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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

A religião e eu

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

(Uma visão pessoal)

Vós, os incrédulos!
Não adoro o que adorais;
Não adorais o que eu adoro.
Eu não adoro o que adorais;
Vós não adorais o que eu adoro.
A vós a vossa religião.
A mim , a minha religião.”

É reconhecido que, quando determinou aos pregadores a tarefa de pregar a fé, a verdade mesma, que não pode enganar-se nem enganar, disse: Ide e ensinai todas as nações. Disse todas sem nenhuma distinção, pois todas estão aptas a receber o ensinamento da fé.”

Mas aquele que abandonou completamente o judaísmo e se tornou adepto de outra religião, é considerado por nós como um adepto dessa religião, a respeito de tudo, excepto no que concerne às leis do casamento.”

De resto, ninguém pode reivindicar, em nome da religião, o privilégio da tolerância de eliminar completamente a religião, professando o ateísmo.”

A ânfora só o é porque somos pó.”

A religião definida conceptualmente como uma crença ou um conjunto de crenças  de que existe um Ser superior do qual o homem  irremediável e imprescindivelmente depende,  ou ainda o culto prestado a uma divindade omnipresente. Já o religioso, é definido como uma pessoa ou conjunto de pessoas  que seguem uma determinada religião; bem como tudo o que é relativo à religião ou ainda uma cerimónia religiosa.

Logicamente, a religião deveria ser algo em que a teoria e a prática ou acção, o real e o imaginário deixariam de ser percebidos contraditoriamente. Pode separar-se a poesia do poeta? Jamais. O poeta deve praticar o poema, de contrário não é poeta. Nela não deveria haver nunca lugar para o meio termo, não deveria existir lugar ao relativismo desenfreado ou ao juízo humano absolutamente subjectivo, mas também não deveria haver jamais lugar à intolerância. Qualquer tipo de intolerância.

Não nos esqueçamos do livre arbítrio.

Mas será isso que acontece?

Será que as antigas e as actuais religiões respondem da melhor forma aos desafios da modernidade, em que se fundem e confundem valores e contravalores ditos “profanos ou mundanos” com exigências simultâneas de mudança nas sociedades modernas e dentro das instituições religiosas?

E serão os dogmatismos religiosos a melhor forma de resposta aos novos desafios que se colocam nessas mesmas sociedades? Dizia-nos Paul Pellisson: Um homem não converte outro homem: é Deus que nos converte a todos.”

Mas será que nas sociedades actuais será viável que se aguarde pelo milagre da conversão, ainda que as instituições religiosas estejam cada vez mais descredibilizadas?

E será que ao acontecer a conversão, esta é à religião ou à instituição religiosa com as suas hierarquias rigidamente definidas e doutrinas dogmáticas a quem deve obedecer o crente?

A humildade do ser humano é a condição Sine qua non para que sejamos verdadeiramente livres das emoções negativas, prejudiciais e da condição de crentes alienados, intolerantes das religiões e seus dogmas. Para tal, teremos de nos manter vigilantes dos nossos comportamentos e para que o nosso autoconhecimento aconteça, identificando claramente nossas virtudes e defeitos, e, objectivamente, nossos  limites.

Nada será mais perfeito do que o reflexo simultâneo do nosso interior no exterior e do nosso exterior no interior.

A tolerância deverá ser a grande obra “religiosa” humana, permitindo uma emulação honesta entre quem mais se faz assinalar pela piedade, pelas boas obras, e pela ciência. E todas as religiões esforçar-se-iam por provar quem é mais amiga de Deus, testemunhando um maior e mais honesto apego à prática das boas obras.

Por tudo isto, ignoro se esse ser justo omnipresente e omnipotente, não punirá um dia toda a tirania que se exerceu e se exerce em seu nome. Sendo certo que não recusará a felicidade e a graça eternos a nenhum Incrédulo virtuoso e de boa fé.

Como dizia, o Guru Nanak: Os que são respeitosos da verdade, estão satisfeitos e são bons para com os outros. Não se comprazem do mal, mas fazem o bem. É assim que vivem a lei moral de Deus.”

A paz entre as religiões não é nem deve ser uma quimera, pois subsiste em todas as pessoas honestas. Só precisamos restabelecê-la através da verdade que nos une e reune na diversidade religiosa.

É por isso indiscutível afirmar com convicção que onde há homens há necessariamente religiosidade e espiritualidade, e onde há religiosidade e espiritualidade há homens! Enquanto o ser humano existir necessitará vitalmente de respirar espiritualidade como de pão para a boca, apesar da existência ainda hoje de gente urgentemente ausente.

Isto apesar do comodismo, do cepticismo, do fatalismo e do relativismo terem tomado conta de uma grande franja das sociedades actuais.

 

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