1. Wokismo ou plutocracia?
O Professor Alan M. Dershowitz no início da sua coluna regular no boletim do Gatestone Institute relativa a um abaixo-assinado que circula na sua universidade (Harvard) em defesa da liberdade de opinião, lembra que:
‘Quando as pessoas acreditam que elas, e apenas elas, têm acesso à VERDADE, elas menorizam a necessidade de debate, diálogo, dissidência e discordância. Na verdade, elas consideram visões contrárias como heréticas. Esse tem sido o caminho de muitas religiões ao longo dos anos, bem como de inúmeras ideologias, como o comunismo e o fascismo.’
O artigo, como a generalidade das opiniões contemporâneas em favor da ‘liberdade de expressão’, acusa a ‘extrema-esquerda’ ou a ‘esquerda dura’ – a expressão ‘wokismo’ é mais corrente e mais apropriada – do mal que alastra, e é talvez esse o ponto principal em que esta crítica – de resto pertinente e magistralmente exposta – me parece desajustada e contraproducente.
A natureza de qualquer opinião sectária está na crença do exclusivo da verdade, e desse ponto de vista, poderemos dizer que o qualificativo de ‘extremo’ aplicado em política (à esquerda ou à direita), em religião ou mesmo no futebol, significa isso mesmo: a crença no monopólio da verdade.
No mapa político americano, é verdade que o wokismo se situa à ‘esquerda’, e ele nasceu e cresceu entre a juventude dos centros urbanos da Califórnia, e daí seja compreensível a utilização desta forma de o catalogar.
Posto isto, é necessário ter em conta que o ‘wokismo’ representa uma ruptura profunda com o que foi a esquerda desde o século XIX no ponto crucial que é o do ‘anti-capitalismo’. O wokismo substituiu a retórica anticapitalista pela da ‘interseccionalidade’, ou seja, pouco interessa saber se se é proletário ou capitalista, o fundamental é saber o lugar no LGTB+++; a cor, a religião, etc.
Mais ainda, como se pode observar com os novos ícones wokistas como George Soros, pouco interessa que ele tenha sido dos maiores especuladores contra a construção europeia, investidor nas tecnologias mais poluidoras para a exploração do gás e petróleo, ou parceiros de autocratas islamistas, porque os seus pecados são desculpados pelas largas somas gastas com organizações que dizem defender o contrário de tudo isso, acompanhadas das suas piedosas declarações.
O wokismo fez aqui renascer a prática católica das indulgências na Idade Média, ou se quisermos do contemporâneo Zakat islâmico, da mesma forma que a censura que defende pouco inova à que se praticava antigamente. Agatha Christie é censurada hoje da mesma forma e pelos mesmos motivos que Aristóteles o foi no passado, o que há aqui de extraordinário é a forma como a opinião pública consegue transformar estes Torqemadas contemporâneos em arautos do ‘progressismo’.
Tal como a generalidade da opinião pública que se tem levantado contra o totalitarismo wokista, a questão essencial que o Professor Dershowitz desvaloriza é a de que os jovens californianos, os gurus da interseccionalidade, os campeões do cancelamento e demais folclore a eles associados, poderão estar na origem da ideia, mas ela já lhes escapou e está agora nas mãos da plutocracia.
2. A verdade, marca registada
A plutocracia ocidental identifica-se hoje com as chamadas empresas tecnológicas. As quatro maiores empresas norte-americanas são tecnológicas e têm a chave do seu negócio no domínio que exercem sobre a informação.
A Alphabet – empresa que tem a marca Google – está agora em terceiro lugar depois da Apple e da Microsoft, sendo que a ‘Meta’ (Facebook) deixou o seu quinto lugar nos últimos anos, em função do pouco sucesso do seu modelo de realidade virtual. Tendo sido criada a partir dos serviços de informação norte-americanos, a Alphabet é entre estas empresas aquela cujo modelo de negócio apresenta de forma mais fidedigna os traços ideológicos do wokismo, e aquela que até hoje mais se ocupou do sistema de informação.
Como todas as empresas tecnológicas, o poder da Alphabet está no controlo de enormes volumes de informação estratégica e na sua capacidade tecnológica para a gerir de forma lucrativa. Através do seu motor de busca, a Alphabet passou a oferecer informação sobre tudo, substituindo aqui o papel que era antes ocupado pela imprensa e em numerosos casos por publicações periódicas e não periódicas.
A comunicação social existente sentiu-se naturalmente ameaçada, tanto porque deixou de conseguir vender os seus jornais – o público passou a encontrar a informação de graça nos écrans – como, pior ainda, viu a sua fundamental fonte de rendimentos (e em vários casos, como o das televisões generalistas privadas de acesso público, o único), a publicidade, passar para as grandes companhias tecnológicas.
As mega-tecnológicas poderiam ter-se tornado agências de informação em concorrência com a comunicação social existente, mas essa opção teria a desvantagem de poder fazer com que na concorrência surgisse um modelo equivalente, para além de que essa posição não lhes permitiria herdar a credibilidade que, mal ou bem, esta comunicação social existente tinha conquistado.
A solução encontrada foi a da submissão da comunicação social tradicional através da multiplicação de acordos, iniciativas e associações entre as empresas tecnológicas e a comunicação tradicional, preferencialmente organizada colectivamente, para ‘defender a verdade’, e por outro lado para tornar a segunda financeiramente dependente da primeira.
A situação foi-se tornando mais complexa, à medida em que as empresas tecnológicas passaram da informação para vários outros domínios, fazendo com que a marca registada da ‘verdade’ e dos respectivos polígrafos seja cada vez mais disputada por todo o género de actores. Por exemplo, estiveram amplamente envolvidas no negócio das vacinas, que foi fundamentalmente um negócio feito de guerra de informação. Por outro lado, o jihadismo, ou as potências totalitárias de ambição global, como a Rússia ou a China, cruzam os seus interesses com os do EUA, tornando os resultados informacionais mais complexos.
O sectarismo político doméstico é talvez a menor das questões aqui envolvidas. A forma ilícita com que os mais variados interesses económicos, cruzados por vezes com interesses geopolítico e outros, cobertos por fileiras cada vez mais sofisticadas feitas de empresas registadas em ‘abrigos fiscais’, que as tornam anónimas, e que escondem os interesses envolvidos na guerra da informação, feita sob a bandeira da ‘verdade’, parece-me ser o maior problema.
3. A cultura da censura
A recente confirmação pelo Congresso americano de que a declaração por parte de 52 antigos dirigentes dos serviços de informação americanos sobre um ‘complot russo’ foi feita a pedido de um então responsável pela campanha e actual responsável da diplomacia americana, Anthony Blinken, acentua, naturalmente, a leitura político-partidária do acontecimento. O pretenso complot russo, que se tratou apenas da verdade revelada pela imprensa, revelou a prática continuada da aceitação de subornos de interesses externos por parte do agora Presidente Joe Biden.
Estou convencido que, também aqui, a questão político-partidária foi secundária. Trata-se mais da confirmação da determinação e falta de escrúpulos do ‘deep-state’ americano para colocar no poder quem acha conveniente, em prejuízo do que sobre o assunto possam pensar os cidadãos, hoje entronizando Biden como no passado o fizeram com Reagan.
Sem que houvesse qualquer razão plausível para pensar que a informação contida no computador do filho do Presidente, e que deu origem ao escândalo, pudesse não ser verdadeira e menos ainda que pudesse ter sido fabricada por terceiros, os cinquenta e dois antigos dirigentes dos serviços de informação promoveram a censura da informação da imprensa, promoveram a normalização do suborno político, descredibilizaram o seu país e facilitaram a vida aos seus adversários russos, em suma lançaram uma mega operação de desinformação, apenas porque queriam assegurar que o candidato que eles tinham escolhido para Presidente o viesse a ser.
Não foi a primeira vez que me confrontei com um cenário deste tipo, e há cerca de dois anos elaborei um relatório sobre uma agência de desinformação que igualmente inventou uma conspiração russa para tentar tirar de apuros um assessor presidencial em França.
Dei-me conta que essa agência, surgida do movimento pan-jihadista ‘Eu não sou Charlie’ fazia parte de uma operação global de desinformação que passou pela elaboração para o ‘Conselho da Europa’ de um autêntico manifesto pela censura.
Na confecção deste extraordinário cozinhado podemos encontrar o wokismo, os serviços de informação norte-americanos e os seus congéneres europeus, as burocracias de instituições europeias de tipo e ligação diversos, quadros importantes do jihadismo, potenciais idiotas úteis, mas igualmente negócios criminosos.
Aquilo que está a surgir finalmente à luz do dia pela mão do Congresso dos EUA e da imprensa desalinhada dá uma ideia de quão sistemático tem sido o conflito de interesses e a corrupção na gestão da política americana, e por extensão da europeia.
E é isso que explica este inusitado reacender da cultura da censura e da desinformação.