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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

A Trussonomics e os mercados

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Ainda a propósito da trussonomics e da reacção adversa dos mercados financeiros que levou à demissão do governo de Liz Truss, já surgiu quem viesse tecer loas e panegíricos sobre as virtualidades dos mercados e dos seus inequívocos contributos para a manutenção da democracia e a promoção da prosperidade.

Fosse tal verdade e não teríamos a própria Directora-Geral do FMI, Kristalina Georgieva, a dizer que a desigualdade transformou-se, nos últimos dez anos, num dos desafios mais complexos e desconcertantes da economia mundial e está a aumentar em muitos países.

É que apresentar os mercados, essa entidade de contornos e conteúdo fluidos, como parte do sistema de contrapesos, essencial aos regimes democráticos e, no limite, à protecção dos próprios cidadãos é quase tão chocante e ofensivo como sugerir um assaltante de bancos para a protecção dos mesmos ou confiar a defesa do galinheiro às raposas.

Só quem tem a mais absoluta limitação de vistas ou já esqueceu completamente as ocorrências e os contornos da crise financeira global de 2008 e a verdadeira aleivosia que foi a defesa intransigente dos interesses financeiros durante a crise das dívidas de 2012, poderá sugerir agora que a city agiu no sentido da defesa dos interesses dos cidadãos britânicos quando despoletou a recente desvalorização da libra ou lançou ataque atrás de ataque sobre os títulos da dívida pública britânica.

Contrariamente ao que se sugere, nem os mercados eficientes e livres contribuem de forma inequívoca para a manutenção da democracia (veja-se o que sucedeu na Grécia e em Portugal durante a intervenção do FMI e da troika, ou até que ponto o primado dos mercados financeiros tem condicionado as políticas do BCE que a Zona Euro é forçada a seguir), nem são promotores de prosperidade, ou não viveríamos, em geral, um dos períodos de maior desigualdade económica e social, nem teríamos a população portuguesa cada vez mais pobre e a ficar para trás em termos relativos e absolutos, com o risco de pobreza ou exclusão social a agravar-se 12,5%, em 2020; o que eles fizeram foi apenas reagir na defesa dos seus interesses e para protecção dos activos que poderiam ficar seriamente ameaçados pelo aumento do endividamento público que fatalmente resultaria da proposta de redução dos impostos preconizada pela trussonomics.

Mais, se os mercados representassem realmente os referidos mecanismos de contrapeso, não teriam os ingleses voltado a assistir à repetição da farsa que levou Liz Truss à chefia do governo, antes estariam a preparar-se para aquela que é, na realidade, a única forma de expressão da vontade popular. Em vez de mais um conclave conservador, do qual dificilmente poderá resultar algo substancialmente diferente do que temos assistido nos últimos tempos, haveria lugar a uma consulta eleitoral e à formação de um governo potencialmente melhor preparado para enfrentar uma conjuntura económica mergulhada num Brexit anacrónico e agora fortemente prejudicada pela conjuntura de guerra que apenas serve interesses cada vez mais difíceis de explicar ao britânico comum.

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