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Quarta-feira, Janeiro 15, 2025

A vergonha

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

O mundo evolui. Certas pessoas é que não. Vemos isso em notícias que revelam descobertas fantásticas no mundo da cultura, do progresso, da ciência, curas para doenças, explicações para alguns fenómenos pouco compreensíveis, coisas assim.Vemos isso nas barbaridades dos fundamentalistas, na pequenez de raciocínio de Trump e de tantos pequenos Trumps que pululam por esse mundo fora; vemos isso nas redes sociais onde todos os medíocres têm opinião e nenhum a eleva mais alto do que o patamar da sua idiotice, somando-a a teimosias, preconceitos, manias e problemas psicológicos variados.

Vemos isso no que se passa na vizinha Espanha e na onda nacionalista-separatista que instrumentaliza muita gente sincera e se aproveita dela para objetivos previamente muito bem definidos; vemos isso na percentagem dos votos na extrema-direita alemã, país que nunca pagou completa e suficientemente as dívidas de guerra nem curou as feridas da sua vergonha nacional, que deu ao mundo o pior do que o mundo teve no século passado.

Este momento europeu – onde os líderes tomam como prioridade lamentar o não ter voz na birra hedionda entre Kim Jong-un e Donald Trump, a esta hora os dois mais perigosos habitantes do planeta Terra, esquecendo que criaram problemas mais graves e de dificílima solução – faz-nos pensar.

Por um lado, na emergência dos nacionalismos – que são a morte do patriotismo, como a história já provou. Por outro, na grande confusão que há quando se confunde identidade – a ilusão de que se pode ser idêntico, sem diferença perceptível – e identificação – o conjunto de sinais que permitem aos outros dizerem quem somos, respeitando-nos nas nossas diferenças.

Quando a Catalunha desafia o poder central espanhol – com um atraso de centenas de anos – submete desafios de diferença e alteridade. Quer convencer os espectadores das suas qualidades opostas. Na identificação, que não sai à rua, há um duplo sentido semântico e psicológico: a identificação gera a ambiguidade de simultaneamente separar (como um) e tornar igual (quando somos identificados sabemos logo a que grupo pertencemos) ao mesmo tempo.

A velha ideia utópica-romântica de Nação, designava-a como qualquer coisa evoluída a partir do latim natio, de natus (nascido), reigoramente nascido no mesmo local que outros. Nesse sentido, a minha Nação seria assim a Maternidade Alfredo da Costa, Picoas-Saldanha, Lisboa. Os nascidos no mesmo local constituiriam uma comunidade estável (nada espontânea, pois só historicamente é constituída e por vontade própria de um agregado de indivíduos, com base num território, numa língua, e com aspirações materiais e espirituais comuns). Mas essa ideia, utópica-romântica esbarra noutras evidências: a Nação é o local determinado por fronteira onde o poderoso, o monarca, define a sua posse – de coisas valiosas, pessoas e bens variáveis nem as pessoas, nem os bens variáveis, eram para os monarcas coisas de grande valor para lá do utilitário e do funcional).

Não é pois um sentimento, a Nação.

E quase todos os requisitos que se pediam para reconhecer uma Nação são secundários. Repare-se: se a exigência é a reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, isso não nos define. Até no meu bairro somos de vários grupos étnicos, felizmente. Se é necessário que se fale o mesmo idioma e se tenha os mesmos costumes, não contem com isso nem no meu bairro, nem no meu distrito, nem no meu País. E se é assim que se forma um povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas características étnicas e se mantêm unidos pelos hábitos, tradições, religião, língua e consciência nacional – cai tudo pela base. Somos povos em coabitação. Somos mescla, multicultural, diversidade.

Em rigor, nenhum dos elementos da Nação – território, língua, religião, costumes e tradição -, por si só, constituem o seu caráter. Em Espanha saberão isso? E na Alemanha, onde a ignorância até já entrou no Parlamento pelas “mãos” armadas do AfD, um movimento anti-islâmico e anti-imigrantes, vergonha do mundo inteiro e da Democracia que acolhe a víbora no seio que alimenta até quem a morde.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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