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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

ACT: os novos amigos da PT/Meo/Altice

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

No final de Agosto último foi finalmente conhecido o relatório elaborado pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho sobre as múltiplas ilegalidade e irregularidades praticadas pela gestão Altice na PT/Meo, e em cujas conclusões o Governo prometera basear a futura adopção de medidas.Trata-se de um documento datado de 17 de Agosto, denominado “Ponto de situação de intervenção inspectiva Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.”, subscrito pela Chefe de Divisão Paula Lopes Vieira, e que a ACT até começou por pretender (agora percebe-se porquê…) que fosse reservado, ou seja, ocultado do conhecimento da generalidade dos trabalhadores e, mais ainda, da generalidade dos cidadãos portugueses.

Aquando do seu conhecimento, porém, vozes precipitadas logo se apressaram a tecer loas ao dito relatório, em particular com o argumento de que o mesmo apontava terem sido elaborados 124 autos de notícia (a maioria deles, mais precisamente 94, por “violação do dever de ocupação efectiva” (i.e., por “emprateleiramento” de trabalhadores), 12 por “assédio”, 6 por violação da contratação colectiva e os restantes 12 por violações várias da lei) e terem sido também feitas 20 notificações para adopção de medidas com prazo, 5 advertências e 1 participação criminal.

Mais referiam os apressados elogiadores do mesmo relatório que este indicava expressamente que o valor máximo total da moldura da coima associada às infracções objecto dos citados autos de notícia ascendia a mais de 4 milhões e oitocentos mil euros (mais exactamente, a 4.844.974,25€) a que se somariam as ridículas coimas das contra-ordenações por incumprimento, no caso das denominadas “transmissões de estabelecimento”, das obrigações de informação e consulta, coimas essas com valores entre os 4.080€ e os 6.528€!?

A verdade, porém, é que uma leitura mais atenta do referido relatório rapidamente revela que o mesmo não passa, afinal, de uma autêntica peneira com que se pretende esconder o sol, ou seja, é uma “blague”, revelando uma posição absolutamente inaceitável por parte da ACT.

Desde logo, sabendo-se que há milhares de trabalhadores da Altice a verem violados os seus direitos (e que se encontram “emprateleirados” na chamada “Unidade de Suporte” e nas várias Direcções centenas e centenas de trabalhadores), o referido número de autos de notícia (124) mostra-se irrisório e em absoluto incompatível com uma acção inspectiva a sério e em massa, como a actuação da mesma Altice impunha que fosse realizada.

Depois, percebe-se que o mesmo relatório diz apenas respeito ao período de tempo entre Janeiro e Julho de 2017, deixando nomeadamente de fora, vá-se lá saber porquê, o resultado das inspecções levadas a cabo em Novembro de 2016 em Lisboa (Entrecampos) e no Porto (Rua Tenente Valadim). Postura esta tanto mais estranha quando, em depoimento prestado à Comissão Parlamentar, foi referida a existência de mais de 100 processos de contra-ordenação levantados pela ACT à Meo no ano passado. E assim, trabalhadores há, designadamente no Alentejo, que, tendo sido visitados pela ACT há um ano, ainda agora aguardam por um desfecho desses procedimentos!?

Acresce que, sempre no mesmo relatório, a ACT permite-se invocar que desenvolveu acção inspectiva nacional em 30/5/2017 em todos (sic) os locais de trabalho onde estavam “emprateleirados” ou “transmitidos” trabalhadores, para agora se saber que – tal como denunciaram entretanto os organismos sindicais e Comissões de Trabalhadores – afinal os trabalhadores objecto das transmissões fraudulentas em Torres Novas, em Viseu e no Porto (Rua Tenente Valadim) só foram contactados pelos inspectores da ACT em 18 de Agosto, ou seja, um dia depois da elaboração do dito relatório!?

Só isto já seria bastante para se compreender que aquilo que a ACT fez – perante o clamor das denúncias e dos protestos e não podendo, sob pena do seu completo descrédito e desmascaramento, “estacionar” e paralisar mais – foi uma pseudo acção inspectiva para mostrar um pretenso serviço e acenar com uns quantos autos de contra-ordenação e umas quantas coimas de valor ridículo.

Para mais, sabendo-se também que a Administração Altice provisionou o astronómico montante de mil milhões de euros para a conflitualidade laboral inerente a toda esta operação, fácil se torna verificar que as coimas da tal “acção inspectiva nacional” que a ACT pomposamente apregoa ter levado a cabo afinal representam menos de 0,5% do valor que a própria Altice já calcula poder ter de pagar devido às ilegalidades que bem sabe estar acintosamente a praticar.

Mas onde a ACT mostra verdadeiramente o que a faz correr e põe inteiramente a claro que não quer afrontar os poderosos interesses da mesma Altice (como aliás já fizera em operações similares, embora de menor escala, na Banca e na Vodafone, por exemplo) é quando lava as mãos como Pilatos das situações e questões das pretensas transmissões de estabelecimento, nada fazendo nem nada promovendo relativamente às mesmas sob o espantoso pretexto de que elas seriam exclusivamente “da competência dos Tribunais Judiciais” e de que caberia aos trabalhadores atingidos o respectivo “impulso processual” (pág. 8) “não tendo reunido matéria de facto, no período em referência, que permita sustentar, em termos contraordenacionais, a não transmissão do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores abrangidos” (pág. 5).

Ou seja, e em suma, a ACT vem declarar que não conseguiu reunir elementos que permitissem pôr em causa a real existência de transmissão, válida, de unidade económica e que, assim, os trabalhadores é que se têm de mexer e ir, às suas próprias custas, intentar acções nos Tribunais do Trabalho!

A verdade, porém, é que a ACT não averiguou – e muito menos ouviu sobre isso os trabalhadores e os seus organismos representativos!… – que meios materiais e humanos foram incluídos e quais não foram incluídos na alegada transmissão, a que título e com fundamento em que tipo de contrato e com base em que critérios, qual a titularidade e a administração reais das “novas” empresas (ou seja, se elas são verdadeiramente autónomas ou apenas meros “satélites” da PT) e se nestas foram ou não mantidos não só os locais de trabalho como também e sobretudo os instrumentos e utensílios, os processos de trabalho, os sistemas de informação e até as próprias chefias da PT. Dito de outra forma, nesta matéria, a ACT não averiguou nada do que devia e, se ouviu alguém, foi apenas a própria Empresa, tudo para depois vir pretextar que não reuniu elementos de facto suficientes para tomar posição.

Para além de que também nada diz e nada terá analisado relativamente à questão de ser legalmente admissível, por exemplo, impôr, à força e contra a vontade do beneficiário, a passagem de um dado regime previdenciário (da Caixa Geral de Aposentações) para outro bem distinto daquele (o da Segurança Social).

Deste modo, o que a ACT, com este relatório, está a fazer é simplesmente fingir que até actuou relativamente a alguns (poucos) casos mais escandalosos de assédio moral no local de trabalho mas na verdade está é a caucionar, pela sua omissão, a manobra fraudulenta das pseudo-transmissões de estabelecimento, atirando para cima dos trabalhadores com os ónus, os riscos e os encargos de terem de intentar centenas ou até milhares de acções judiciais, de duração e desfecho (dada a actual situação da Justiça do Trabalho) mais que incertos. E a fornecer pretextos para que o Governo nenhuma medida adopte exactamente sob o argumento de que a decisão, afinal, cabe é aos Tribunais!

Este relatório da ACT deve, pois, ser vivamente denunciado e claramente rejeitado porque não é seguramente para produzir “prendas” destas que ela, ACT, existe e tem competências legalmente atribuídas.

E não há que alimentar quaisquer ilusões acerca das “falinhas mansas”, sejam elas da nova administração da Altice ou do Governo.

A justa luta dos trabalhadores da PT/Meo/Altice tem, pois, de continuar!

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