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Sábado, Dezembro 21, 2024

A promoção da cultura científica dos angolanos e o ensino superior

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

A “Promoção da Cultura Científica dos Angolanos” é o principal propósito do portal ciencia.ao, sob dependência do Ministério do Ensino Superior Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI) de Angola. Qual é o “estado da arte” do ensino superior?

Esta plataforma na Internet, segundo o MESCTI, tem como missão estratégica “a promoção da cultura científica e a sensibilização sobre questões de ciência, tecnologia e inovação”. O portal a que me refiro é uma excelente iniciativa porque permite a qualquer interessado aceder a informação de carácter científico, legislação actualizada, dados e informações sobre Instituições de Ensino Superior e de Investigação, artigos científicos e outros estudos, e tem a vantagem de aceitar sugestões de qualquer cidadão.

É notório que a ciência e tecnologia em Angola tem merecido atenção acrescida, visível através do surgimento de legislação mais adequada, nomeadamente em relação ao estatuto dos investigadores, realizam-se periodicamente conferências de âmbito nacional sobre ciência e tecnologia (desde 2009 houve cinco edições e haverá uma próxima em Novembro), são atribuídas mais bolsas de estudo para cursos de pós-graduação, entre outras iniciativas.

Contudo, o principal problema, para além do financiamento da investigação estar sempre muito aquém do desejado, continua a ser a ausência de cultura científica e de investigação no seio do corpo docente do ensino superior.

O “estado da arte” do ensino superior em Angola

Em Angola há oito regiões académicas, cada uma com a sua universidade pública a englobar unidades orgânicas diversas (escolas, institutos, etc.) e nasceram várias  instituições de ensino superior (IES) privadas. Até 2015 havia por todo o país 28 IES públicas e 45 IES privadas (MESCTI, 2015). Após esta expansão quantitativa procura-se agora a qualidade e há por parte do MESCTI uma grande preocupação com a formação dos docentes, e também com a harmonização e a inovação curricular.

No âmbito da qualificação docente há programas de formação a decorrer conducentes à melhoria da qualidade do ensino superior público e privado, onde se incluem os chamados cursos de agregação pedagógica para os professores do ensino superior que não possuem competências no domínio didáctico-pedagógico. Ao nível do ensino superior privado, quatro universidades (Universidade Católica de Angola, Universidade Independente de Angola, Universidade Gregório Semedo e Universidade Privada de Angola), numa perspectiva de aproveitamento de sinergias, uniram-se e iniciaram cursos de pós-graduação em agregação pedagógica destinados aos seus docentes, bem como o Instituto Superior Politécnico Metropolitano de Angola (IMETRO), e outras IES privadas seguiram o mesmo caminho.

Existem igualmente iniciativas idênticas nas IES públicas com cursos de pós-graduação destinados a docentes na Universidade Agostinho Neto e no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (ISCED de Luanda), IES pertencentes à Iª Região Académica, mas outros cursos ocorrem em mais regiões académicas do país.

É pacífico aceitarmos que o bom desempenho do professor nas IES depende desde logo das políticas de educação superior. Em 2012 integrei a equipa técnica que trabalhou o Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ), pelo que, neste aspecto, estou em crer, as políticas públicas estão a ser delineadas em consonância com o mundo do trabalho e os interesses da sociedade porque todos aceitamos que o avanço do conhecimento deve ter como fim último a melhoria da qualidade de vida da população.

Mas a qualidade da docência depende igualmente do processo de acreditação e avaliação externa, uma dimensão imprescindível para que as instituições, enquanto comunidades formadoras, responsáveis, apresentem programas com um nível de qualidade internacionalmente aceitável.

Neste sentido, para que se promova ainda mais a cultura científica dos docentes, no âmbito do processo de acreditação e avaliação das IES no domínio específico da inovação curricular seria útil haver recomendações precisas no sentido de realizarem-se programas de iniciação científica em todas as IES logo nos primeiros anos dos cursos, potenciando a inovação e cultura científica dos estudantes, “obrigando-se” as IES a  multiplicarem a contratação de docentes pesquisadores.

Recomendações igualmente importantes devem apontar no sentido das IES promoverem a auto-avaliação baseadas nos seus Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) para que no âmbito dos objectivos estratégicos traçados sejam estabelecidos indicadores e metas que integrem a pesquisa e programas de pós-graduação de forma prioritária para potenciar-se de forma efectiva a cultura científica dos angolanos.

Qualquer análise diacrónica, temos que reconhecer, permite constatar que há em Angola mais cursos de pós-graduação ao nível de mestrado e outros que não conferem grau académico. Contudo,  as ofertas ao nível de programas de doutoramento são quase inexistentes e podem crescer porque já existem IES com um número de edições de cursos de mestrado suficientes para justificar cursos que conferem o grau de doutor.

Efectivamente, veja-se o caso do ISCED de Luanda, em 2011, o Prof. Pedro Domingos Peterson e eu assumimos o compromisso de garantir o funcionamento da 1ª Edição do curso de mestrado em Ciências da Educação em parceria com o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. A 3ª edição está a terminar, portanto, como já é possível congregar docentes residentes com o grau de doutor, seria uma boa altura para iniciar-se um programa de doutoramento, à luz do que existe na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto e de outras faculdades, processo análogo ao que se passa em outras partes do mundo.

Situações similares podem ser identificadas em outras IES, pelo que, tendo-se presente que nenhum país pode ter pretensões de ser desenvolvido e  independente sem um forte sistema de ensino superior, salvo melhor opinião, o que tenho verificado é que muitas IES apresentam fragilidades por ausência de sentido estratégico e uma certa incapacidade em perspectivar o futuro.

Nesta linha de raciocínio, a existência de mais programas de doutoramento no país afigura-se uma prioridade estratégica e justifica-se para que Angola possa participar em pesquisas em rede de cooperação com o Brasil (uma exigência do CAPES é que as IES parceiras tenham em funcionamento cursos de doutoramento), com Portugal, com os restantes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e com Timor-Leste, e desta forma multiplicarem-se os percursos de promoção da cultura científica dos angolanos.


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