A decisão de acabar com os debates quinzenais no Parlamento é absolutamente inesperada.
No jeito que lhe é muito próprio, de quem cultiva a arte de dizer o que tem a dizer sem qualquer ambiguidade, o líder da oposição considera que “o primeiro ministro tem de trabalhar e não pode passar a vida em debates quinzenais”. Na sua visão, portanto, o que é verdadeiramente importante é a ação executiva, constituindo o debate parlamentar um exercício ocioso. Assim sendo, é preciso acabar com a “gritaria”.
Já o líder do governo acompanha o seu opositor de forma mais subtil. Para ele trata-se de evitar o espírito de confronto que não deixa margem para a negociação, para o diálogo e para os necessários consensos tão necessários à vida política. Não podemos deixar de concordar com a importância do compromisso para a vida política democrática. Todavia, nunca, na minha vida parlamentar, me apercebi de que os mais acesos e polémicos debates parlamentares impedissem o respeito mútuo e até a admiração pelo adversário político. Respeito, aliás, conquistado no terreno mais exigente, aberto e leal da política que é o da disputa parlamentar.
Seja como for, são estas as razões. Na verdade é impossível olhar para elas sem as reconhecer imediatamente. Elas vêm de longe e têm uma longa tradição política entre nós, assente na antiquíssima ideia dos malefícios para a política resultantes do «espírito partidário e das desordens do parlamentarismo». Toda uma cultura política. Aliás, bem vistas as coisas, os debates quinzenais aparecem-nos, agora que vão acabar, como um breve episódio na vida parlamentar, uma espécie de contra-cultura que não foi suficiente para alterar o desdém e a desconfiança que o Parlamento sempre enfrentou na vida política. Mas talvez esteja a ver as coisas com excessivo melindre democrático. Talvez a verdadeira razão seja a de que nenhum dos dois líderes goste da estética e da eloquência parlamentar e dos que estas significam no debate político. Sim, pode ser apenas isso – afinal, nenhum dos dois é um grande orador. Talvez. Se não for isso, é pior.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
Foto: responsabilidade do editor
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