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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

A redução ridícula do ISP

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O aumento dos preços dos combustíveis faz subir a despesa para os consumidores em 3.253,2 milhões €/ano apesar da redução ridícula do ISP anunciada pelo governo, a insensibilidade dos líderes europeus que multiplicam sanções sem avaliar as consequências destruindo a economia e a vida dos europeus, e a hipocrisia americana que lucra com a guerra e se recusa a receber refugiados

Neste estudo analiso as consequências económicas e sociais para os europeus e, em particular, para os portugueses, da “bomba atómica económica” que são as sanções aprovadas pelos líderes ocidentais, da “bomba humana” que são os milhões de refugiados ucranianos que a Europa tem de apoiar, e é justo que o faça, da hipocrisia americana que quer lucrar com a guerra e aproveitar também a guerra para impor a total da dependência da Europa em relação aos E.U.A., e que se recusa a receber a receber refugiados ucranianos, e do pensamento único sobre a guerra que domina a comunicação social, e dos ataques e insultos a que enfrenta todos aqueles que têm uma opinião diferente sobre a guerra.

Antes de entrar no tema deste estudo permitam-me expressar o seguinte. No estudo anterior tinha escrito que “pensar diferente é perigoso neste momento mesmo em Portugal” tal como acontecia no fascismo. Um artigo de opinião do diretor do “Público”, que se diz jornalista, publicado em 11/3/2022, com título “A miséria moral da esquerda iliberal” (!?) veio confirmar isso. Nele faz um ataque ofensivo e vergonhoso a todos os que têm opiniões diferentes do pensamento único sobre a guerra que domina os media e ataca Boaventura Sousa Santos, um professor universitário e pensador prestigiado. Para o diretor do Público pensar diferente é um crime.

Até generais foram saneados da televisão por terem opiniões não totalmente coincidentes com o pensamento único. É vergonhosa a perseguição que se faz por toda a Europa aos artistas russos e, em Portugal, a agressividade que já se observa contra russos. Faz-me lembrar a forma como, muitos de nós portugueses, fomos tratados no estrangeiro durante o fascismo culpabilizando-nos das guerras coloniais. Assim vai o jornalismo em Portugal e a democracia na Europa. Não será isso que me amedrontará e me impedirá de pensar livremente e dizer o que penso sobre a guerra para que os leitores, confrontando a minha opinião com o pensamento único dominante, formarem a sua opinião.

Para aqueles que não leem os meus escritos até ao fim ou não tenham ainda compreendido a minha posição quero que fique claro que condeno a invasão da Ucrânia pela Rússia, a destruição deste país e o enorme sacrifício causado ao seu povo, mas isso não me impede de ser racional e objetivo na minha análise pois sempre lutei pela verdade e não mudo.

Estudo

O aumento dos preços dos combustíveis faz subir a despesa para os consumidores em 3.253,2 milhões €/ano apesar da redução ridícula do ISP anunciada pelo governo, a insensibilidade dos líderes europeus que multiplicam sanções sem avaliar as consequências destruindo a economia e a vida dos europeus, e a hipocrisia americana que lucra com a guerra e se recusa a receber refugiados

Neste estudo vou analisar as consequências económicas e sociais da guerra na Ucrânia principalmente para os portugueses. A “bomba atómica económica” (sanções) que muitos jornalistas diziam, com satisfação, que dizimaria a economia russa, está também a atingir, por efeito bumerangue, a Europa e, em particular, Portugal com efeitos cada vez mais dramáticos.  É a situação que já tínhamos alertado e que, neste estudo, desenvolveremos.

 

Os portugueses vão pagar mais 3.253,2 milhões €/ano devido à subida dos preços dos combustíveis desde jan. 2022 (1.627,6 milhões € vão para o Estado; 1.625,6 milhões € para as empresas)

O quadro 1 mostra o aumento da despesa anual dos consumidores, que resulta das sucessivas subidas dos preços dos combustíveis desde o fim de janeiro de 2022 deduzindo mesmo a redução ridícula do ISP de 0,017€/l na gasolina e 0,024€/l do gasóleo anunciado pelo governo em 11/3/2022.

Quadro 1 – Aumento dos custos anuais para os consumidores devido à subida dos preços dos combustíveis

Tomando como base de cálculo o consumo da gasolina e gasóleo em 2020, e pressupondo a subida de preços anunciada previamente pelo governo, que só serve para incentivar as “gasolineiras” a fazerem novo aumento de preços (eis já os malefícios de um governo de maioria absoluta que nem disfarça que defende os interesses das grandes empresas), e deduzindo a redução do ISP também anunciado pelo governo (0,017€ na gasolina e 0,024 no gasóleo), os consumidores irão pagar mais 3.253,2 milhões € pela gasolina e gasóleo (com os preços dos combustíveis de jan.2022 pagariam 12.130,9 milhões € e com os preços anunciados pelo governo terão de pagar 12.914,6 milhões €). Daquele aumento total, 1.625,6 milhões revertem para o Estado, e 1.625,6 milhões € vão aumentar a receitas e lucros das empresas.

 

Brevemente, segundo o governo, o preço do gasóleo aumentará 0,16€/l e o da gasolina 0,11€/l e o governo reduz o ISP sobre a gasolina em apenas 0,017€ e sobre o gasóleo em 0,024€, ou seja, 7 vezes menos que a subida de preços que anunciou

O quadro 1 mostra que mesmo após a redução ridícula do ISP pelo governo (0,017€ na gasolina e de 0,024€ no gasóleo) o valor anual pago pelos consumidores – 12.914,6 milhões € – ainda continua superior ao valor anterior ao aumento agora anunciado pelo governo -de 0,11€ no litro da gasolina e de 0,16€ no gasóleo – 12.130,9 milhões € – ou seja, em 783,6 milhões €. O Estado continua a ter um “lucro” (aumenta de receitas) com a subida dos preços dos combustíveis e mesmo com a “redução” do ISP. E não deixa de ser insólito que seja o governo a anunciar antecipadamente um novo aumento dos combustíveis. E isto quando as petrolíferas obtêm lucros enormes pois estão a utilizar petróleo comprado há 3 ou 6 meses no mercado de futuros, a preço baixo (dez.2021, a cerca de 70 USD), e estão a vender os combustíveis com base no preço atual do barril de petróleo (agora, a 120 USD). E o insólito seria que as petrolíferas fizessem um aumento inferior ao anunciado pelo governo. E talvez aconteça. Eis já os efeitos da maioria absoluta

 

A “bomba atómica económica” sobre a Europa e sobre Portugal, a insensibilidade e incapacidade dos líderes europeus que multiplicam sanções sem avaliar os custos e consequências para os europeus, fazendo disparar os preços e roturas nos abastecimentos que agravarão a vida dos europeus, nomeadamente dos mais vulneráveis

Na proposta de Orçamento do Estado para 2022, era considerado nas previsões macroeconómica o barril de petróleo a 67,8 dólares. Neste momento o seu preço já atingiu os 127 dólares, quase o dobro.  Um aumento tão elevado tem um impacto enorme nos custos dos transportes e nas empresas que utilizam esta fonte de energia, e naturalmente provoca uma forte retração no consumo e na produção, consequentemente, na economia, assim como uma subida vertiginosa dos preços. Se juntarmos as roturas na cadeia de transportes (em relação a quase tudo que Portugal importa) e nas fontes de abastecimentos de produtos essenciais que Portugal importa, é fácil de concluir que os preços da alimentação dispararão em breve. Uma quebra na atividade económica verificar-se-á nos países da U.E. que são os principais destinos das exportações portuguesas o que agravará a situação portuguesa, apesar dos comentadores oficiais e governo ignorarem ou procurarem esconder.  2022 será certamente um dos piores anos para os portugueses se a guerra não parar e se não se chegar a um acordo que dê segurança a todos países, incluindo à Rússia, pois a inflação vai disparar, a economia tender para a estagnação, a pobreza e as desigualdades vão aumentar ainda mais.

Os “especialistas” da guerra e da economia que pululam nos media, e o governo também procuraram iludir a opinião publica afirmando que os efeitos das sanções serão enormes para a Rússia (será uma “bomba atómica”) mas reduzidos para a economia europeia e para a portuguesa, pois a economia russa Rússia é débil e tem uma importância reduzida. Mas a realidade desmente-os todos os dias, pois ou por ignorância ou deliberadamente esqueceram-se de referir que em produtos estratégicos quer alimentares quer para a indústria, a economia russa tem atualmente uma importância enorme para os países europeus e a Europa levará anos a liberta-se da dependência apesar de grandes declarações.

Segunda a própria Lusa, a Rússia e a Ucrânia ocupam um papel fundamental no fornecimento global de matérias-primas estratégicas para a indústria e para alimentação humana. A Rússia é um dos principais produtores mundiais de gás (a U.E. importa cerca de 40%, mas há países da Europa em que o gás russo representa entre 80% e 100%). A Rússia é o 2º maior exportador de petróleo bruto do mundo. A Rússia é o maior exportador de trigo do mundo, e a Ucrânia é o 4º maior exportado de milho do mundo e o maior produtor de óleo de girassol. O grupo russo Rusal é o 2º maior produtor de alumínio do mundo, a Rússia é o 3º maior produtor de minério de níquel e o 2º de níquel refinado. O paládio, é controlado em 50% pela Rússia, assim como o titânio essencial para indústria aeronáutica; etc., etc.. A Rússia tem uma posição muito importante em produtos estratégicos para a indústria e consumo humano (o milho é essencial até para a produção de carne). E isto não pode ser ignorado.

O ministro Matos Fernandes, revelando ignorância ou procurando iludir a opinião pública afirmou que Portugal não seria afetado pela guerra porque a Rússia não é um fornecedor importante de gás e petróleo. Mas “esqueceu-se” de dizer que o boicote ao petróleo e ao gás russo, tendo em conta o peso da Rússia nestes mercados, determinaria um aumento brutal nos preços destes produtos essenciais à economia, como se verificou. O preço do barril de petróleo já aumentou para 140€, uma subida de mais de 100% em relação aos preços de 2021. Em relação ao gás natural, em dez.2021 o preço era inferior a 100€ por MWh, e atualmente já atingiu 320€ MWh, ou seja, mais do triplo. O mesmo sucede com os cereais. No último trimestre de 2021, o trigo custava 305€ a tonelada, em março de 2022 atingiu 426€/tonelada. Em 2021, o preço do milho ucraniano custou 278 $ USD/ton. e, este ano, já atingiu 389 $ USD/ton. um aumento de 40%. As exportações de trigo da Federação Russa e da Ucrânia representaram 30% das exportações do mercado global, e 55% das exportações de óleo de girassol. E os exs. podiam-se multiplicar. É uma autêntica “bomba atómica económica” não só sobre a Rússia, mas também sobre a Europa e, em particular, sobre Portugal, que tem uma economia frágil e totalmente dependente do exterior em bens essenciais, mesmo alimentares.

 

A hipocrisia americana que lucra com a guerra e que se recusa a receber refugiados da Ucrânia, que não procura a paz, mas fornece armas para que a guerra continue

Biden anunciou a proibição da importação de petróleo russo. Assim pressiona a Europa a fazer o mesmo. Mas por trás destas palavras solidariedade esconde-se a hipocrisia americana. Para perceber os objetivos de Biden é preciso conhecer o seguinte. Os E.U.A. são os maiores produtores de petróleo e gás de xisto. Mas a produção de petróleo de xisto só dá lucro quando o barril de petróleo se aproxima dos 80€. Poucas empresas americanas de petróleo de xisto sobreviveram, quando o preço do barril de petróleo baixou. O barril de petróleo está a 120€ e as empresas produtoras de petróleo de xisto florescem e terão enormes lucros. O que pretende Biden é que a Europa deixe de adquirir petróleo e gás russos, a preços baixos, e que passe a comprar o gás e o petróleo americano a preços altos, e que a dependência enérgica da Europa passe a ser em relação aos E.U.A. Mas esta política tem também o seu revés, pois está a causar o aumento dos preços da gasolina e gasóleo nos E.U.A. e a revolta dos eleitores americanos. A inflação disparou e é superior a 7%. E Biden é já muito criticado e as eleições estão próximas.

Mas a hipocrisia americana não se limita a querer lucrar com a guerra. Também se manifesta na recusa em receber os que fogem da Ucrânia para escapar aos horrores da guerra. A CMTV divulgou um exemplo da política atual americana em relação aos refugiados ucranianos. Uma ucraniana que fugiu para o E.U.A. com um filho para se reunir ao marido, foi presa por estar ilegal, e o marido ficou com o filho num hotel sem saber onde ela se encontrava. Os E.U.A. não estão interessados num acordo rápido que pare a guerra. A prová-lo está o facto de nunca se empenharam com a sua força para que o autocrata russo aceitasse negociar a sério, embora sejam eles que decidam as posições da U.E. Apenas fornecem armas para que a guerra continue. Assim tornam a Europa mais dependente dos E.U.A, eliminam os concorrentes (no gás, petróleo, cereis, etc.) e fortalecem a NATO com dinheiro dos contribuintes europeus, (mais impostos) onde os EUA mandam.

 

Os efeitos da guerra e das sanções serão dramáticos para os portugueses mais vulneráveis. A “bomba humana de refugiados” que se abateu sobre Europa, e que esta tem o dever de apoiar, os E.UA. descartam-se apesar da sua retórica “humanística”

Fala-se muito do apoio aos refugiados, que considero necessário e justo, mas não se fala dos milhões de portugueses de baixos rendimentos que são e serão cada vez mais atingidos pela escalada de preços, que começou já, e por uma eventual escassez de bens essenciais, incluindo os alimentares. E há ainda centenas de milhares de trabalhadores cujas remunerações aumentaram este ano menos de 1% (Função Pública, banca, etc.) e mais de dois milhões de pensionistas que tiveram, em 2022, um aumento nas suas pensões entre 0% e 1%. E isto quando a inflação em fev.2022, era já superior à de igual mês de 2021, em 4,2%. E os preços só agora é que começaram na verdade a subir. Era importante que os falcões que defendem a continuação da guerra, e que dominam a comunicação social em Portugal, se lembrassem destes milhões de portugueses, cujas condições de vida se irão agravar muito nos próximos tempos se a guerra não acabar, e se não se fizer um acordo de segurança na Europa que inclua todos os países, e a Rússia.

Defender a continuação do fornecimento de armas e da guerra como fazem, pensando que desta forma põem de joelhos o autocrata Putin (triste ilusão), só pode conduzir à destruição da Ucrânia e a um enorme sofrimento do seu povo. É urgente levar Putin a aceitar negociações sérias que tragam paz à Europa e não a guerra. E deixem de insultar e ofender quem tem a coragem de fazer uma análise objetiva das causas e da cegueira que conduziram a Europa à situação atual pois só assim será possível fazer um acordo equilibrado e justo, que seja aceite por todas as partes, que dê paz e segurança à Europa que tão necessária para poder resolver os enormes problemas que enfrenta e dar uma melhor vida aos europeus. É necessário que nestes momentos difíceis, a razão se sobreponha à emoção, e que não deixemos que a cegueira, os falcões e os arautos da guerra dominem a nossa vida e a da nossa família mesmo que no início não se seja compreendido.


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