Constrangimento foi o que senti ao ler a enxurrada de comentários, postagens e artigos, procedentes do campo da esquerda, relativizando ou até legitimando a violência que a jornalista Vera Magalhães sofreu do deputado Douglas Garcia nos bastidores do debate entre candidatos ao governo de São Paulo no dia 13/09/2022.
No meu entender, a justiça não deve valer só para quem pensa como eu penso. Se nos sentimos incomodados por um tipo de jornalismo tendencioso e parcial, isso é outro problema. Um problema que deve ser tratado de forma política e social e não através de selvageria.
Reproduzo aqui, da forma como foram escritas, uma pequena amostragem de frases que li nas redes socias (escritas por homens e mulheres) sobre o que se passou com Vera Magalhães:
“Só quem tem pena dessa fdp é a esquerda zona sul. Quem cria e alimenta fascistas também é fascista”.
“A Vera só está recebendo de volta o que ela plantou! Simples assim! Aqui se faz, aqui se paga!”.
“Ser atacado por bolsonaristas é uma honra e a vera magalhães não merece isso”.
“Essa daí apanha e não aprende. Não tenho a menor dúvida que ela vai atacar Lula”.
“Que ela se foda e deixe de mimimi. Isso é do jogo político”.
“No fundo esta vaca fascista recebe o que merece ,alimentou o ódio e hoje é vítima do mesmo. Alguma retratação ,pedido de desculpas da vaca ?? não ”.
“Por mim ESSA VAGABUNDA FASCISTA mereceu tudo que aconteceu”.
Por aí vai… Muitos evocam a ideia da “lei do retorno” projetando no caso uma concepção religiosa de pecado e punição.
É tipo uma santa inquisição dos tempos modernos. Um apedrejamento em praça pública. Um prazer pelo ódio. Se isso tudo não é gatilho para a violência, como as que já ocorrem nesta campanha eleitoral, me digam então o que é.
O que está em questão no episódio envolvendo a jornalista é o assédio do deputado Douglas Garcia, incentivado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que a ofendeu publicamente sem nenhum respeito pelas mulheres, pela liberdade de imprensa, pelo povo e pelo cargo que ocupa.
Esta é uma oportunidade de falarmos sobre os males que violência gera e não para fomentar ainda mais violência. De mostrar solidariedade e não “sororidade” seletiva.
Diz o blog de Dad Squarisi que “Na Grécia antiga, a justiça era representada por Thémis. Antes, a deusa tinha os olhos bem abertos – sinal de pleno domínio da verdade. Nada lhe escapava. Segurava uma espada e uma balança. Com o tempo, ela começou a aparecer com os olhos vendados. Não para significar que justiça é cega, mas para frisar que trata a todos com igualdade”.
Isto mostra que não cabe na palavra “justiça” os ataques que a jornalista Vera Magalhães sofre tanto por parte dos bolsonaristas quanto por parte de quadros e militantes de esquerda.
Não é justo, frente ao episódio em questão, relativizar a violência com base em nosso ressentimento. Assim estamos dando a deixa para que impulsos horríveis e vexaminosos, como as frases que expus acima, venham à tona. Assim estamos dando as mãos ao que há de pior na política: aos aporofóbicos, misóginos, homofóbicos, racistas assediadores bolsonaristas.
Nós que há pouco mais de um mês, no manifesto pela democracia, com grandeza e desprendimento, demos as mãos a representantes de diversos setores da sociedade, inclusive àqueles que apoiaram processos que prejudicaram a esquerda, como o impeachment e a reforma trabalhista, não estamos sendo capazes enxergar e considerar a violência contra jornalista?
Isso só mostra que, para alguns, ser humanista e valorizar a democracia é mera abstração. É apenas um slogan bonito que, todavia, não se realiza na prática.
A esquerda precisa dar exemplo, ter hombridade. Precisamos manifestar veemente repúdio contra a violência bolsonarista sem deixar dúvida sobre de que lado estamos. E fazer um bom uso das ideias de democracia, justiça e solidariedade.
O senso de justiça restrito apenas àqueles com quem há concordância política e ideológica é, na verdade, uma grande hipocrisia.
Texto em português do Brasil