Noção de infraestrutura
“Alguns ativos são geralmente descritos como infraestruturas. Embora não exista definição universalmente aceite de infraestruturas, estes ativos apresentam usualmente algumas ou todas as seguintes características:
- Fazem parte de um sistema ou rede;
- São de natureza especializada e não têm usos alternativos;
- São inamovíveis; e
- Podem estar sujeitas a restrições na alienação.
As infraestruturas satisfazem a definição de ativos fixos tangíveis e devem ser contabilizados de acordo com esta Norma. Incluem-se entre os exemplos de infraestruturas as redes de estradas, os sistemas de esgotos, os sistemas de abastecimento de água e energia e as redes de telecomunicações.” (i)
Bens de domínio público
Pode ser útil relacionar o elenco das infraestuturas com o dos bens de domínio público considerado na Constituição de 1933: “Pertencem ao domínio público do Estado(ii): 1º Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais e outras riquezas naturais territoriais existentes no subsolo(iii); 2º As águas marítimas com os seus leitos; 3º Os lagos, lagoas e curos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos rios ou álveos, e bem assim os que por decreto especial , forem reconhecidos de interesse e utilidade pública como aproveitáveis para produção de energia eléctrica, nacional ou regional ou para irrigação; 4º As valas abertas pelo Estado; 5º As camadas aéreas superiores ao território, para além dos limites que a lei fixar em benefício do proprietário do solo; 6ª As linhas férreas de interesse público de qualquer natureza, as estradas e caminhos públicos; 7º As zonas territoriais reservadas para a defesa militar; 7º Quaisquer outros bens sujeitos por lei ao regime do domínio público.”
A Constituição publicada em 1976 não estatuiu sobre a matéria, no entanto o Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro que “criou” o Inventário Geral do Património do Estado ou melhor mandou realizar estudos sobre uma matéria que Salazar, enquanto Ministro das Finanças mandara regular, para depois dela se desinteressar, veio a estatuir que para efeitos daquele diploma, integravam o domínio público do Estado um conjunto de situações que iam de uma alínea a) a uma alínea p) correspondendo esta última a “Quaisquer outros bens do Estado sujeitos por lei ao regime do domínio público”. O “para efeitos do diploma” tinha como consequência que poderiam ser inventariados como domínio público bens que não estavam ou viriam a deixar de estar abrangidos por lei que os sujeitasse a tal regime e de facto o âmbito do domínio público viria a sofrer em alguns sectores, modificações.
Em 1989 as referências ao domínio público viriam a ser reconstitucionalizadas: “1. Pertencem ao domínio público: a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos; b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário; c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção; d) as estradas e) as linhas férreas nacionais; Outros bens como tal classificados por lei. 2. A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites”.
É de ter em conta que:
- fazem parte do domínio público tanto bens do domínio público natural como bens do domínio público artificial, isto é, resultantes da acção humana, designadamente resultantes de investimentos;
- os bens do domínio público caracterizam-se por em geral estarem associados à produção de uma utilidade que é usufruída pela generalidade da população, sem prejuízo da possibilidade de atribuição de licenças de uso privativo;
- de modo geral é um conjunto de bens que como uma universalidade está apta a produzir essa utilidade, sem prejuízo da substituição dos bens integrados no conjunto ou da desafectação de parte deles do domínio público quando deixem de ser necessários;
- os bens do domínio público estão legalmente protegidos contra uma apropriação privada estando por lei subtraídos ao comércio jurídico e sendo inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis(iv)(v)
Repare-se que os bens de domínio público podem ser objecto de concessão de exploração e que a realização de investimentos que possam dar lugar a bens classificáveis como de domínio público pode incluir cláusulas que determinem que o Estado é desde o início o titular da infraestrutura criada ou que esta reverte para o Estado ou entidade pública concedente, a título gratuito, no fim da concessão
O Estado é também titular de bens que integram o seu domínio privado sobre os quais tem direitos semelhantes aos de qualquer proprietário, enquanto que sobre os bens de domínio público, segundo o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado em 2007 tem meramente poderes de “uso, administração, tutela, defesa e disposição”(vi). Note-se que o diploma apenas regula o património imobiliário.
Valor
O problema da atribuição de valor a bens do domínio público sempre se revelou controverso no plano teórico porque, subtraídos ao comércio jurídico e inalienáveis, não têm um valor de venda no mercado.
No entanto o Sistema de Normalização Contabilística das Administrações Públicas optou po incluir bens de domínio público e atribuir-lhes valor através de outros critérios.
Registo
Os bens do domínio privado do Estado estão obrigados a registo e devem constar das Conservatórias de Registo Predial e das matrizes prediais organizadas pelos serviços de Finanças.
Os bens do domínio público não estão sujeitos a semelhante obrigação. Em todo o caso note-se que a Constituição de 1933 incluiu no artigo onde definiu os bens pertencentes ao domínio público do Estado(vii) um parágrafo do seguinte teor
“O Estado procederá à delimitação dos terrenos que, constituindo propriedade particular, confinem com bens de domínio público”
desta forma se protegendo contra tentativas de usurpação de bens do domínio público.
Aplicação do IMI
A incidência do IMI está hoje regulada em termos algo diferentes do que sucedia inicialmente no diploma de 2003 que criou o Imposto Municipal sobre Imóveis (Decreto-Lei nº 287/2003 de 12-11(viii)) e que isentava o Estado. Na realidade o Artigo 11º (Entidades públicas isentas) dispõe actualmente: “1 – Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis o Estado, as Regiões Autónomas e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendendo os institutos públicos, bem como as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público. 2 – Não estão isentos a) os serviços, estabelecimentos e organismos do Estado que tenham caráter empresarial, exceto os hospitais e unidades de saúde constituídos em entidades públicas empresariais em relação aos imóveis nos quais sejam prestados cuidados de saúde. b) O património imobiliário público sem utilização, nos termos definidos em diploma próprio. 3 – Considera-se património imobiliário público sem utilização, nos termos definidos em diploma próprio, o conjunto de bens imóveis do domínio privado do Estado ou dos institutos públicos que se encontrem em inatividade, devolutos ou abandonados e não tenham sido objeto de qualquer uma das formas de administração previstas no artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, ou se encontrem integrados em procedimento tendente a esse efeito, por um período não inferior a 3 anos consecutivos.”
É conhecida a pendência de conflitos, dos quais se tem falado muito ultimamente.
Num caso o Município de Santa Cruz regido pelo JPP – Juntos Pelo Povo, requereu em 2014 à Administração Tributária e Aduaneira a inscrição na matriz do Aeroporto Internacional da Madeira, recorreu no mesmo ano ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e obteve recentemente vencimento (processo 297/14.9BEFUN). Sustenta o juiz, na sentença que amavelmente me foi facultada pelo deputado regional do JPP, Élvio de Sousa, que a lei não exclui a inscrição matricial de bens do domínio público regional, que os terrenos integrados no aeroporto tinham já tal inscrição e que, ainda que o Aeroporto fosse do Estado ou da Região Autónoma o ter carácter empresarial o impedia de ter isenção de IMI. Não me admiraria que venha a haver recurso, agora ou quando se for proceder à avaliação do Aeroporto.
Estão também sobre a mesa possíveis processos contra a EDP e a Engie por parte das Câmaras Municipais de Mogadouro e Miranda do Douro a propósito do IMI alegadamente devido em função das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta. Já li entretanto o parecer da Procuradoria Geral da República redigido em 2006 e publicado em 2007 cujas referências são fornecidas pelo advogado António Preto que assina o artigo inserido no Público de 14 de Fevereiro, O IMI das barragens.
Terei de o voltar a ler porque me chamou sobretudo a atenção a alteração de que o Parecer dá nota – entre a data de construção das barragens e a actualidade – do poder atribuído ao Estado para regular os novos empreendimentos e do sentido dessa regulação. Entretanto o senhor advogado fala de EDP e de IMI como se as barragens não tivessem sido construídas para a Hidroeléctrica do Douro muito antes de haver EDP e o IMI não fosse um imposto de criação recente. Apesar da aparente viragem da Administração Tributária e Aduaneira, anunciada no artigo julgo que a avaliação das barragens também não virá a ser fácil.
Creio que estamos neste momento a sofrer as consequências da publicação de sucessivos diplomas sobre património público, mal concatenados entre si. Não me admiraria que a solução das situações que se têm ultimamente suscitado acabe por vir a ser legislativa.
Notas
(i) A partir de Ana Maria Rodrigues (coord.). Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas, 2017, Almedina, Coimbra.
(ii) O Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais, ou seja as pessoas colectivas territoriais, são titulares de domínio público.
(iii) Com um parágrafo que ressalva que destas riquezas “são expressamente exceptuadas as rochas e terras comuns e os materiais indicados na construção”, texto integrado em formulações posteriores.
(iv) Por exemplo é impossível adquirir um bem imóvel por usucapião.
(v) Ver o muito antigo estudo “A Direcção-Geral da Fazenda Pública – seu papel na Administração Pública, II- Serviços do Património”, de António Cândido Mouteira Guerreiro, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 89, de 1969, e o mais moderno Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado pelo DL nº 280/2007, de 7-8.
(vi) Como se referiu na nota anterior, aprovado pelo DL 280/2007, que creio dever-se à iniciativa do então Secretário de Estado do Tesouro e Finanças Carlos Costa Pina.
(vii) Artigo 49º, já transcrito.
(viii) A reforma da tributação do património, embora publicada por Manuela Ferreira Leite, deve-se, creio, ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do anterior Governo, Rogério Fernandes Ferreira.