O acordo anunciado nesta segunda-feira (17) entre a Boeing e a Embraer prevê que a brasileira terá participação de 20% na nova empresa de aviação civil. Mas a Embraer pode, a qualquer momento, vender essa fatia para a norte-americana e sair totalmente do negócio.
O acordo, divulgado ontem de manhã, foi acertado após um memorando de entendimento assinado em julho entre as empresas. Pelo acordo divulgado hoje, a Boeing compra a divisão de aviação civil da Embraer por US$ 5,3 bilhões. Essa divisão vai para uma joint venture, uma nova empresa na qual a Boeing terá participação de 80% e o restante ficará com a Embraer.
Segundo informação apurada pelo portal UOL, a partir do momento em que a nova empresa for formalmente criada, a Embraer pode se desfazer das suas ações quando quiser. A opção de venda está prevista no acordo. Opção de venda significa que o acionista que a detém possa decidir vender sua fatia na empresa, e o outro acionista é obrigado a comprar.
Na prática, haverá uma desnacionalização quase total da maior empresa de aviação do país. E, em curto prazo, a desnacionalização será completa, ficando todo o setor mais lucrativo da Embraer sob controle da multinacional americana.
Embora a Embraer tenha sido privatizada em 1994, o governo é dono de uma “golden share”, uma ação especial que dá direito a veto em decisões importantes, como a venda do controle da empresa. Na joint venture que está sendo formada com a Boeing, o estado brasileiro não terá nenhum poder de decisão.
Apenas a parte de defesa da Embraer seguirá nacional, como defendem os militares. A intenção do governo brasileiro é manter a “golden share” nesta unidade da empresa brasileira, para ter poder de veto sobre sua estratégia.
Nacionalistas de araque
O acordo Boeing-Embraer foi impulsionado pelo governo Temer mas deve ser concretizado em 2019, durante o governo Bolsonaro. O presidente eleito já declarou-se favorável à entrega da empresa brasileira para a multinacional americana, demonstrando, mais uma vez, que seu discurso patriótico traduzido no slogan de campanha “Brasil acima de tudo” não passa de um engodo promovido por nacionalistas de araque.
O contraponto à política liberal entreguista de Temer e Bolsonaro foi vocalizado pelo senador Jorge Viana (PT-AC). O parlamentar usou sua conta no Twitter para condenar o acordo. “É o Brasil se retirando de mais uma área estratégica, perderá o protagonismo de ser referência no domínio de tecnologia de fabricar aviões, triste!…” postou Viana.
Crime de lesa-pátria
Em nota divulgada nesta segunda-feira (17), os sindicatos dos metalúrgicos de São José dos Campos, Botucatu e Araraquara (SP) também condenaram de forma dura o anunciado acordo entre Embraer e Boeing. Segundo a nota, a aprovação do acordo “representa a entrega criminosa de um dos mais importantes patrimônios nacionais”.
Os sindicatos lembram que a Embraer é uma empresa construída por trabalhadores brasileiros e com recursos públicos. “Perdê-la seria perder a soberania nacional, seria entregar décadas de conhecimentos em tecnologia de ponta desenvolvida pela terceira maior fabricante de aeronaves do mundo”, diz o texto.
A nota das entidades denuncia ainda que “a operação não poderia acontecer porque uma empresa de capital aberto (Embraer) não pode se juntar a uma de capital fechado (a Boeing, no Brasil)”. “Mais do que isso: uma joint-venture presume que as duas empresas envolvidas tenham uma parceria comercial e industrial. Não é isto que vai acontecer”.
Leia a íntegra da nota assinada pelos três sindicatos:
A aprovação do acordo entre Embraer e Boeing, divulgada nesta segunda-feira (17), representa a entrega criminosa de um dos mais importantes patrimônios nacionais. Ao contrário do que está descrito no acordo, não se trata de joint-venture, mas de aquisição. A operação tem o repúdio dos sindicatos dos metalúrgicos de São José dos Campos, Botucatu e Araraquara.
Todos os termos evidenciam que a operação fere a Lei da Sociedade Anônima (6404/76), a chamada Lei das S/A. Justamente por isso, está sendo questionada pelos três sindicatos, em ação civil pública na Justiça Federal de São Paulo.
Se ficarmos apenas nos termos jurídicos, a operação não poderia acontecer porque uma empresa de capital aberto (Embraer) não pode se juntar a uma de capital fechado (a Boeing, no Brasil). Mais do que isso: uma joint-venture presume que as duas empresas envolvidas tenham uma parceria comercial e industrial. Não é isto que vai acontecer. A Boeing terá 80% do capital social e 100% do controle operacional e de gestão da nova empresa. A Embraer não terá nem mesmo direito à voto no Conselho de Administração, exceto em alguns temas. Trata-se, portanto, de venda.
Mas é preciso ir além. A Embraer é uma empresa construída por trabalhadores brasileiros e com recursos públicos. Perdê-la seria perder a soberania nacional, seria entregar décadas de conhecimentos em tecnologia de ponta desenvolvida pela terceira maior fabricante de aeronaves do mundo.
Também está prevista no acordo a formação de uma fusão para “promover e desenvolver novos mercados” para o avião cargueiro KC-390. Novamente, o Brasil só tem a perder. O projeto só existe porque foi financiado pelo governo brasileiro. Com a “joint-Venture”, 49% deste valioso programa de Defesa ficará com a Boeing.
Deve-se ainda considerar o impacto da medida para os trabalhadores brasileiros. Como foi publicado anteriormente pela imprensa, existe a intenção da Embraer e Boeing em levar a produção do KC-390 para os Estados Unidos, gerando emprego lá fora e fechando no Brasil. O risco de demissões e de transferência de operações para outro país é inerente a este tipo de negociação. O próprio Phenom prova isso. Hoje já estamos presenciando na fábrica de São José dos Campos as demissões de funcionários que antes trabalhavam na produção do Phenom – agora produzido nos Estados Unidos. Esta experiência certamente se repetirá quando o avião cargueiro estiver sob o comando da gigante norte-americana.
Está nas mãos do governo federal aprovar ou não a concretização deste crime de lesa-pátria. Em nome dos trabalhadores da Embraer, os sindicatos lutarão para que a venda seja vetada pelo atual ou pelo futuro governo.
Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região
Sindicato dos Metalúrgicos de Araraquara e Região
Sindicato dos Metalúrgicos de Botucatu e Região
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado