- O teor das Bases do “Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90)[1] foi negociado[2] e concluído secretamente em Outubro de 1990, em reuniões que duraram apenas 7 dias, na Academia das Ciências de Lisboa[3], tendo em conta que a experiência do debate público em torno do Projecto de AO86 não correra de feição à adopção de uma Reforma ortográfica.
O Tratado do AO90 foi assinado pelos 7 Governos dos Estados de língua oficial portuguesa, em 15 de Novembro de 1990. Em 16 de Dezembro, o AO90 foi assinado, em cerimónia oficial, pelos representantes dos Governos de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe; isto sem que o texto dos Anexos I e II fosse conhecido.
O respectivo texto nem sequer foi dado a conhecer ao Povo Português[4].
Só no ano de 1991, após uma Petição do Grémio Literário e do Movimento contra o Acordo Ortográfico, datada de 30 de Novembro de 1990[5], dos esforços dos Deputados combativos, então independentes, JOSÉ MAGALHÃES[6] e JORGE LEMOS[7], e da Comissão de Educação, Ciência e Cultura[8], o texto do AO90 veio a ser conhecido, em finais de Março de 1991, nas vésperas da votação parlamentar.
O então Secretário de Estado, Dr. SANTANA LOPES, nem sequer queria que o AO90 fosse aprovado como Tratado solene pela Assembleia da República (AR) – pretendia que o Governo o aprovasse através da forma de “acordo internacional“[9]. Acabou por ceder[10], uma vez que o PSD tinha maioria absoluta no Parlamento, e tinha a aprovação garantida; para além de o então Presidente da República, Dr. MÁRIO SOARES, se ter mostrado favorável ao (a um?) AO.
Durante o aceso debate parlamentar, JORGE LEMOS rasgou o texto do AO90 em plena Sessão.
Foi dito também que “o acordo é inútil, ineficaz, secretista, prepotente, irrealista, infundamentado, desnecessário, irresponsável, prejudicial, gerador de instabilidade e inoportuno.”[11].
- Saberá porventura o leitor quantos Colóquios científicos sobre o AO90 foram organizados por instituições estaduais, desde 1990, há 25 anos[12]?
Apenas dois, ambos no Parlamento, e ambos fortemente condicionados, pois a aprovação parlamentar do Tratado era mais do que garantida: i) em 8 de Maio de 1991, decorreu um Colóquio parlamentar, dedicado ao «Acordo Ortográfico», antes da aprovação do Tratado AO90, que decorreu dias depois; ii) o segundo, em Abril de 2008, na Comissão de Ética e Educação da Assembleia da República, um mês antes da aprovação parlamentar do 2.º Protocolo Modificativo (com VASCO GRAÇA MOURA e CARLOS REIS).
Neste sentido, o Colóquio “Ortografia e bom senso”, organizado pelo Instituto de Lexicologia da Academia das Ciências de Lisboa – “o local do crime” -, em 9 e 10 de Novembro de 2015, será um evento histórico e uma oportunidade rara de as posições científicas prevalecerem sobre a Retórica, desmontando a trama sofística que foi tecida à volta do AO90 e da sua “aplicação” antecipada, a partir de 2011, por via da (inconstitucionalíssima) Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011.
A entrada é livre, mas agradece-se a confirmação de inscrição, através do envio de uma mensagem para [email protected].
O evento realizar-se-á na Academia das Ciências, no Salão Nobre (R. da Academia das Ciências, 19; 1249–122 Lisboa), nos dias 9 e 10 de Novembro, de manhã e de tarde.
- Estão inscritos vários Oradores; uns “acordistas” (MALACA CASTELEIRO, EVANILDO BECHARA,…); outros “revisionistas” do AO90; outros ainda contrários ao AO90 (v. g., ANTÓNIO FERNANDO NABAIS, CARLOS FERNANDES, CELSO AUGUSTO NUNES DA CONCEIÇÃO, CARMEN DE FRIAS GOUVEIA, FERNANDO PAULO BAPTISTA, FRANCISCO MIGUEL VALADA, IVO MIGUEL BARROSO, MARIA ALZIRA SEIXO, MARIA REGINA ROCHA, TERESA CADETE).
- Eis o Programa completo:
9 de Novembro de 2015, segunda-feira
09:30 Abertura
10:00 ARTUR ANSELMO, O Direito à Ortografia Nacional
10:30 JOÃO MALACA CASTELEIRO, O Acordo Ortográfico de 1990 contém carradas de bom senso
11:00 EVANILDO BECHARA, Em tempos de ortografia e de bom senso
11:20 Pausa para café
11:40 JOSÉ CARLOS GENTILI, A infernização do hífen
12:10 JOSÉ EDUARDO FRANCO / AIDA SAMPAIO LEMOS, O Acordo Ortográfico e a edição de obras clássicas da cultura portuguesa: o caso da Obra Completa do Padre António Vieira
12:40 IVO MIGUEL BARROSO, Consoantes “mudas” e facultatividades nas Reformas ortográficas em Portugal e no Brasil
13:00 Almoço
14:30 FERNANDO PAULO BAPTISTA, Ortografia & Literacia
15:00 MARIA ALZIRA SEIXO, Aspectos negativos do Acordo Ortográfico de 1990
15:30 CARMEN DE FRIAS E GOUVEIA, A (in)viabilidade do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990: um acordo verdadeiramente ortográfico?
15:50 Pausa para café
16:10 TERESA CADETE, Razão ou razões, ortografia ou ortografias? Sobre o questionamento metódico
16:40 M. JOÃO LEMOS DE SOUSA / ANA SALGADO, A aplicação do novo Acordo Ortográfico na terminologia geológica
17:00 ROLF KREMMIER, Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990): o desfecho indispensável de uma história interminável
17:20 – SANDRA DUARTE TAVARES, Quem cose às vezes “descoze”: aspetos críticos da ortografia do português
10 de Novembro de 2015, terça-feira
10:00 FRANCISCO DEQUI, Neopedagogia da Acentuação Gráfica
10:30 FRANCISCO MIGUEL VALADA, O Acordo Ortográfico de 1990 e o sistema grafémico do português europeu
11:00 ANTÓNIO FERNANDO NABAIS, O Acordo Ortográfico e o Ensino: instantâneos do caos
11:20 Pausa para café
11:40 JOÃO ALMEIDA FLOR, Ortografia na importação de anglicismos
12:10 ANA SALGADO, Acordo Ortográfico de 1990: aparências e realidades
12:40 CARLOS FERNANDES, A Ortografia da Língua Portuguesa à luz do Direito Internacional
13:00 Almoço
14:30 CELSO AUGUSTO NUNES DA CONCEIÇÃO, A unificação da ortografia das nações lusófonas: colapso linguístico
15:00 TELMO VERDELHO, Norma linguística e tradição ortográfica
15:30 MANUEL AUGUSTO RODRIGUES, O caso do hebraico entre as línguas semíticas
15:50 Pausa para café
16:10 MÁRIO VIEIRA DE CARVALHO, Desempenhos musicais e desempenhos linguísticos
16:40 MARIA REGINA ROCHA, As diferenças de ortografia que o Acordo Ortográfico de 1990 provocou
17:00 Sessão de encerramento
[1] Ou, talvez melhor, de um “Acordo Ortográfico” revisto, uma vez que o ponto de partida foi o AO86; registando-se supressões, designadamente a retirada de regra que suprimia a acentuação das palavras proparoxítonas.
[2] Em Janeiro de 1990, o Dr. PEDRO SANTANA LOPES foi convidado para a pasta de Secretário de Estado da Cultura.
O Primeiro-Ministro de então, Prof. CAVACO SILVA, juntamente com o convite, incumbiu o Dr. SANTANA LOPES de negociar politicamente o AO90 com os representantes dos restantes seis Estados, ou seja, “a concretização do Acordo Ortográfico.”
[3] O “Projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa” foi aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, pela Academia Brasileira de Letras e pelas delegações de Angola, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe; tendo contado ainda com a adesão da delegação de observadores da Galiza.
Das reuniões ocorridas, não são conhecidas quaisquer actas.
[4] Cfr. RAUL CASTRO, Diário da Assembleia da República, V Legislatura, 4.ª sessão legislativa (1990/1991), I Série — Número 84, 29 de Maio de 1991, pg. 2748.
[5] Petição n.º 195/V, que solicitava “a promoção e publicação urgentes do novo texto do projecto de acordo ortográfico, para que se inicie um amplo debate a nível nacional”.
[6] Cfr. JOSÉ MAGALHÃES, Projecto de Deliberação n.º 117/V. Visa assegurar o amplo debate público e parlamentar do Acordo Ortográfico, in Diário da Assembleia da República, V Legislatura, 4.ª sessão legislativa (1990/1991), II Série-A — Número 12, 3 de Dezembro de 1990, pg. 234:
“O exacto texto do Acordo ainda não foi divulgado em Portugal (!). Reacendeu-se, no entanto, a polémica sobre a oportunidade, mérito e adequação da sua aprovação, face ao que veio a lume sobre o seu misterioso conteúdo. Travar o necessário debate público num cenário de factos consumados afigura-se a mais indesejável das orientações.” (sublinhado nosso).
[7] Em 5 de Fevereiro de 1991, os Deputados JOSÉ MAGALHÃES e JORGE LEMOS apresentaram o Projecto de Resolução n.º 77/V, que propunha a realização de um referendo nacional sobre o AO90.
[8] Em 5 de Dezembro, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura da AR aprovou por unanimidade que o texto do AO90 fosse publicado no “Diário da Assembleia da República”.
[9] O Secretário de Estado da Cultura, PEDRO SANTANA LOPES, declarou que “o assunto não será discutido no Parlamento por iniciativa do Governo”.
[10] Em 21 de Março de 1991, o Conselho de Ministros aprovou a Proposta de Resolução com vista à ratificação do Tratado do AO90, acompanhada da versão autêntica dos Anexos I e II, submetendo-a à aprovação parlamentar.
[11] JORGE LEMOS, Diário da Assembleia da República, V Legislatura, 4.ª sessão legislativa (1990/1991), I Série — Número 84, 29 de Maio de 1991, pg. 2752.
[12] Sem contar com as audições e audiências do “Grupo de Trabalho de Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico”, realizadas em 2013, na AR, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.