assim aumentar a produtividade e subir nas cadeias de valor mais elevado sem investir?

 

NOS ÚLTIMOS 11 ANOS O NOVO INVESTIMENTO (FBCF) EM PORTUGAL NEM FOI SUFICIENTE PARA COMPENSAR AQUELE QUE DESAPARECEU DEVIDO AO USO E OBSOLESCENCIA (CONSUMO DE CAPITAL FIXO) SEGUNDO O INE :- a situação é dramática a nível de investimento público que sofreu cortes brutais devido às regras impostas pela entrada na Zona Euro , e à “politica de contas certas do governo” de reduzir o défice e a divida pública a um ritmo superior ao dos outros países da U.E.

 

A REDUÇÃO DO DÉFICE ORÇAMENTAL EM PORTUGAL A UM RITMO 8,5 VEZES SUPERIOR À REDUÇÃO MÉDIA NA U.E., E 9 VEZES SUPERIOR AO RITMO DE REDUÇÃO NA ZONA EURO, ESTÁ A CAUSAR A DESTRUIÇÃO DA ADMINISTTRAÇÃO PÚBLICA, COM EQUIPAMENTOS E SALÁRIOS CADA VEZ MAIS DEGRADADOS, E A CRIAR GRAVES OBSTÁCULOS AO CRESCIMENTO ECONÓMICO E AO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS (só o governo e seus defensores não veem isso)

 

OS CUSTOS/HORA DA MÃO DE OBRA (salariais + não salariais) EM PORTUGAL, NA U.E E NA ZONA EURO – Eurostat- Os salários em Portugal são metade ou menos de metade da média da U.E. e da Zona Euro, o que está a determinar a fuga para o estrangeiro de trabalhadores com maiores qualificações e competências, e os que ficam no país são mal pagos e muitos estão em postos de trabalho pouco qualificados. Isto também dificulta ou mesmo impede o aumento da produtividade e a subida na cadeia de valor no nosso país

 

PORTUGAL “EXPORTA” TRABALHADORES QUALIFICADOS E “IMPORTA” TRABALHADORES NÃO QUALIFICADOS: em Portugal entre 2015 e 2022, o emprego aumentou em 360.000, os trabalhadores com idade 25-44 anos, na maioria os mais qualificados e mais produtivos, diminuíram em 122.100, enquanto os com idade 45-64 anos aumentaram em 490.600. Devido à reduzida criação de emprego qualificado o aumento de emprego dos trabalhadores com o ensino superior (+561.200 de 2015/2022) foi principalmente para ocupar postos de trabalho onde estavam trabalhadores com ensino básico (-588.600) ou outros de baixa qualificação e a remuneração dos com ensino superior que ficaram no país diminuiu

 

ENTRE O 1º TRIMESTRE DE 2022 EO 1º TRIMESTRE DE 2023, O EMPREGO DIMINUIU NAS PROFISSÕES MAIS QUALIFICADAS E AUMENTOU NAS PROFISSÕES MENOS QUALIFICADAS

 

O PESO REDUZIDO DAS EMPRESAS DE ALTA E MÉDIA-ALTA TECNOLOGIA E MESMO DE BAIXA E MÉDIA-BAIXA TECNOLOGIA EM PORTUGAL – a alteração na estrutura produtiva do país para maior intensidade tecnológica e valor acrescentado é insuficiente – Dados do INE

 

PIB POR EMPREGADO E CUSTOS (salariais + não salariais) COM MÃO DE OBRA POR HORA NA U.E., NA ZONA EURO E EM PORTUGAL (em Portugal ½ da U.E. e menos da Z.E.)E ESTIMATIVA DO AUMENTO MINIMO DOS SALÁRIOS EM PORTU-GAL PARA QUE O CUSTO DA MÃO DE OBRA FOSSE IGUAL À % QUE O PIB POR EMPREGADO EM PORTUGAL REPRESENTA DO DA U.E. OU DA ZONA EURO

 

A PERDA DE IMPORTANCIA DA AGRICULTURA E INDÚSTRIA NA RIQUEZA CRIADA NO PAIS (VAB TOTAL) E O AUMENTO DO PESO DO COMERCIO, DO SUBSETOR FINANCEIRO, SEGURADO E IMOBILIÁRIO, E DE “OUTRAS ATIVIDADES E SERVIÇOS” NÃO ESPECIFICOS NO VAB TOTAL -2000/2022 – INE

 

OS LUCROS DAS EMPRESAS RECUPERARAM RAPIDAMENTE DA CRISE DO COVID (entre 2019/2021 aumentaram 27,5%, e os das grandes empresas +33,9%) ENQUANTO AS REMUNERAÇÕES TOTAIS SUBIRAM APENAS 7,8% – INE

 

A DEGRADAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CAUSADA PELA POLITICA DE BAIXOS SALARIOS PARA REDUZIR O DÉFICE, CONSTITUI UM FORTE BLOQUEIO AO AUMENTO DA PRODUTIVIDADE E AO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS E É UM INCENTIVO À MANUTENÇÃO DE BAIXOS SALARIOS EM TODO O PAÍS

  • Na Administração Pública, devido a falta de trabalhadores qualificados e com as competências necessárias as decisões tardam e muitas vezes são deficientes o que é agravado pela burocracia existente herdada do passado e pela dependência de despachos de membros do governo muitos deles com reduzida competência e com pendor intervencionista. Tudo isto foi agravado pelo teletrabalho desorganizado que as chefias tendem a desvalorizar até porque muitas delas estão também em teletrabalho, mas cujas consequências a população sente pois é cada vez mais difícil obter uma resposta de um serviço público
  • As consequências são visíveis. Um ex. : a nível de execução dos programas financiados pela U.E.: “PORTUGAL 2020”, para o período 2014/2020, em mar.2023 ainda estavam por executar financeiramente 3038 M€ (11,4%). O “PRR”, a terminar em 2026, em 7/6/2023, dos 16644M€, Portugal já tinha recebido 5142 M€ (30,9%) mas aos beneficiários finais só tinha chegado 1121M€ (6,7%).O“PORTUGAL 2030”, para 2021/27 com 23.000M€ ainda não começou a ser verdadeiramente executado. A degradação da Administração Pública associada à fragilidade da esmagadora maioria das empresas está a causar o atraso crescente do país
  • A politica de baixos salários na Administração Pública e a ausência de carreiras dignas está a impedir a contratação de trabalhadores qualificados e com as competências que ela necessita, e contamina a politica de salários no setor privado, incentivando para que façam o mesmo, o que está a causar a fuga de quadros técnicos para o estrangeiro, que agrava o atraso do país

Um exemplo apenas – TÉCNICO SUPERIOR (licenciado) – níveis remuneratórios na Administração Pública :1122,84€; 1333,35€; 1543,88€; 1 754,41€; 1 964,94€; 2 175,48€; 2 385,99 € ; 2 596,53 €; 2 755,84€; 2 916,89€; 3 077,94€;

  • Para cerca de 75% os trabalhadores são necessários 10 anos para subir um nível remuneratório, devido a um sistema de avaliação injusto e anacrónico: avaliação por biénio. E é preciso somar 10 pontos para subir de nível remuneratório; apenas 25% dos trabalhadores podem ter avaliação relevante (4 pontos) e 5% do total dos trabalhadores pode ter avaliação excelente (6 pontos), os restantes 75% só podem ter, por imposição da lei, a avaliação de adequado (2 pontos) ou inadequado (-2 pontos), são necessários biénios para somar 10 pontos

A PARTE DOS ORDENADOS E SALÁRIOS NO PIB (riqueza criada no país): os anos em que a parcela da riqueza criada (PIB) que reverteu para os trabalhadores sob a forma de ordenados e salários foi maior foram 1974, 1975 e 1976 (52,5%; 59% e 57,2% do PIB). A partir do ano de entrada para a Zona Euro (2002) verificou-se uma tendência de descida da parcela da riqueza criada que reverte para os trabalhadores só invertida pela pandemia que causou um quebra significativa do PIB e “escassez“ de mão de obra barata (salários próximos do SMN) em parte atenuada pelo recurso a emigrantes

 

A QUEBRA ACENTUADA DAS POUPANÇAS DAS FAMILIAS QUE SÃO OBRIGADAS A RECORRER A ELAS FACE À QUEBRA SIGNIFICATIVA DO PODER DE COMPRA DOS RENDIMENTOS DO TRABALHO E DAS PENSÕES É UM INDICADOR DO AGRAVAMENTO DA CRISE POIS CAUSARÁ A REDUÇÃO DA PROCURA INTERNA ESSENCIAL PARA A  RECUPERAÇÃO

 

O FALSO DILEMA E OS DESAFIOS QUE SE COLOCAM AO PAÍS E AOS PORTUGUESES ENTRE AUMENTO DA PRODUTIVIDADE, CRESCIMENTO ECONÓMICO, DESENVOLVIMENTO E AUMENTO DE SALÁRIOS E MELHORIA DA QUALIDADE DE EMPREGO- contributos para reflexão

  • Para uns, para sair do ciclo vicioso em que se encontra o país, de atraso crescente em que Portugal está mergulhado há mais de um década quando se compara com a média da U.E. e da Zona Euro, e com os chamados “novos países, é preciso, em primeiro lugar, aumentar a produtividade, e só depois os salários e a qualidade do emprego. Para outros, a solução é inversa: deve-se já aumentar os salários e impor uma repartição mais justa da riqueza criada no país.
  • É evidente, a experiencia já o provou, que o país não se desenvolve com base numa politica de baixos salários que causa a fuga para o estrangeiro ou para empresas estrangeiras dos trabalhadores mais qualificados e com maior competências, com uma Administração Pública em crescente degradação, e com cortes dramáticos do investimento público, que depois arrasta o investimento privado, para conseguir uma redução do défice orçamental a um ritmo 8 a 9 vezes superior à média da U.E. Tudo isto promove e mantem um perfil produtivo de baixa produtividade e de baixíssima intensidade tecnológica como se verifica, o que contribui para acentuar o atraso do país.
  • Há que resolver o que parece ser insolúvel, que só o pode ser, a nosso ver, através de uma forte investimento público, que arraste no mesmo sentido o investimento privado, e simultaneamente com uma politica efetiva de melhoria da qualidade do emprego, de aumentos salariais que melhorem as condições de vida dos trabalhadores e com uma politica de remunerações que permita atrair e reter os trabalhadores mais qualificados e com maior competências na Administração Pública e nas empresas. Estas duas faces da mesma solução deviam ser iniciadas/implementadas pelo Estado que devia dar o exemplo. Com o baíssimo investimento que se tem verificado tudo isto é impossível

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