A UE está sob imensa pressão para limitar o preço do gás natural importado para conter os custos de energia e os dirigentes europeus apontam responsabilidades aos fornecedores norte-americanos, mas muitas das empresas que fazem fortuna a vender gás barato dos EUA para o continente com preços elevados são europeias; segundo aqueles fornecedores norte-americanos, o gás natural liquefeito (GNL) carregado em navios-tanque nos portos dos EUA custa quase quatro vezes mais deste lado do Atlântico, em grande parte devido à interrupção do mercado causada por uma perda quase total de entregas russas após a invasão da Ucrânia.
A Comissão Europeia (CE) está sob forte pressão para criar limites para o preço do gás, mas, de acordo com o maior exportador de GNL dos EUA, grande parte deste comércio está nas mãos de intermediários europeus e alguns países, entre os quais a Alemanha, temem que tal medida possa levar ao desvio dessas remessas de gás para outros lugares; a própria CE está tão relutante que a sua proposta, estabelecendo requisitos demasiado exigentes que não foram atendidos nem mesmo durante a emergência de preços deste Verão, mais parece feita para proteger os interesses dos intermediários que o dos cidadãos europeus.
Segundo a empresa norte americana Cheniere (que no primeiro semestre deste ano vendeu cerca de 70% da sua produção de GNL para a Europa)…
…empresas produtoras e distribuidoras de electricidade e gás como a italiana Enel, as espanholas Endesa e Naturgys, a inglesa Centrica ou a francesa Engie, estão a revender na Europa o GNL a cerca de 120 euros/MWh (veja-se a evolução da cotação do TTF Futuros nestes últimos doze meses)…
gás que adquirem nos EUA a menos de 30 euros/MWh (ver a evolução da cotação do indexante Henry Hub, o mais usado neste mercado, no mesmo período).
Isto não é apenas uma grande margem para quem está a revender esse GNL no mercado grossista da Europa e a lucrar com o medo da falta de gás durante o período de Inverno; isto é uma actuação predatória na sua melhor e mais dura expressão e de uma medonha hipocrisia quando impunemente se escuda (e lucra) com o absurdo discurso político que lança a responsabilidade da vaga inflacionista à “guerra”.
Outro factor não negligenciável é que ao contrário do gás distribuído por gasoduto, o destinatário final de cada navio pode não ser o inicialmente previsto (e contratado); dependendo da evolução da cotação internacional, cada carga pode ser desviada para o destino mais lucrativo do momento, ou mantida em alto mar para pressionar a subida de preço, assim engrossando os lucros dos intermediários, aumentando a volatilidade do mercado e, claro, o custo a suportar pelos consumidores finais.
Percebida que a verdadeira razão para o disparar do preço dos combustíveis – e por arrasto no preço de bens e serviços e da inflação – pouco ou nada tem a ver com a situação de conflito na Europa, antes com as regras de um mercado onde a grande liberdade é a de acumular lucros (e não, como tantas vezes se afirma, a de assegurar a maior concorrência e os melhores preços), que estes comportamentos especulativos facilmente se estendem a todos os sectores de actividade onde se vivam situações de forte oligopólio (aquele onde um reduzido número de fornecedores serve um elevado número de clientes, como é o caso do sector da grande distribuição alimentar), fácil se torna concluir que a verdadeira via de combate à actual inflação não passa por reduzir a oferta de moeda (estratégia que nas modernas e desmonetizadas economias é prosseguida através do aumento dos juros), antes por fortes e eficazes medidas de controle dos preços e das margens empresariais.