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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

A vida é assim…

Eu tinha cerca de sete ou nove anos, desde que me lembro claramente do meu pai, ele ia e vinha, às vezes demorava uma eternidade para aparecer, às vezes só aparecia no natal, quando vinha trazer-nos os brinquedos que recebia no trabalho, eram muitos brinquedos… … bonecas lindas e importadas, jogos de cozinha, livros para colorir, lápis de cor, etc… faziam a nossa alegria e promovia-nos a rainhas do musseque, todo mundo queria brincar connosco e submetiam-se aos nossos caprichos de meninas…

Com os nossos brinquedos ninguém competia… trazia os brinquedos, perguntava-nos como estávamos, tecia alguns reparos negativos, levava-nos a tia do gelado ou bolinho, e abastecia-nos de bolinhos… e como uma nuvem sumia, até ao próximo natal ou quando alguém ficasse gravemente doente… nunca dava mesada e nem colaborava em nada, tirando as vezes que a minha avó o esgravatava e ameaçava em bater-lhe, então ele desembolsava qualquer coisa e dava, com a promessa de acrescentar dias depois o que nunca acontecia… Não deu formação nem educação a nenhum dos seus doze filhos… cresci e não me lembro me terem feito uma festa de anos… até ao dia que pude pagar uma. Na verdade não era bem uma festa, mas deu para me vingar…

O tempo foi passando, o desapego impôs-se e com o tempo, menos dependentes cada um seguiu o seu caminho, e por mais que nos esforçássemos  víamos o nosso pai como um estranho, ainda tentamos aproximação, mas ele impôs uma distância ditando que ele não queria mistura com os filhos… crescemos e cada um sobreviveu como pode, com a ajuda da avó que prematuramente partiu para o eterno descanso. A nossa mãe era a Benjamim da avó e com a idade que tínhamos também éramos filhos da avó.

Passados trinta e oito anos, nunca soube que o meu pai também fazia anos… ele, aquela figura egocêntrica e vaidosa, um operador de voos internacionais, que tinha o que queria e como queria, um homem saudável e próspero. Não precisava de ninguém.

Hoje mandou-me uma mensagem dizendo:

– Hoje completo 60 anos de idade… 8/3/2018

Respondi-lhe:

– Parabéns, tudo de bom para ti, estás a ficar kota pá, há boda? –Improvisei para disfarçar o “tou nem ai”

Ele:

– A vida é assim…

Inquietou-me o motivo dele ter-me mandado a mensagem, sessenta anos, reformado e viúvo… porque será que ele se lembrou da sua filha?

A vida é assim… Sim ela é rotativa.

A autora escreve em PT Angola

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