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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

A sobrevivência do ensino artístico num contexto difícil

consevatorio1Outubro de 2015 terminou com um apelo invulgar: Ana Mafalda Pernão, directora do Conservatório Nacional, publicava no site da instituição um pedido de donativos, dirigido aos pais e encarregados de educação dos mais de 800 alunos da escola de música estatal, mas também aos amigos. Pedia a cada pessoa “a entrega do donativo que considerarem possível e justo” para o NIB 078101120112001264926. Em breve, a repercussão deste apelo chegou aos órgãos de comunicação social, que retomaram o tema da complexa vivência da instituição, fundada em 1835, com o objectivo inicial de formar os músicos da Corte. O Tornado falou com Ana Mafalda Pernão, directora há sete anos, que assume que a luta pelo Conservatório é longa mas é para continuar.

“Em Maio, ficámos a conhecer o orçamento que o Estado nos atribuía para as nossas despesas correntes e, relativamente ao ano anterior, tivemos um corte de 43%”. Nesse mês, prossegue, ficou praticamente sem dinheiro para o resto do ano. “Foi uma ginástica muito grande”. O que sustenta o Conservatório, acrescenta, é o orçamento de compensação – receitas próprias – como taxas ou valores de inscrição. Ana Malfada Pernão admite que essas verbas, os concertos internos e externos ao Conservatório, e o aluguer de instrumentos musicais, têm ajudado esta escola de música a lidar com as despesas de manutenção existentes. Dia 16 de Novembro, a habitual apresentação dos alunos da classe de Orquestra será também uma ocasião para apelar aos donativos do público presente.

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Como chegaram a esta situação as contas da Escola de Música? “Não houve nenhuma coisa extraordinária que nos viesse prejudicar as contas. Estou em direcções há vinte anos, e nunca tive problemas com contas nesta casa. Este corte impede-nos de funcionar porque, de repente, ficamos com metade , e é óbvio que não podemos cumprir os compromissos que assumimos”, esclarece Ana Mafalda Pernão. “E o que conseguimos com receitas próprias, também o investimos neste trabalho. Também pagamos o conserto de uma parede ou do bocado de um telhado, que nos últimos anos tem sido sistemático”, refere a directora, lembrando que só as reparações ao edifício já custaram ao Conservatório 25 mil euros.

Qualquer escola, sublinha a directora, tem as suas despesas mínimas a enfrentar, mas o caso do Conservatório (mesmo sendo pública) é distinto por várias circunstâncias: o dia-a-dia é “pesado”, dando o exemplo dos 67 pianos existentes no Conservatório, que precisam de afinação e reparação consoante as suas características e antiguidade, ou os instrumentos de cordas e de sopro, que exigem manutenção ou substituição permanentes. E no que toca a despesas correntes, dá alguns exemplos: 800 euros em água e saneamento básico, 3 mil euros de taxa de esgotos, 6 mil euros de electricidade – por mês.

Existem ainda outros constrangimentos, relacionados com a antiguidade do edifício, como não possuírem uma sala para receber encarregados de educação, professores de ensino especial, ou psicólogos que atendam os alunos e, tão pouco, um espaço alargado à educação física. As salas começam a ser pequenas para as carteiras e a procura cada vez maior de alunos. O total do custo das obras de adaptação do edifício, assume a directora, seria da ordem dos milhões de euros.

Desde 2001 que o Conservatório luta pela reabilitação do edifício

conservatorio4A 26 de Outubro, o programa fechado com a Parque Escolar (ou seja, o que o Conservatório precisa) foi entregue ao Ministério da Educação. Ana Mafalda Pernão desconhece se Nuno Crato, ainda como ministro, deixou cativa a verba necessária para avançar com a obra. A responsável recorda que desde 2001 que o Conservatório luta pela reabilitação do edifício. Falta então abrir o concurso público para o projecto e, posteriormente, a obra em si.

Ao falar sobre os 35 mil euros entretanto desbloqueados pelo Ministério, Ana Mafalda Pernão sublinha que desde Maio estavam a insistir junto do Ministério para ser atribuído novo reforço, o qual era adiado. Assim nasceu o pedido de donativos dirigidos a um público específico mas que obteve reacções de pessoas de fora “a mostrar interesse”, bem como de outras que disseram que “isto é o ensino público e nós já pagamos os nossos impostos, portanto não temos nada que estar a contribuir’”.

A directora do Conservatório mostra compreender esta recusa. “Não acho que tenham de ser as pessoas com direito a este ensino público, é evidente que ele tem de existir. Tem é de haver da parte do Estado um compromisso com este ensino”. Sobre o facto de, depois de seis meses de pedidos insistentes, o reforço de 35 mil euros ter surgido de forma repentina, afirma: “ tenho de achar que há alguma relação pelo facto disto ter ido para a imprensa”.

conservatorio5A responsável está disponível para o mecenato a favor do Conservatório, embora o considere difícil. “E acreditem que tentamos de todas as maneiras”, acrescenta, dando o exemplo de apelar para encarregados de educação que trabalhem em grandes empresas ou de protocolos. “Porém, no que é mecenato puro, não tem sido fácil. Por um lado, as pessoas dizem que isto é do Estado e que não têm de apoiar, e depois porque há muitos apoios que não passam de ajudas pontuais e são sobretudo ofertas de serviços.” A directora agradece este tipo de iniciativas mas assume que não são suficientes.

“Para já, o pedido de donativos continua aberto para quem queira ajudar. Por outro lado, vamos tendo uns concertos no Salão, vamos apresentando trabalho dos nossos alunos e de músicos que querem vir fazer aqui alguma apresentação (às vezes como ensaio futuro para concertos) e normalmente, nessa altura, são sempre feitos pedidos de donativos. Depois temos sempre aquelas pequenas coisas que vamos produzindo e colocamos à disposição dos encarregados de educação: gravações de CD, de audições ou de espectáculos que fazemos, em que os pais querem ficar com essa recordação”, conclui.

O Tornado entrou em contacto com o gabinete de imprensa do Ministério da Educação e Ciência, no âmbito desta reportagem, mas não obtivemos resposta em tempo útil.

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