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Sábado, Novembro 2, 2024

A segunda crise da UE

Jorge Bateira
Jorge Bateira
PhD em Economia, Professor Universitário

De todos os quadrantes políticos, incluindo alguns defensores da austeridade da troika, surgem vozes a defender a solidariedade europeia na emissão de dívida pública (eurobonds/coronabonds), e até o financiamento directo do BCE (há gente com muita lata).

A verdade é que a ideia das euro-obrigações (eurobonds) tem sido sistematicamente rejeitada desde a anterior crise financeira porque nunca esteve na cabeça dos alemães transferir recursos para a periferia, muito menos sob a forma de um potencial risco de incumprimento (na dívida pública ou nos depósitos bancários).

Por outro lado, os países que já estiveram sujeitos à tortura da ‘austeridade selvagem’ imposta pelos países ricos, sob o falso argumento de uma “crise da dívida soberana” – se o BCE tivesse intervindo em 2010 para acudir à Grécia, como o fez com a declaração de 2012 para salvar a Espanha e a Itália, não teria sido necessária a troika na periferia da ZE – não estão dispostos a cair novamente na armadilha de um empréstimo do Mecanismo Europeu de Estabilidade que exige isso mesmo nos seus estatutos. No fim de contas, toda a periferia sabe que a sua dívida pública vai disparar, e sabe que a ‘austeridade fofinha’ imposta pelo Tratado Orçamental, austeridade que reduziu dramaticamente o investimento público no SNS e no resto do país, vai dar lugar a uma austeridade insuportável porque vamos ter um nível de dívida superior ao do pico da crise financeira, mas agora com o esvaziamento das bolhas do turismo e do imobiliário.

Uma vez que a entidade que pode criar dinheiro (sem limite), o BCE, está proibido pelos Tratados de financiar os Estados-membros, só nos resta a situação actual: emissão de dívida pública nos mercados financeiros e esperar que o BCE continue eternamente a comprar dívida nesses mercados para que a taxa de juro seja próxima de zero, partindo do princípio de que os especuladores mantêm a confiança na subsistência da ZE e, portanto, na continuidade de um banco central sem Estado, uma anomalia histórica que tem os dias contados.

Os meus amigos que sempre sonharam com um “euro bom” (com uma arquitectura para a ZE bem longe do que foi negociado por Mitterrand e Kohl) começam agora a cair na realidade. Ainda suspiram por uma solução pós-pandemia que seja politicamente sustentável, mesmo que não estejam a ver qual possa ser. Ainda lhes repugna (sobretudo emocionalmente) admitir que a ZE não vai resistir à sua segunda crise. O luto vai ser duro para muita gente e, como é típico destas conjunturas, também veremos muitos vira-casacas.

O importante é começarmos a preparar-nos politicamente para o que aí vem. A direita já tem planos: um governo de bloco central (de “salvação nacional” !!), para aplicar as regras do Tratado Orçamental no tempo pós-pandemia. E que planos tem a esquerda que sonhou com um “euro bom” e um perdão da dívida?


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