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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

A rejeição da “minirreforma” trabalhista pelo Senado, em 2021, revela a ilegitimidade da “reforma” de 2017

(Degravação das falas na sessão: Claudia Urano Machado; Caio Silva Melo; Francine Rossi Nunes Fernandes de Oliveira – integrantes do GPTC-USP)

​Na sessão da quarta-feira passada, dia 01/09/21, o Senado Federal rejeitou, na íntegra, os termos da MP 1045 (PLV 197).

O fato foi comemorado por representantes das categorias dos trabalhadores e trabalhadoras e por movimentos sociais, coletivos, entidades e personalidades ligados à defesa dos direitos trabalhistas, sendo identificado como uma grande vitória, dada, inclusive, a enorme mobilização que se promoveu junto ao Senado Federal para a rejeição da MP.

Nesta linha de raciocínio, instaurou-se, inclusive, uma nova mobilização para formular um agradecimento público aos Senadores e Senadoras que votaram pela rejeição da MP (veja a lista dos que rejeitaram a MP aqui).Mas houve também quem, com pertinência, destacou que, de fato, a classe trabalhadora não havia obtido uma autêntica conquista, pois o que se evitou foi apenas a piora de uma situação que, como se sabe, afasta qualquer possibilidade de comemoração.

Além disso, para esta corrente, diante de tantas e gritantes inconstitucionalidades formais e de mérito do PLV 17, o Senado Federal não teria feito mais do que a sua obrigação institucional, não sendo cabível, por conseguinte, a formulação de um agradecimento explícito, até por conta da culpa que este mesmo Senado carrega com relação à aprovação da “reforma” trabalhista e de tantos outros institutos jurídicos precarizantes que conduziram à trágica situação hoje vivenciada pela classe trabalhadora.

Os representantes midiáticos do capital, por sua vez, tentaram, de todo modo, evitar que a votação no Senado tivesse qualquer tipo de efeito em direção da revitalização dos direitos sociais no Brasil e tratou, logo, de difundir a sua narrativa. Com este propósito, pouco depois do término da votação a Folha de S. Paulo se adiantou e soltou a manchete: “Senado impõe derrota ao governo e derruba MP com minirreforma trabalhista.” (Senado impõe derrota ao governo e derruba MP com minirreforma trabalhista). E, no dia seguinte, para completar, de modo a não perder o discurso em torno da defesa da ampliação da espoliação da classe trabalhadora como forma de alavancar a economia, o portal UOL trouxe em destaque uma tendenciosa e deturbada reportagem, com a qual, por meio da surrada tática de extrair uma falsa verdade perguntando a quem passa fome se aceitaria uma esmola, se procurou difundir a ideia de que os desempregados em situação de vulnerabilidade topariam trabalhar com menos direitos. E o título dissimulado da chamada para a reportagem foi: “O que trabalhadores acham da nova reforma trabalhista” (aquela mesma que já havia sido barrada no Senado Federal) – Vide in: Diante do desemprego sem fim, eles topariam trabalho com menos direitos.

Segundo o que se extrai do noticiário da grande imprensa, o resultado da votação no Senado teria sido, unicamente, um posicionamento político de contrariedade ao governo. Ou seja, os Senadores não teriam apreciado o mérito da questão e sim se posicionado contra a MP apenas para atacar o governo, nada mais.

Diante dessa diversidade de perspectivas, que transpareceu, inclusive, em muitos casos, a explicitação de um sentimento ambíguo, e visualizando a necessidade de firmar um posicionamento a respeito, nos dedicamos, como se costuma dizer, a fazer o “dever de casa”.

Paramos, então, para ouvir com todo o cuidado a respectiva sessão, tentando entender o que, afinal, moveu Senadores e Senadoras nesta deliberação, que, convenhamos todos e todas, foi bastante surpreendente.

Por este ângulo mais restrito, aliás, é necessário dizer que a deliberação, mesmo sem avaliar a motivação, já se apresenta como fato extremamente relevante para a sociedade brasileira como um todo, vez que a aprovação traria danos irreparáveis ao país. Aqueles e aquelas que – no Senado Federal e em todas as demais esferas sociais – se posicionaram contra a barbárie encampada pela MP 1045 prestaram um grande serviço à nação brasileira.

Essa deliberação do Senado, inclusive, deixou a marca de um enorme abalo na credibilidade da Câmara dos Deputados e, de forma reflexa, do STF, que até hoje não se pronunciou da forma devida nem mesmo com relação às inconstitucionalidades pontualmente discutidas por meio de ADIs; dos Tribunais e unidades judiciárias trabalhistas, que vêm aplicando os dispositivos de uma lei antidemocrática e formalmente inconstitucional, sem sequer fazer qualquer alusão ao fato; e de todos aqueles que se recusam a travar esse debate. Isto é inegável.

Além disso, depois de sucessivas derrotas no plano legislativo, estendidas para o campo judicial, é muito bom, até para a autoestima coletiva da classe trabalhadora, vivenciar esta situação de ver uma instituição pública não compactuando com mais uma iniciativa de aprofundamento do massacre aos direitos trabalhistas.

Claro que o otimismo com relação ao resultado, considerando a realidade da conjuntura política, social e econômica do país, deve ser extremamente contido e não pode, de jeito algum, se difundir sem a necessária contextualização e senso crítico.

Com otimismo, mesmo contido, ouvindo tudo o que foi dito na referida sessão, é possível considerar que o evento representou a abertura de uma porta com grande potencialidade de uma real mudança de rumos. Mas, vendo a situação em perspectiva histórica, fica muito difícil desvincular, completamente, as falas de seus personagens e, com isto, impõe-se desconfiar dos propósitos não revelados de muitos votantes

E há, ainda, uma questão muito fundamental em tudo isto que é a de colocar a decisão do Senado, contrária ao interesse político do governo, em paralelo com a inércia do Parlamento em geral (Câmara e Senado) com relação aos desmandos do chefe do Poder Executivo no enfrentamento à pandemia, sem falar de seus atos e palavras de escracho com relação às instituições e às vidas humanas. Teria sido uma oposição ou meramente uma forma de contensão de tensões populares e, com isto, possibilitar a continuidade do governo, mesmo com o legado da responsabilidade por centenas de milhares de mortes?

Por ora, não há como saber. Mas os próximos passos, certamente, dirão.

De todo modo, o resultado, considerando aquilo que restou expresso, está longe de ter sido apenas um descuido legislativo ou uma atuação político-partidária de oposição ao governo federal.

E, do ponto de vista da análise dos efeitos concretos, falando do objeto mais próximo de nossas investigações, os direitos trabalhistas, o que se viu na sessão do Senado Federal, no dia 01/09/21, acabou sendo a explicitação das irregularidades do processo legislativo da “reforma” trabalhista propriamente dita, a ditada pela Lei n. 13.467/17, na linha, inclusive, do que já se disse reiteradas vezes (Souto Maior: ‘reforma trabalhista não deve sequer ser considerada como lei’ – Desembargador faz balanço de 9 meses da “reforma” trabalhista: “Conduz ao caos social, para satisfação do capital estrangeiro”)

Este dado concreto rompe, definitivamente, o silêncio comprometedor de muitas pessoas e instituições jurídicas frente aos inúmeros atos de afronta à ordem democrática e a vários preceitos constitucionais.

Doravante, nenhum silenciamento a respeito terá mais o beneplácito do argumento da impertinência do questionamento, sob o fundamento formal e fugidio, de que “a lei foi votada e aprovada”.

O modo de elaboração, discussão e votação diz tudo sobre a legitimidade de uma lei. E, agora, foi o próprio Senado Federal quem disse isto.

Oportuno recordar que o PL 6787, que começou a tramitar na Câmara dos Deputados, em 09 de fevereiro de 2017, com meros 7 artigos, em pouco mais de dois meses, ou seja, em 24 de abril, já estava com seu relatório concluído, trazendo mais de 200 alterações na CLT (sobre todos os assuntos), sem qualquer participação efetiva das representações da classe trabalhadora. E foi votado, conclusivamente, no Senado Federal, em 11 de julho do mesmo ano, com a preservação de todos os vícios que a mesma Casa explicitamente reconheceu existir. Muitos, naquela época, a exemplo do que reconheceram, agora, com relação à MP 1045, não sabiam sequer em que estavam votando, o que fica claro em muitos dos discursos proferidos na sessão de votação respectiva.

​O fato insofismável é que naquela oportunidade o Senado Federal não cumpriu sua função constitucional de “Casa revisora”, aprovando um projeto de extrema complexidade a toque de caixa, ou seja, sem o devido aprofundamento e o debate com a sociedade, sendo conivente com explícitas inconstitucionalidades do projeto de lei vindo da Câmara.

Voltando a 01/09/21, de forma resumida, vendo o fato com otimismo contido, como sugerido mais acima, é possível vislumbrar a possibilidade de que o Senado Federal promova uma alteração profunda em seus posicionamentos diante de novas iniciativas de precarização das relações de trabalho e esta hipótese é tanto mais plausível quando se verifica, nas falas então explicitadas, advindas de Senadores e Senadoras dos mais variados partidos políticos, não só uma rejeição da ideia em si de que redução de direitos cria empregos, mas também a formulação de uma autocrítica com relação ao papel que o próprio Senado assumiu no episódio da “reforma” trabalhista.

Estas considerações, com outras palavras – e às vezes com estas mesmas palavras – pode ser extraído das falas pronunciadas na sessão, cujo mérito histórico, portanto, foi o de reconhecer a ilegitimidade da Lei n. 13.467/17, dado o vício de procedimento, que, como se verá, inclusive em decisão citada do STF, não traduz apenas uma irregularidade, mas uma ofensa direta e irremediável da ordem democrática.

Vejamos, pois, de forma sumarizada, os elementos reveladores trazidos no debate instaurado na sessão.

Inicialmente, o Senador Paulo Paim trouxe uma questão de ordem, chamando a atenção para o fato de que a fundamentação constante do relatório apresentado no voto do relator, Senador Confúcio Moura (MDB-RO), que propunha a aprovação com ressalvas do PLV17, tinha 134 páginas, o que já demonstrava a incompatibilidade com a celeridade demandada pelo procedimento acelerado de conversão em lei de uma Medida Provisória.

A Medida Provisória, ademais, prossegue ele, tinha originariamente “vinte e poucos” artigos e, no processo de votação na Câmara, por meio de Emendas, passou a ter 94 artigos. Todas essas inclusões, teriam, portanto, que ser tidas como não escritas, até porque a MP se justificava por necessidades urgentes, determinadas pela pandemia, e as matérias incluídas se destinavam a alcançar realidades até 5 anos posteriores a ela.

Propôs, concretamente, que fossem declarados não escritos os artigos 24 a 42 (PRIORE1); 43 a 76 (REQUIP2 etc); 77 a 83 (serviço voluntário aos entes públicos) e todos os demais artigos que propugnavam alterações na CLT e em outros diplomas jurídicos.

Paim justificou sua proposta com o argumento de que a mera supressão, gerando o retorno do projeto à Câmara, possibilitaria aos Deputados reintroduzirem os dispositivos afastados no Senado (uma certeza, na sua visão – e de praticamente todos os Senadores que mais adiante se pronunciaram).

Apresentou, ainda, importante fundamento jurídico, que denunciava a irregularidade do procedimento adotado na Câmara dos Deputados, de incluir, no projeto de conversão, matérias alheias à MP. A este respeito, trouxe à baila, o posicionamento adotado pelo STF na ADI 5127, segundo o qual não se admite em projeto de lei de conversão de MP a inclusão, por emenda parlamentar, de matéria sem pertinência temática com a MP e que não se revista de urgência e relevância ou promova aumento de despesa orçamentária.

E citou relevante passagem do voto da Ministra Rosa Weber, na ADI em questão, na qual o desrespeito aos limites do procedimento de conversão em lei da Medida Provisória foi denominado de “contrabando legislativo” destacando que tal conduta não representaria apenas uma irregularidade, mas um ato antidemocrático.

Segundo consta da fala de Paim, assim asseverou Rosa Weber: “o que tem sido chamado de contrabando legislativo, caracterizado pela introdução de matéria estranha à Medida Provisória submetida a conversão, não denota, a meu juízo, mera inobservância de formalidade e sim procedimento marcadamente antidemocrático, na medida em que, intencionalmente ou não, subtrai do debate público e do ambiente deliberativo, próprios ao rito ordinário dos trabalhos legislativos, a discussão sobre normas que irão regular a vida em sociedade”. E conclui, a ministra: “Em termos práticos, os prazos exíguos prejudicam o exame profundado e cuidadoso do direito novo proposto e tem como consequência a eventual aprovação de regras que não seriam jamais aprovadas pelo Parlamento em deliberação normal”.

O Senador Paulo Rocha (PT-PA) expressou sua indignação diante da proposta de se realizar mudanças tão intensas na legislação sem aprofundamento do debate. Segundo ele, isto “vai contra tudo o que se realizou em termos de regulação pelo capital e o trabalho no âmbito da Constituinte”.

E foi além, trazendo para a mesa de debates, o que se passou na “reforma” trabalhista: “Desde o governo Temer até agora foi se realizando precarização do trabalho e não se tem aumentado o emprego, como era a promessa”.

Carlos Portinho (PL-RJ) posicionou-se contra o REQUIP que, como atestou, “retira todos os direitos de jovens de 18 a 29 anos só pelo fato de estarem há dois anos sem emprego. Contratação válida por 2 anos, prorrogável por mais, 2, fazendo com que depois de 4 anos esse trabalhador fique sem qualquer anotação em sua Carteira de Trabalho, eliminando sua possibilidade de encontrar emprego no momento seguinte”.

E demonstrando a falácia do argumento favorável ao Programa, indaga: “o empresário, podendo contratar pelo REQUIP, sem necessidade de anotação da Carteira e sem pagar qualquer direito, faria a contratação do mesmo jovem pelo PRIORE?” E acrescenta: “O REQUIP vai matar o PRIORE. Isso é óbvio, gente!”

Tratando da relação entre o Senado e a Câmara – ponto bastante relevante na votação – Portinho lembrou que “Na MP1040 todas as correções que o Senado fez foram derrubadas pela Câmara dos Deputados”.

E concluiu trazendo elemento institucional de extrema relevância, o de que cabe ao Senado cumprir a sua função de “Casa revisora”.

Para o Senador Lasier Martins (Podemos-RS), “a MP 1045 apresenta vários problemas”. Com isso, estava encampando por inteiro o pronunciamento de seu conterrâneo Paulo Paim, sobretudo os aspectos que diziam respeito aos fundamentos trazidos na ADI 5127.

Destacou que o PLV posto em discussão era, na verdade, uma “minirreforma” trabalhista e, por isso, deveria ser extinto por caducidade.

O Senador Jean Paul Prates (PT-RN) também foi na linha de serem tidos por não escritos os artigos de 24 a 94, denominados de “jabutis”, acrescendo que o propósito desses dispositivos seria precarizar o trabalho. Nesta seara, aponta a falácia que os programas introduzidos à MP na Câmara dos Deputados – que seriam mais jacarés do que jabutis – criariam novos empregos. De fato, segundo apontou, os programas só substituem empregos velhos, mantendo as mesmas pessoas trabalhando, só que, desta feita, precarizadas.

O Senador Otto Alencar (PSD-BA) reafirmou que não confia na Câmara dos Deputados, aduzindo que, com a Câmara dos Deputados, é assim: “confiar, desconfiando”. Sobre o conteúdo da MP, destacou que o texto alterado trazia a “carteira verde e amarela disfarçada”, com o objetivo de “precarizar mais ainda”, sendo que isso equivale a “deixar o trabalhador a sua própria sorte, sobretudo, o que está começando a trabalhar, que vai começar recebendo metade do salário mínimo sem nenhuma garantia.”

E, de forma mais contundente, explicita que a apresentação da proposta de criação desses programas era uma “surpresa absolutamente desagradável para o momento que o Brasil vive, de 14 milhões de desempregados, de dificuldades sociais gravíssimas, com a fome, com as dificuldades todas que foram impostas pelo atual governo. E, agora, pegar o trabalhador, o que está começando a trabalhar, e pagar a ele o período normal de trabalho metade do salário mínimo, este Senado Federal não pode aprovar isso.”

Na sequência, se pronunciou o Senador Oriovisto Guimarães (Podemos/PR), que se manifestou no aspecto procedimental, renovando que, como outros, também não confia na Câmara dos Deputados, mas, acrescentando um elemento histórico de denúncia “à forma como está sendo feita a política desse país”, que considera “muito triste”. A respeito, destaca que o relatório da MP possui 135 páginas e ficou à disposição dos assessores só na tarde do mesmo dia da votação. Oriovisto, então, indaga: “que assessor nosso leu isso?”

E acrescenta:

“Por mais que eu confie no Senador Confúcio Moura, quais as emendas que ele aceitou, quais as que ele rejeitou, o que nós sabemos disso? Impossível de ler aí e nos gabinetes das assessorias porque não tivemos tempo, impossível de confiar na Câmara, infelizmente não existe mais o fio do bigode, a palavra.”

E, embora, inicialmente, tivesse dito que se manifestaria apenas sobre o aspecto formal, adentra o mérito da MP e decreta: “essa MP, primeiro, já cumpriu seu papel, está na hora de cair mesmo, não há mais necessidade dela; se vivíamos uma grave crise de desemprego por causa da COVID, daqui para frente a crise de desemprego vai ser por causa da incompetência desse governo em gerir a nossa economia. A pandemia vai passar, ela existiu nos outros países também. Há tabelas hoje demonstrando que o Brasil é o único que não se recupera, em outros países até da América do Sul e de outros lugares o PIB está crescendo, e o nosso é essa tristeza que estamos vendo. O problema é muito maior do que a pandemia, o problema é a economia, o presidente que cria crises todos os dias, as reformas de verdade que não acontecem, reforma tributária só vem em remendo, ficamos 3 anos o Senador Roberto Rocha trabalhando na 110 e o Paulo Guedes diz para nós numa reunião que ele é contra a 110, então estamos num caminho que decididamente não dá para compactuar mais. Eu me coloco radicalmente contra essa MP, temos que derrubar a MP. E não é só voltar para a Câmara, não; dar um recado não só ao Presidente, mas sobretudo à Câmara dos Deputados: pare de nos fazer de meninos, não somos mais meninos.”

O Senador Fernando Bezerra Coelho (MDN/PE), líder do governo, defende a aprovação da MP pelos mesmos argumentos que, em 2017, foram utilizados para aprovar a “reforma trabalhista”: “o nosso maior desafio é oferecer oportunidade de renda e emprego para milhões de brasileiros. (….) Como assistir a esses desalentados, que o IBGE nos informa que são 20 milhões de brasileiros? (….) Precisamos oferecer esperança, a possibilidade de um dia melhor para milhões de brasileiros que estão enfrentando a fome, a pressão inflacionária de alimentos, do gás.”

Mas mesmo ele admite que a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei fora dos parâmetros constitucionais e, para que o projeto seja aprovado também no Senado, é necessário um compromisso de que as correções sugeridas pelo Senado serão acatadas pela Câmara: “fizemos, sim, um acordo com a participação do Presidente Rodrigo Pacheco, com a anuência do Presidente Artur Lira, (SOM SOME RAPIDAMENTE) relatório do Senador Confúcio Moura, retirando todos os dispositivos que alteram a CLT, que eles serão tratados através de Projeto de Lei, dando o tempo necessário para que a matéria possa ser debatida, como pedido por diversos senadores, pelo Senador Paulo Paim, que respeito, Paulo Rocha, Portinho, Otto Alencar, esses senadores estarão atendidos nas suas preocupações de não utilizarmos a MP para tratar de dispositivos da CLT.”

E acrescenta:

“Quero dizer, em nome da liderança do Governo, que sou honrado com a atenção e respeito de todos os líderes e membros dessa Casa: se o relatório do Senador Confúcio, aprovado aqui nessa casa, não for respeitado pela Câmara dos Deputados, eu me retiro da liderança do governo. Não tenho condições de continuar, pois acordos estão sendo feitos para serem cumpridos e esta é uma matéria importantíssima. Os programas são valiosíssimos e são legítimos, esses programas oferecem uma esperança, uma oportunidade a milhões de brasileiros que estão hoje à mercê daqueles que contrabandeiam, que operam no mundo das drogas, tirando nossos jovens da oportunidade de irem à escola ou terem um trabalho digno.”

O Senador Weverton (PDT/MA) deixou claro o seu posicionamento crítico ao conteúdo da MP. Disse ele: “Sobre essa MP, sem comentários, Senador Paulo Rocha, Paulo Paim, todos aqui já fizeram de forma muito correta seus comentários, e eu acho que chega, acabou a paciência, temos que dar uma resposta concreta, vamos para o voto. Lembrem-se que, durante vários anos demos gestos aqui e nada até agora, geração de emprego não veio, a carne está um absurdo, o gás está um absurdo, e, infelizmente, meu caro amigo líder Fernando, a economia do governo falhou, a população lá embaixo está com fome e não adianta vir dizer que vai gerar emprego, que vai acontecer (…). Então, vamos votar e tenho certeza que hoje vamos dar, não duas derrotas para o governo, mas vamos defender os trabalhadores de verdade e defendê-los rejeitando essas matérias, rejeitando a MP e, claro, aprovando o DL.”

A Senadora Zenaide Maia (PROS-RN), apoiando a questão de ordem do Senador Paulo Paim, vai além e faz a devida ligação entre a pretendida “minirreforma trabalhista” e a “reforma” de 2017: “(…) o líder do governo, senador Fernando Bezerra, deveria ter convencido a Câmara dos Deputados a não acrescentar mais de 70 jabutis. E é uma reforma trabalhista, gente, de trabalhadores que, em 2017, quando desmontaram a CLT, já tiraram tudo, prometendo empregos e o que estamos vendo nesse país é muita fome e até agora, com todo o respeito ao líder do governo, não há um plano para alavancar a economia. Tudo o que vem para essa casa é para retirar direito de trabalhador, não há um plano pelo governo, é fome, aumento de combustível que pode, sim, ser mudada essa política de alinhamento dos preços dos combustíveis ao dólar. Como os trabalhadores ganham em real e pagam o combustível e o gás em dólar? E agora a luz e a água Não se iludam, a água só chega porque precisa da energia, se não vai ter energia, o povo vai estar com fome, no escuro e sem água também. Então não vamos aqui querer acreditar, como foi falado, que vai gerar emprego, não vai.”

Alessandro Vieira (Cidadania/SE) põe em destaque a importância de “resgatar no país o devido processo legislativo, o respeito institucional”. A ausência deste último, ao longo de tempo, vem gerando “grave prejuízo para o cidadão e para a democracia como um todo”.

Destacou, também, que “a tentativa reiterada de se fazer uma reforma trabalhista por meio de MP é juridicamente inadequada e moralmente inaceitável. Não é esse o caminho adequado.”

Relembra, ainda, que o devido processo legislativo, pressupõe que se proceda à oitiva da sociedade, para que se viabilize “a produção de norma que tenha impacto real na sociedade”.

Por fim, tratando do próprio mérito da MP, asseverou: “Se o governo quer mexer nas regras que protegem o trabalhador, ele apresenta projetos e os projetos são discutidos pela Casa. Mas não cabe ao governo, na linha daquilo que Paulo Guedes, naquela famosa reunião que acabou vazando o vídeo, por ordem do Supremo (….), colocar uma granada do bolso do trabalhador a cada oportunidade. Tentar aproveitar a pandemia para retirar direito do trabalhador, não é esse o caminho. Mas uma correção racional, técnica, de uma política econômica que não está funcionando, a compreensão de que é necessário desenvolver e implantar com urgência políticas de transferência de renda, na mesma linha do estímulo da economia e da proteção do emprego. Não dá mais para esperar, para seguir na mesma linha que Paulo Guedes defendia em 2019 e que foi atropelada pelos fatos; os fatos não sustentam mais isso.”

Retomando a palavra, o Senador Paulo Paim (PT/ RS) apresenta o conteúdo de um documento que lhe fora entregue pelo Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas da Juventude, no qual consta o histórico de que, já nas discussões em torno das reformas trabalhista e previdenciária, referida instituição sustentava posição no sentido de que tais reformas não iam gerar empregos. O que se deu – prossegue o documento – foi que o número de desempregados aumentou de 12 milhões para 14,5. A respeito, especificamente, do PRIORI e do REQUIP, o documento explicita: “não criam novas oportunidades, na verdade empurram os jovens trabalhadores para a precarização”.

Avaliando esses programas, o Senador Paim indaga: “será que eles vão continuar ganhando o que ganham ou será que, como está acostado lá, vão poder ganhar menos que um salário mínimo?” A resposta, destaca o Senador, está no próprio conteúdo da MP: “olha o que foi dito aqui na tribuna, ‘será respeitado o salário mínimo HORA’, ou seja, trabalhou 5 horas, vai ganhar o correspondente a 5 horas. É o trabalho intermitente, em outras palavras, que todos vocês conhecem.”

E continua: “O que os jovens pedem é que se respeitem a segurança, a Constituição, o Estatuto da Juventude, a CLT. Eles querem é ter direito a um trabalho decente. Isso vai fragilizar a nossa juventude, e eles dizem: ‘em nenhum lugar do mundo medida de flexibilizar, tirar direitos do povo melhorou o emprego’. E por que não melhora? Porque diminui o poder de compra da população e todo mundo sabe que emprego é demanda. Se o cara não tem para quem vender eu vou produzir? Claro que, consequentemente, não gera emprego.”

Termina, então, sua fala com a seguinte reflexão: “eu vejo alguns dizerem ‘o povo está com fome’. Sim, no tempo da escravidão também eles diziam isso. Então vamos revogar a lei áurea? No tempo da escravização eles estavam com fome. O que eles – classe dominante – fizeram? Como parte daqueles que foram libertos sem direito nenhum, Sr. Presidente, tiveram que se contentar a trabalhar por um prato de comida. Não é isso que nós queremos nesse país, nós acreditamos nesse país, e, por isso, Presidente, com a democracia e um Senado como esse, eu acredito que o
futuro do nosso povo há de ser bem melhor.”

O Senador Omar Aziz (PSD-AM) já inicia sua fala deixando claro que “é lógico que essa matéria precisa de um debate mais profundo.”

E, em tom sarcástico, afirma: “Se for tudo isso que a economia tem para oferecer para o Brasil, aí estamos numa situação muito difícil.”

Complementou com o seguinte argumento: “temos que levar a sério. Há mais de 14 milhões de desempregados no Brasil e não é com política paliativa que nós vamos resolver esse problema. O Brasil precisa de uma política econômica, coisa que o Paulo Guedes nunca entregou. (….) Isso é uma matéria que não leva o Brasil a lugar nenhum, muito pelo contrário, isso não resolve a geração de emprego, o que resolve a geração de empregos é logística, infraestrutura, coisa que nós não temos no Brasil há muito tempo e, nesse governo, muito menos”.

O Senador Cid Gomes (PDT/CE) foi enfático ao prenunciar: “Acho que nessa tarde vivemos um momento histórico em que está madura, creio eu, pelo sentimento que colhi dos diversos depoimentos apresentados nessa tarde, presidente Veneziano, uma posição de basta. O Senado Federal não permitirá mais que a Câmara dos Deputados, com todo respeito, com o desejo que temos de uma relação harmoniosa, se aproveite dos prazos estabelecidos em MP, para tentar fazer reformas profundas, sem discussão, a matéria que chega anteontem e que estamos agora com o prazo de uma semana para discutir.”

E conclui: “…é a hora de a gente definitivamente criar uma situação em que momentos como esse não se repetirão mais. MP tem que ter a urgência e relevância e não pode se aproveitar dela para se fazer reformas que estão muito longe de ser consensuais nesse país”.

A Senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA), por sua vez, enfrenta diretamente a inconsistência meritória da MP, explicitando que: “estamos vivendo um momento muito sério e grave, no Brasil, desemprego, inflação. As pessoas mais pobres no Brasil não conseguem mais cozinhar porque não conseguem comprar o gás de cozinha e nós temos em meio a tudo isso temos uma MP que seu objetivo original era, em tese, melhorar o emprego no Brasil e piora a situação do Brasil. Ela tira direitos, tirando, aliás, conquistas históricas do Brasil, porque o programa na verdade, que é a lei de aprendizagem, que faz o atendimento a jovens e adolescentes no Brasil, ela é uma conquista, aliás replicada em outro governos, inclusive em nível municipal, estadual. E hoje o que temos é a criação de um programa que vem eliminar esse programa anterior, piorando a situação dessa juventude, inclusive retirando direitos trabalhistas. Cai de um valor de 700 reais para uma ajuda de 440 mensais e que não respeita nenhum direito trabalhista, porque não considera, por exemplo, férias, 13º salário e, pior ainda, é um programa que tem um custo muito maior do que o programa que é hoje adotado no Brasil. Isso, Presidente, é inaceitável. É apontar a situação da nossa juventude a uma situação de maior precipício ainda.”

Por fim, faz um apelo ao Presidente da Casa: “Eu pediria que V.Exa. também somasse a essas vozes, que é a defesa da juventude, do adolescente, e do emprego e da renda dos nossos jovens do Brasil, sobretudo dos direitos trabalhistas”.

O Senador Eduardo Braga (líder do MDB – MDB/AM) expôs, nitidamente, o posicionamento de que “nenhum Senador da República quer tirar direitos do trabalhador. Nós queremos, sim, um amplo debate para modernizar as leis trabalhistas, mas não para tirar direitos do trabalhador. (….) Não queremos aqui ser conivente com nenhuma retirada de direitos dos trabalhadores.”

O Senador Fabiano Contarato (Rede/ES) foi ainda mais enfático ao dizer: “Fico me preguntando o que falar frente a um ataque aos direitos dos trabalhadores em plena pandemia global. Essa história já está se repetindo, sr. presidente. Nós viemos com a reforma trabalhista em 2017, que vilipendiou os direitos dos trabalhadores. Instituiu-se o trabalho intermitente, terceirizou atividade-fim, estabeleceu-se ali que a homologação do contrato de trabalho fosse feita pelo empregador, que mulheres grávidas e lactantes pudessem trabalhar em ambiente insalubre que, se não fosse o STF declarar a inconstitucionalidade, estaria valendo. Depois veio novo discurso, ‘vamos alavancar a economia e gerar renda’. Veio a reforma da Previdência. Mais uma vez quem pagou a conta foi o trabalhador. Essa MP está travestida com a carteira verde e amarela que, de verde e amarelo, não tem nada. Aliás, quero falar que, como professor de direito penal, essa MP é um tipo penal: redução à condição análoga à de escravo, está lá no artigo 149 com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, porque fazer o que essa MP está fazendo, Sr. Presidente… Nós temos que ter a sensibilidade. Eu queria ver, por que o governo e nós não lutamos para dar efetividade ao art.7º, IV da CF, que diz que o governo deve instituir um salário mínimo digno, capaz de suprir as suas necessidades e da família com saúde educação habitação, moradia, lazer, vestuário, higiene, e nós temos esse mísero salário? Por que não taxamos dividendos? Por que não fazemos uma reforma tributária justa, solidária, humana? Aí sim. Agora, mais uma vez, quem vai pagar a conta é o trabalhador, isso sem analisar o respeito dessa reforma às pessoas com deficiência, para os jovens. Por favor, tenhamos a hombridade. O mínimo de decência moral. E o que esse Senado Federal tem que fazer é deixar caducar essa MP e sepultar de uma vez por todas esse comportamento criminoso que o governo federal quer emplacar mais uma vez sob esse falso pretexto de que vai alavancar a economia, gerar emprego e renda e fazer com que os trabalhadores possam ter condições. Que empresa é essa que vai ter um trabalhador de 55 anos tendo um salário e outro, de 30, fazendo a mesma coisa, com outro, violando o art.7º, XXX, da CF, que diz que não pode haver diferença de salário? Isso é totalmente inconstitucional, é ilegal, imoral. Não estou falando apenas no aspecto legal, porque todo o ordenamento jurídico tem que ser sedimentado em cima de um comportamento ético e moral e isso vilipendia qualquer comportamento ético e moral. Por isso faço um apelo aos colegas: vamos dizer não a essa MP, porque mais uma vez quem está pagando a conta é o trabalhador brasileiro.”

A Senadora Nilda Gondim (MDB/PB) reiterou os argumentos contrários à inserção de “jabutis” no processo de conversão em lei da MP.

José Aníbal (PSDB/SP) tratou como “escárnio legislativo” o fato de a Câmara dos Deputados, ao discutir conversão em lei da MP, ter acrescentado 69 artigos, entre eles um que acrescenta/modifica 70 dispositivos da CLT.

Destaca, ainda, que: “o que aqui se chama de uma MP para geração de emprego, na realidade, é a tentativa de criar uma nova legislação trabalhista sem passar por um intenso debate dentro do Parlamento e com a sociedade”.

Na sua visão, a rejeição da MP se imporia também porque um projeto que implica em renúncia fiscal elevada, em renúncias em geral no sistema S, no FGTS, na Previdência tem custos para o Estado e merecia ser objeto de uma discussão.

A Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) reforçou os fundamentos pelos quais se deveria deixar caducar a MP, dando destaque ao aspecto da “retirada de direitos dos trabalhadores brasileiros, levando à precarização do trabalho”.

Com relação específica ao REQUIP, argumentou: “O emprego para os jovens não será mais vinculado à manutenção dos estudos e a gente já tem uma evasão escolar do Ensino Médio e vamos ajudar a aumentar isso? Ademais, o REQUIP, além de retirar direitos e precarizar o trabalho, tem um efeito colateral ruim demais com relação à lei de cotas para as pessoas com deficiência: a base de cálculo poderá ser reduzida de forma drástica e o que vai acontecer? A consequência disso vai ser menos vagas, menos oportunidades para essas pessoas e até mesmo uma demissão em massa daquelas pessoas com deficiência que já estão contratadas.”

Do ponto de vista geral, reafirmou: “Todos nós queremos mais oportunidades de trabalho, mas não às custas de oferecer contratos sem carteira assinada, sem 13º, sem férias, sem direito a um salário mínimo, sem previdência, sem nada.”

O Senador Esperidião Amin, tratando da reiterada atitude da Câmara de inserir “jabutis”, mesmo sabendo da inconstitucionalidade do procedimento, conforme já declarado pelo STF, deixando para o Senado a tarefa de excluí-los, dá destaque a um artigo da MP que, alterando a CLT, teria o propósito de “forçar um mineiro de subsolo, que eu e os catarinenses sabemos o que passam, a trabalhar até 12 horas numa mina de carvão, por exemplo. É absolutamente desumano e fora do contexto da própria evolução do capitalismo. Nem vou falar de políticas sociais.”

O Senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou crítica contundente ao projeto, nos seguintes termos: “Nós estamos nesse momento com a economia crescendo 0,1% negativo, no trimestre. Nós temos 14 milhões de desempregados, nós estamos diante de um momento de inflação, desemprego, baixo crescimento da economia e o governo apresenta mais uma política pró-cíclica. O que é uma política pró-cíclica? Aquela que aprofunda a crise, que aumenta a retirada de recursos que circulam na economia. Quanto maior a massa salarial, maior a demanda, quanto maior a demanda, maior o crescimento econômico e a sustentabilidade desse crescimento econômico. O que o governo faz é aumentar, apostar no ciclo recessivo que o país vive. Portanto, essa Medida Provisória da forma como ela foi construída, com todas essas inserções fora de contexto, fazendo reformas permanentes, é inadequado. E mais, se não tem economia crescendo, se não tem investimento público, se não tem uma política anti-cíclica, obviamente que o que vai acontecer é a substituição de um empregado, de um tipo de empregado, por outro empregado. Portanto, não há outro caminho para defendermos o interesse maior desse país, o interesse público, o interesse do povo brasileiro, dos trabalhadores brasileiros, se não rejeitarmos integralmente essa Medida Provisória e abrirmos um debate sério sobre economia, sobre política de emprego de renda nesse país”.

O Senador Dario Berguer reitera que a MP, alterada pela Câmara, “implanta uma ampla reforma trabalhista, completamente dessintonizada da realidade da Medida Provisória. Ela significa o fim da carteira assinada. Transforma a vida dos trabalhadores e de seus direitos de forma ampla e significativa. Permite a contratação, por incrível que possa parecer, através do pagamento de bônus, ou seja, metade de um salário-mínimo de bônus para alguns trabalhadores, e também representa o fim do 13º salário para alguns trabalhadores. Representa, também, o fim do Fundo de Garantia com a redução dos depósitos. O fim das aposentadorias e o auxílios-doença, a redução das horas extras, a redução dos direitos às férias, a redução das multas pagas aos trabalhadores quando de sua demissão, restringe também a fiscalização das empresas e restringe (….) o acesso à Justiça do trabalhador. E poderia ocasionar a substituição de trabalhadores, os empresários podem demitir aqueles que ganham mais e possam contratar ou recontratar aqueles que ganham menos. Isso, na minha opinião, é inaceitável porque prejudica o trabalhador, prejudica a saúde do trabalhador. Enfim, institui a carteira verde e amarela já rejeitada pelo Senado Federal. Com isso eu não posso concordar”.

O Senador Humberto Costa (PT-PE) prestou um depoimento que vale reproduzir na íntegra: “Agora, no período da pandemia, eu tive a oportunidade de reler alguns livros que marcaram minha vida. E o que marcou foi um livro de Voltaire, chamado Cândido ou O Otimismo. E eu estou fazendo essa citação para fazer referência, para meu amigo Fernando Bezerra, porque o tutor de Cândido, o Doutor Panglois, era tão otimista que gerou, na língua portuguesa, o adjetivo panglossiano, e V. Excelência é de um otimismo panglossiano e nós aqui já nos acostumamos quando votamos o teto de gastos seriam gerados milhares e milhões de empregos no Brasil. Quando votamos a Reforma da Previdência seriam gerados milhares de empregos no Brasil. Quando votaram a Reforma Trabalhista, milhares de empregos seriam gerados. Quando votaram a autonomia do Banco Central mais milhares de empregos seriam gerados. Quando a privatização de vários órgãos importante foi implementada o discurso é que novos e milhões de empregos seriam gerados. Hoje, esse governo conseguiu desempregar os desempregados, com 7 reais o preço de um litro de gasolina, 25% dos motoristas do uber estão deixando de trabalhar. As pessoas não têm alternativa. São 35 milhões de brasileiros que estão na informalidade. Não vai ser, meu caro Fernando Bezerra, com a retirada de direitos, que são tão poucos, com a adoção de programas que são, na verdade, regimes disfarçados de escravidão, que nós vamos conseguir fazer o Brasil gerar empregos”.

O Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) faz uma avaliação de conjuntura, para demonstrar a impertinência da proposta, nos seguintes termos: “O preço do gás de cozinha está em 120 reais. O preço da gasolina vai a 7 reais, podendo passar disso. Estamos diante de uma grave crise hídrica que ameaça inclusive a interrupção do fornecimento de energia. Em consequência disso, ontem teve mais um reajuste de, pelo menos, mais 15% na tarifa da energia elétrica. Como se já não bastasse tudo isso, nós temos mais de 14 milhões de desempregados, 19 milhões na fome.”

E conclui:

“Aí o governo de Jair Bolsonaro (….) acha que tem que também retirar o direito de férias dos trabalhadores, tem que reduzir o FGTS, tem que tolher o registro na carteira de trabalho e tem que reduzir a indenização em caso de demissão. Como se não achasse pouco tantas desgraças que os brasileiros estão sofrendo, aí o complemente da política econômica agora é retirar os poucos direitos que restam dos trabalhadores brasileiros, porque na ótica do ministro Paulo Guedes, o mesmo ministro que disse que quando ia no supermercado todo mundo o cumprimentava ou abraçava, na ótica dele para gerar emprego, tem que retirar o direito de férias, para gerar emprego, tem que reduzir o FGTS do trabalhador. É esse o remédio para gerar emprego, na lógica do ministro Paulo Guedes. Na ótica do governo não é suficiente a desgraça feita. Gasolina a 7 está pouco, feijão a 14 está pouco, preço da carne a mais de 30-35 está pouco, tem que retirar ainda direitos mínimos dos trabalhadores. É assim que eles acham que vão gerar emprego. É essa lógica, que chega a ser de uma perversidade, chega a ser em um nível de crueldade.”

O Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também pediu a rejeição dos objetos que transbordaram a MP original.

Na sequência, deu-se início às votações, merecendo destaque mais algumas curtas manifestações, como a da Senadora Zenaide Maia (líder do PROS – PROS-RN): “O PROS libera a bancada, mas eu voto ‘NÃO’. Isso é uma reforma trabalhista e isso não é hora de perseguir trabalhador.”

Do mesmo modo se posicionou o Senador Fabiano Contarato (líder do Rede): “Sr. presidente, a Rede orienta o voto ‘NÃO’ por entender que isso é uma reforma trabalhista. Mais uma vez está violando o devido processo legislativo como muito bem disse nosso colega, está violando os direitos dos trabalhadores. A Rede orienta o voto ‘NÃO’.”

Senadora Simone Tebet (líder da Bancada Feminista – MDB-MS): “Sr. presidente, não há consenso dentro da bancada feminina, portanto, estamos liberando. Mas vou votar contrário. Entendo que há vício material, a infringência ao artigo da Constituição Federal. E mais do que isso, estamos perdendo a grande oportunidade de trazermos, através de um projeto de lei desta Casa, um trabalho, um projeto responsável, Senador Paulo, conversando depois de audiência pública na Comissão, abrindo a oportunidade para os nossos jovens, nesse momento de crise, vir ao mercado de trabalho. Mas não assim, Sr. Presidente. Não de açodamento. Não à custa do registro de carteira. Três anos. Os nossos jovens tendo que trabalhar de forma precária. Porque nós não temos condições, não temos coragem de dividir a responsabilidade social do país com os grandes. Sempre queremos imputar a responsabilidade fiscal, sempre à custa da população mais carente.”

Registrados os votos, o Presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) proclamou o seguinte resultado: “Está encerrada a votação em turno único. Determino à secretaria geral da mesa que mostre no painel o resultado. Votaram ‘SIM’ 27 senadores, ‘NÃO’ 47 senadores, 1 abstenção. Rejeitados os pressupostos constitucionais de relevância e urgência, de adequação financeira e orçamentária da MP 1045 de 2021. Ficam prejudicados o Projeto de Lei de Conversão n. 17 de 2021 e as emendas apresentadas. A matéria vai ao arquivo.”

Por fim, merece menção a fala do relator do PLV 17, Senador Confúcio Moura (MDB-RO), cuja proposta foi rejeitada pela maioria dos Senadores: “Sr. Presidente, eu primeiro quero agradecer Vossa Excelência, o líder Fernando Bezerra, pela indicação do meu nome para relatar essa importante MP. Agradecer a consultoria da Casa, que fez um trabalho fantástico, grandioso, a assessoria do gabinete, o Flávio e a Vivian, que fez um trabalho primoroso para mim. Agradecer as manifestações de todos os parlamentares. E eu não discuto o voto vencido. O relatório foi derrotado. Eu aceito. E não discuto. Parabéns a todos. Muito obrigado.”

Como se vê, o Senado Federal brasileiro se situou historicamente com relação ao tema da precarização do trabalho no Brasil, admitindo, expressamente, o quanto tal política é contrária aos interesses da nação, favorecendo, unicamente, a grandes empresas e o capital internacional, além de promover e potencializar o sofrimento do povo brasileiro.

Do ponto de vista da “reforma” trabalhista de 2017, Senadores e Senadoras deixaram evidenciado o quanto a pressa para votação à toque de caixa e sem um amplo debate com a sociedade de temas profundos e de grande alcance social, econômico e humano vicia, de forma incorrigível, o processo legislativo, denunciando, ainda, como o Senado Federal não cumpriu a sua função revisora com regularidade na votação do projeto de lei da “reforma”.

Neste aspecto, é relevante pôr em destaque as seguintes manifestações:

– “O Temer arrebentou com o MDB nacionalmente quando votou a reforma trabalhista, e aqueles que quiserem se arrebentar nas eleições que vêm, façam a brincadeira de votar a favor dessa matéria. É lógico que essa matéria precisa de um debate mais profundo.” – OMAR AZIS (PSD-AM);

– “É importante compreender que nós precisamos resgatar no país o devido processo legislativo, o respeito institucional, isso vem se fragilizando ao longo do tempo com grave prejuízo para o cidadão e para a democracia como um todo. Nesse caso, a tentativa reiterada de se fazer uma reforma trabalhista por meio de MP é juridicamente inadequada e moralmente inaceitável, não é esse o caminho adequado. Então, eu reconheço e valorizo o grande esforço do relator senador Confúcio Moura e, se é fato o compromisso apresentado pelo senhor líder do governo, que se faça a rejeição dessa MP e que se apresente os projetos relativos aos programas de relação de emprego, pelo devido processo legislativo, ouvindo a sociedade e viabilizando a produção de norma que tenha impacto real na sociedade” – ALESSANDRO VIEIRA (CIDADANIA/ SE);

– “MP tem que ter a urgência e relevância e não pode se aproveitar dela para se fazer reformas que estão muito longe de ser consensuais nesse país.” – CID GOMES (PDT/CE):

– “Não queremos aqui ser conivente com nenhuma retirada de direitos dos trabalhadores, portanto, ainda há pouco o senador Omar se manifestou, assim como o Otto, e falo de ambos por serem do segundo maior partido no Senado Federal, o MDB é o maior partido com 16 senadores. V.Exa. se manifestou há pouco aqui, todos no sentido contrário do conteúdo de reforma trabalhista. (…) portanto, não há como de deixar de me manifestar em defesa do trabalhador e contra a MP, não pelo texto original, mas pelo que se construiu com o ingresso de 73 novos artigos e que visam mudar a CLT por um atalho, sem que haja um grande debate nacional. “ – EDUARDO BRAGA (LIDER DO MDB – MDB/AM);

– “Fico me preguntando o que falar frente a um ataque aos direitos dos trabalhadores em plena pandemia global. Essa história já está se repetindo, Sr. presidente. Nós viemos com a reforma trabalhistas em 2017, que vilipendiou os direitos dos trabalhadores.” – FABIANO CONTARATO (REDE/ ES);

– “É um escárnio ao processo legislativo. Não se debate mais, se usa MP a esse limite de acrescentar sobre um projeto de 25 artigos, 69 novos artigos e 70 dispositivos sobre a CLT. É o que eu estava chamando, aí sim, de uma reforma trabalhista” – JOSÉ ANIBAL (PSDB/SP);

– “A forma como está sendo feita a política desse país é muito triste, Sr. Presidente. Esse relatório de 135 páginas ficou à disposição dos nossos assessores só na tarde de hoje, que assessor nosso leu isso? Por mais que eu confie no Sen. Confúcio Moura, quais as emendas que ele aceitou, quais as que que ele rejeitou, o que nós sabemos disso? Impossível de ler aí e nos gabinetes das assessorias porque não tivemos tempo, impossível de confiar na Câmara, infelizmente não existe mais o fio do bigode, a palavra.” – ORIOVISTO GUIMARÃES (PODEMOS/PR);

– “Fizemos, sim, um acordo com a participação do Pres. Rodrigo Pacheco, com a anuência do Pres. Artur Lira, (SOM SOME RAPIDAMENTE) relatório do Senador Confúcio Moura, retirando todos os dispositivos que alteram a CLT, que eles serão tratados através de PL, dando o tempo necessário para que a matéria possa ser debatida, como pedido por diversos senadores, pelo Sen. Paulo Paim, que respeito, Paulo Rocha, Portinho, Otto Alencar, esses senadores estarão atendidos nas suas preocupações de não utilizarmos a MP para tratar de dispositivos da CLT.” – FERNANDO BEZERRA COELHO (MDB/PE);

– “Lembrem-se que, durante vários anos, demos gestos aqui e nada até agora, geração de emprego não veio, a carne está um absurdo, o gás está um absurdo, e, infelizmente, meu caro amigo líder Fernando, a economia do governo falhou, a população lá embaixo está com fome e não adianta vir dizer que vai gerar emprego, que vai acontecer (…). Então vamos votar e tenho certeza que hoje vamos dar, não duas derrotas para o governo, mas vamos defender os trabalhadores de verdade e defende-los rejeitando essas matérias, rejeitando a MP e, claro, aprovando o DL.” WEVERTON (PDT/ MA);

– “É uma reforma trabalhista, gente, de trabalhadores que, em 2017, quando desmontaram a CLT, já tiraram tudo, prometendo empregos e o que estamos vendo nesse país é muita fome e até agora, com todo o respeito ao líder do governo, não há um plano para alavancar a economia; tudo o que vem para essa casa é para retirar direito de trabalhador.” – ZENAIDE MAIA (PROS-RN).

​Por fim, retomando a abordagem inicialmente formulada, com relação ao Senado Federal especificamente parece importante, mesmo com todas estas manifestações, conter o otimismo, ainda que todas essas falas expressas possam ter o efeito de comprometer o comportamento futuro de seus prolatores. O que virá pela frente nas questões cruciais para o país, a democracia e os direitos sociais, será determinante até para melhor compreender o que, de fato, moveu Senadores e Senadoras nesta votação.

Além disso, os efeitos concretos deste importante fato dependem de diversos outros atores sociais, políticos e jurídicos, com relação aos quais as falas acima precisam ainda ecoar.

O que precisa ser assumido como uma percepção geral, sobretudo neste momento histórico em que a sociedade brasileira ronda o caos, é que uma real reviravolta em direção do efetivo respeito aos direitos sociais constitucionalmente garantidos assume papel essencial no necessário processo – que precisamos urgentemente implementar – de construção da ordem democrática, pois, como dito por Wladmir Saflate (In: O golpe começou), na mesma linha do que sustentei em texto anterior (In:  Votação da MP 1045 (PLC 17) no Senado Federal: o “Dia D” da democracia do país), o presente governo só se sustenta pela aliança que mantém com a classe econômica dominante quanto à institucionalização de mecanismos que permitem uma maior espoliação da classe trabalhadora, sendo que isto se faz, sobretudo, por meio do desmantelamento da ordem democrática, do abalo da credibilidade das instituições e do desprezo às garantias constitucionais.

De todo modo, parece ser mais importante do que nunca manter a desconfiança, pois, concretamente, já teria que estar muito evidenciado para as alianças exploratórias da classe dominante que conferir poder absoluto a alguém pela contrapartida do atendimento de seus interesses imediatos é algo que pode fugir de qualquer controle. A grande questão, para o grosso da população brasileira, é que não se pode deixar de considerar, primeiro, que uma real democracia popular nunca existiu no Brasil e, segundo, que, para o capital, desde que atendidos os seus interesses, qualquer sistema político serve. Neste contexto, cabe até mesmo indagar: a democracia é compatível com o capitalismo, ainda mais em países de capitalismo dependente?

Seria, por certo, relevante aprender, de uma vez por todas, que não há democracia quando se intenciona a plenitude da condição humana apenas para alguns e, também, que não há ordem constitucional quando os direitos fundamentais não atingem, de forma concreta e igualitária, a integralidade da população. Mas em algum período houve no Brasil a implementação de um projeto social, político e econômico voltado à efetivação plena desses direitos?

Independente de tudo isso, é inegável que uma janela histórica se abriu, inclusive para que a classe trabalhadora se perceba no processo histórico, assim como para que se consiga ir além da lógica formal e entender o quanto é urgente a concretude de uma sociedade verdadeiramente igualitária notadamente nos aspectos essenciais da partilha dos meios de produção e da riqueza coletivamente produzida.

Do ponto de vista mais restrito das relações de trabalho, a rejeição do Senado à “minirreforma” trabalhista é historicamente relevante porque representa a explicitação da ilegitimidade da “reforma” de 2017 e da inconstitucionalidade dos dispositivos que incentivaram o aumento da precarização no trabalho durante a pandemia, com enorme potencial de refletir no modo como a comunidade jurídica tem se posicionado a respeito das normas que precarizam o trabalho e a condição humana.

Mas seria precipitado demais afirmar que tenha sido um marco para a atuação legislativa na questão pertinente ao trabalho no país, representando um abandono da racionalidade neoliberal que a impulsionou até aqui.

Para que uma mudança concreta neste sentido pudesse ser vislumbrada muito ainda precisaria ocorrer. Primeiramente, seria essencial que o próprio Senado Federal se mantivesse firme com este posicionamento também com relação às demais questões sociais em tramitação, notadamente naquelas que dizem respeito ao desmonte do Estado e da Seguridade Social.

E para que se tivesse algum otimismo menos contido seria essencial que vários outros sujeitos políticos tivessem a capacidade de formular sua autocrítica e assumir a necessidade de romper os laços que até mantiveram com os interesses que corrompem a condição humana.

A deliberação do Senado Federal bem que poderia representar a tomada de posição na direção da construção de uma nação no Brasil. No entanto, vendo o contexto político presente muitos questionamentos ficam no ar, sobretudo, quando se verifica que, mesmo depois de tantas falas explicitamente golpistas do Presidente da República no “7 de setembro” nenhuma reação institucional à altura dos ataques desferidos se verificou, notadamente depois que o Presidente fez um aceno de reconciliação.

As alianças dominantes, depois do choque de forças, teriam se renovado para garantir a estabilidade do Presidente e assim levar adiante a pauta econômica ultra-neoliberal de seu governo? Neste contexto, terá sido a decisão do Senado Federal meramente um recado para expressar que os arroubos autoritários do Presidente constituiriam fator impeditivo da aprovação da pauta econômica, sendo certo que, sem ela, ou seja, sem a contrapartida ao poder econômico, seu governo (aí sim – e não por causa da incúria frente às mais de 585 mil vidas perdidas) estaria efetivamente em risco? A carta do Presidente, acusando o recebimento do recado, seria a reafirmação de seu compromisso com referida pauta – mesmo sem representar, efetivamente, qualquer garantia de preservação das regras do jogo democrático?

Dito de forma mais nítida: o que pode resultar para a classe trabalhadora dessa história até aqui mal contada?

As respostas a estas perguntas são essenciais para se compreender, inclusive, o momento que estamos vivenciando.

Os próximos fatos dirão!

1 Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego.
2 Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva.


por Jorge Luiz Souto Maior, Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (desde 2002); coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC; membro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e da Seguridade Social – RENAPEDTS; e Juiz do Trabalho (desde 1993), titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP (desde 1998)

Fonte: CTB

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