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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Afeganistão: guerra esquecida… com muitos minhotos lá dentro

No dia em que a Alemanha se rendeu aos aliados, 8 de Maio de 1945, partiram para o Afeganistão, algumas dezenas de militares formados no Regimento de Cavalaria 6, de Braga. A maioria dos soldados são do Minho.Acontece a sua viagem — a quem desejamos a maior sorte do mundo — num momento em que a insurreição talibã se intensifica após vários anos como o principal grupo armado não estatal naquele país asiático.

Esta consolidação foi possível graças a uma estratégia expansionista que se alargou a outras regiões e grupos étnicos e à diversificação das fontes de financiamento.

Apesar da fragmentação — que palavra tão querida pelos manuais de pedagogia que seguem — e bem — Edgar Morin —  os talibã constituem uma formação consistente e com vocação clara de de permanência que os desafia a ter um papel determinante no futuro deste país fragmentado étnica e complexo.

Vamos aos factos. É assim que deve começar qualquer discussão séria e intelectualmente honesta.

Uma brigada de Reação Rápida do Regimento de Cavalaria n.º 6 de Braga partiu esta segunda-feira para Cabul, no Afeganistão, onde zela pela segurança do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, na capital afegã.

Esta missão assinala o início da participação de Portugal na “Resolute Support Mission”, marca o regresso do Exército Português a uma missão no Afeganistão com uma força de grande dimensão.

São seis meses de missão para 160 militares de regimentos do exército provenientes de Braga, Viseu e Vila Real que partiram do aeroporto de Figo Maduro, num Boeing 767 fretado pelo exército, quatro anos depois do último contigente militar português ter estado naquele território.

Com a minha experiência — vivida no Kosovo em 2000 — a NATO convoca os militares portugueses para resolver situações difíceis, como aquela que aconteceu em finais de Julho de 2000, em Mitrovica, onde nem americanos, nem os alemães ou franceses tinham competência para resolver uma difícil contenda entre kosovares e sérvios. Foram chamados os portugueses que, num ápice, restabeleceram a paz entre a “Litle Bósnia” e o quadrado kosovar, separados pelo rio Mitrovica. Por este feito, a brigada portuguesa recebeu os maiores elogios do Comando da Nato. Uns — kosovares — e outros — sérvios — respeitavam a forma de estar dos militares portugueses. Linda coincidência: na sua maioria eram soldados de Braga, Amares, Vila Verde, Famalicão, Guimarães, Cabeceiras de Basto, Arcos de Valdevez, Ponte de Lima, Monção, Viana do Castelo ou Melgaço, entre outros concelhos. Que dias maravilhosos vivemos com estes homens durante onze dias! (cf. Correio do Minho, 02 a 17 de Agosto de 2000).

Ontem, na despedida, o General Rovisco Duarte, destacou o esforço que o país, o Exército e as famílias assumem, em prol da afirmação de Portugal, através do contributo para a segurança coletiva, com o envio destes militares, depois dos mais de 2000 militares que foram projetados para aquele país entre 2002 e 2014.

Na capital afegã, localizada a 1.800 metros de altitude, o contingente português substitui uma companhia turca, numa missão da NATO que envolve 39 países, comandada por um general norte-americano.

Em Cabul, os três pelotões da força de reação rápida do contingente português têm como missão garantir a segurança junto às gares das aeronaves e da entrada e saída de entidades do aeroporto, bem como assegurar os abastecimentos dos aviões.

Os mais atentos, sabem que o cenário de país é de extrema instabilidade depois de, pelo menos 36 pessoas, entre elas 30 crianças terem morrido em Abril após um bombardeio da força aérea do Afeganistão na província de Kunduz, no norte do país, que também deixou 71 feridos. Estes 160 militares — na maioria jovens do Minho — sabem o que os espera e a sua chamada constitui um sinal claro de que a NATO se encontra em dificuldades no Afeganistão e volta a convocar os soldados da “Portugalia” — como nos chamavam as crianças e jovens do Kosovo — para ajudar a resolver um problema bicudo — como se diz por cá.

Que aconteceu?

Nos últimos meses. Regista-se uma emergência talibã, comprovada com diversos atentados sangrentos, junto a instalações da própria Nato, através de um grupos armados de etnia Pastún, com orientação fundamentalista islâmica que dominou o país, entre 1996 e 2001, quando se efectuou a invasão militar perpetrada pelos EUA.

Em Setembro de 1994, o Mullah Omar abandona Kandahar onde estudava desde os tempos da ocupação mal sucedida pelos soviéticos.

Uns 50 estudantes — alguém acredita? — apoiaram e deram corpo à criação de um corpo armado que se converteu na força militar não estatal (terrorista?) mais poderosa entre outros grupos existentes do Afeganistão.

Mas as coisas começaram com a revolução de Saur, em Abril de 1978, quando os comunistas afegãos tomaram o poder. Surpreendentemente, no ano a seguir, as tropas da União Soviética (então) invadiram o Afeganistão para apoiar o governo comunista de Babrak Karmal mas apareceram — por geração espontânea? — múltiplos grupos armados que alimentaram uma década de conflito armado. Eram os  Muyajidines. Eram muitos mas só tinham uma ideia: conseguir a retirada soviética, derrotar o governo de Karmal. Conseguiram-no em 1992. Os talibãs nasceram nos anos 1990, aparecendo como facção dos Muyajidines, com o apoio encoberto da CIA (Agência Central de Inteligência) norte-americana e os serviços secretos do Paquistão (ISI). Os combatentes eram recrutados na etnia Pastún, que tinham estudado nas Madrasas paquistaneses (taliban significa estudante), no sul do país.

Estes estudantes guerreiros fizeram de Kandahar, em 1994, a sua sede, e dois anos depois apoderaram-se de Kabul e conseguiram controlar 90% do Afeganistão. Nessa época começaram por impor a sua visão do islão e controlaram a justiça, dominada por uma amalgama de preceitos tribalistas pré-islâmicos pastúns (as normas pastunwali) e interpretações da Sharia, oriundas de sauditas que financiavam as “madrasas” (escolas) onde estudaram.

Impuseram a burka às mulheres (ou Chadri), pesados castigos ao consumo de álcool, aos homens que cortassem a barba e a destruição de elementos não islâmicos, de que são poderoso exemplo as destruição dos Budas de Bamiyan, em 2001.

Ahmed Rashid em Taliban: The History of Afghan Warlords escreve que “os talibãs não representam ninguém, a não ser a si mesmos, e não reconhecem outro islão, excepto o seu”.

De onde vem o dinheiro?

Vamos agora, falar do que nos interessa a nós, que vamos ter familiares e amigos num combate difícil. Quem financia os talibãs?

Em 2014, os Talibãs foram considerados pela Forbes a quinta no ranking das organizações mais ricas (atrás do Estado Islâmico, Hamas e Hezbollah), estimando o seu orçamento em 2.200 milhões de euros.

O tráfico de drogas é considerada a principal fonte de financiamento. A pesar das guerras, o Afeganistão continua a ser o principal produtor mundial de heroína, cujo consumo é punido pelo islamismo.

Os talibãs participam de forma directa na produção e tráfico de quase toda a heroína que se produz e exporta do Afeganistão: 480 milhões de euros anuais. Esta receita resulta também de uma taxa “imposta” (ushr) aos agricultores de dez por cento sobre a colheita de heroína e haxixe (quatro mil toneladas por ano).

Actualmente, existem aproximadamente 50.000 hectares dedicados ao Haxixe em 17 províncias com rendimento de 4.000 dólares por hectare.

O único objectivo dos talibãs é a criação de um Emirato Islâmico no  Afeganistão e existem sinais claros da influência de preceitos religiosos enraizados nas tradições rurais dos Pastúns.

Durante o regime talibã, um dos principais focos de conflito com a Al Qaeda, de Bin Laden, era a questão dos santuários Sufis, uma organização tribal, que considerava os discípulos de Laden uma inovação anti-islâmica intolerável.

Estas contradições foram notórias quando os Talibã assumiram responsabilidade governamentais na década de noventa. Deixaram cair normas emblemáticas e brutais, como a polícia religiosa, a proibição de televisão ou o cinema e outras normas de vestuário e aparência.

A identidade Pastún baseia-se em tradições genealógicas e na estrutura tribal, que se vêem descendentes de Qais, que viveu no tempo de Maomé e adoptou o nome de Abdur Rashid depois de se converter ao Islão.

Os seus descendentes fundaram quatro tribos, com sucessão paternal. No seu seio organizam os casamentos, ajudam-se nas tarefas agrícolas e na resolução de conflitos de terrenos. A sua antiguidade confere-lhes o direito a ser a única etnia do Afeganistão, com um alto grau de compromisso entre os seus membros e uma estrutura desenvolvida, organizada em confederações: Ghilzai, Durrani e Yuusufzai.

Estas possuem uma sistema de usos e costumes (Pashtunwali) a que todos estão obrigados. Mas há um pormenor estranho: a língua Pashtun não assegura a pertença a este grupo, porque muitos usam o idioma persa (iraniano) como língua materna (a Oeste, em Nagarhar) e outros, a sudoeste usam a língua Baluchi.

Para complicar o olhar sobre este território onde os portugueses vão estar presentes, existe uma crescente minoria de outras etnias que se juntaram aos talibãs. É o caso dos Tajikas, a Norte, do Uzbequistão, que se juntaram a eles.

Este é o elemento que faltava para podermos afirmar – com toda a segurança – que o conflito do Afeganistão ultrapassou as suas fronteiras, cujas linhas — traçadas pelos ingleses no sec. XIX — são as mais permeáveis e inseguras do mudo.

Sabemos que existem Talibãs no Afeganistão e no Paquistão, mas agora estes foram surpreendidos com o grupo terrorista Estado Islámico-Khorasan (IS-K).

Os 25 mil soldados talibãs — ou 200 mil? — não são uma força desprezível: foram capazes de lançar ataques em grande escala contra grandes cidades como Helmand  ou Kunduz, e controlar quase metade do território. Em 2017, ocuparam vários distritos nas províncias de Ghor, Faryab e Patkia e dominaram partes da província de Kandahar e a norte a de Kunduz, (45% do território afegão).

Mas existem sinais de esperança. Em 2016, os talibãs lançaram ataques violentos contra capitais regionais mas no ano seguinte esses atentados – mais sangrentos e frequentes — resumiram-se à capital Kabul.

É para aí que partiram segunda-feira 160 militares de Braga. Oxalá, tenham muita sorte!

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