A proclamação do Sikkim como um Estado plenamente orgânico foi feita pelo Primeiro-ministro Narendra Modi que enalteceu o processo do Sikkim como um marco histórico para toda a Índia.
A iniciativa ambiental mais importante do Sikkim foi a da completa adaptação do Estado à agricultura biológica, na sequência da decisão da Assembleia Legislativa de 2003.
1. O Sikkim no seu contexto
O Sikkim foi um pequeno reino dos Himalaias que sobreviveu em estado de semi-independência em relação ao colonizador britânico, à imagem de vários outros pequenos Estados soba forma de principado ou outra.
Enquanto o Nepal foi formalmente reconhecido pelo Reino Unido como Estado totalmente independente já em 1923, tanto o Sikkim como o Butão – Estados consideravelmente mais pequenos – permaneceram com maiores ligações ao Reino Unido até à independência e partição da Índia britânica.
Quando da independência, a Índia considerou ambos os Estados do Butão e do Sikkim mais como fazendo parte dos Himalaias do que da Índia e preservou a sua independência. Com efeito, os grupos étnicos então dominantes em ambos os Estados são mais próximos do Tibete do que da Índia.
No entanto, um movimento antimonárquico no Sikkim acabou por depor a monarquia e reclamou a integração na Índia que se deu em 1975, o que nunca aconteceu no Butão, que permanece uma monarquia só muito recentemente tornada constitucional.
Dada a ameaça latente de invasão pela China – especialmente depois da invasão do Tibete – tanto o Sikkim como o Butão tinham pedido protecção à Índia, protecção que continua a ser dada ao reino formalmente independente do Butão.
Nas suas fronteiras actuais, o Butão tem uma área consideravelmente maior do que o Sikkim – 38.000 contra 7.000 Km2 – mas a população de ambos os territórios é aproximadamente a mesma.
A estrutura demográfica de ambos os territórios é semelhante, com uma larga parte da população de etnia maioritariamente nepalesa e religião hindu nas menores altitudes e com população de etnia tibetana e religião budista em altitudes mais elevadas. A grande diferença deu-se com a política de expulsão de emigrantes de origem nepalesa do Butão e a permeabilidade a essa emigração no Sikkim.
Tanto o Sikkim como o Butão são epígonos da defesa do ambiente e do desenvolvimento sustentável, com o Butão a substituir o ‘Produto Nacional Bruto’ pela ‘Felicidade Nacional Bruta’ e o Sikkim como o único Estado que decretou a obrigatoriedade da agricultura biológica.
A grande diferença está em que enquanto o Butão o faz numa lógica de modelo fechado à emigração que expulsou mais de 10% da população, o Sikkim fá-lo de fronteiras abertas com uma grande pressão demográfica.
2. Os campeões da política ecológica na Índia
O presidente do governo do Sikkim, Pawan Chamling, orgulha-se de ser o líder do mais ambientalista dos Estados da Índia e, na verdade, desde que foi eleito em 1994, ele tem-se empenhado numa impressionante número de iniciativas sobre desenvolvimento sustentável que são generalizadamente aplaudidas pelas Nações Unidas e outras instituições internacionais, pelas autoridades nacionais indianas e pela maior parte dos observadores independentes.
O seu gabinete publicou um extenso documentário das principais iniciativas em matéria ambiental, explicadas e ilustradas fotograficamente, onde ele passa em revista um sem número de iniciativas que começam com a preocupação da preservação da vida selvagem e das florestas autóctones – incluindo severas restrições à caça e armadilhas, pastoreio e a outras actividades humanas de impacto ambiental negativo – ensino primário obrigatório em matéria ambiental, campanhas maciças de promoção de uso de sanitários, de limpeza e de não utilização de plásticos.
Higiene, bem-estar animal, proibição de fogo-de-artifício, proibição de utilização de água em garrafas de plástico pelos serviços públicos são alguns dos temas em que as autoridades do Sikkim prosseguem um esforço ambiental coerente e exemplar.
O pequeno Estado do Sikkim, rodeado pelo Tibete, Nepal, Butão e as províncias do Norte do Bengala Ocidental partilha com a maior parte dos seus vizinhos os mesmos problemas de desenvolvimento, nomeadamente a falta de infraestruturas modernas e pobreza generalizada. A população do Sikkim tem crescido a um ritmo muito elevado, nomeadamente devido à grande emigração de população mais pobre vinda da vizinhança, e isso tem um impacto imediato no ambiente e nos recursos que não é fácil de absorver.
3. Agricultura biológica
A iniciativa ambiental mais importante do Sikkim foi a da completa adaptação do Estado à agricultura biológica, na sequência da decisão da Assembleia Legislativa de 2003. Na altura, o presidente Chamling fundamentou a sua proposta na análise que fez da destruição do mundo pelo uso maciço de fertilizantes químicos, insecticidas e pesticidas.
Se não pararmos estas práticas o planeta inteiro pode ter de se confrontar comum grande desastre.”
O primeiro passo consistiu na supressão faseada das grandes subvenções à utilização dessas matérias inorgânicas (prática vulgar na Índia e na maior parte do mundo menos desenvolvido), um passo politicamente arriscado em que ele encontrou uma forte oposição que só conseguiu vencer com um programa maciço de esclarecimento para o qual mobilizou um grande número de peritos e cientistas que foram capazes de disseminar as técnicas da agricultura sustentável e orgânica no seio da comunidade agrícola.
O segundo passo consistiu na selecção de um conjunto de aldeias piloto para a aplicação da agricultura orgânica: “o movimento pela agricultura biológica começou com cem aldeias, que foram seleccionada como ‘bio aldeias’. A produção biológica integrada foi introduzida em conjunto com a criação de alguns animais para a produção de estrume, leite e tracção animal.”
A partir de 2010, começou o fim da utilização de produtos inorgânicos, que foram proibidos por legislação de 2014 que se tornou efectiva em 2015. A proclamação do Sikkim como um Estado plenamente orgânico foi feita pelo Primeiro-ministro Narendra Modi que enalteceu o processo do Sikkim como um marco histórico para toda a Índia.
Os cépticos do processo argumentam com as grandes quebras de produtividade, bem como com os preços mais elevados e menores rendimentos para os agricultores, citando exemplos que, contudo, não são corroborados pelas estatísticas oficiais, que apenas dão conta de baixas claras de produtividade na produção de tangerinas.
O memorando inicial apresentado em 2003 apontou claramente para os riscos e as insuficiências de que sofria o Sikkim para a grande aposta realizada e o presidente do Governo refere-se de forma alongada à oposição ao projecto, mas as autoridades mantiveram-se empenhadas em enfrentar os enormes desafios que a situação colocou.
Tive a oportunidade no princípio deste ano, no Sikkim, de debater a questão com Khorlo Bhutia, director do Departamento de Horticultura e de Culturas Comerciais e o principal responsável pelo projecto da agricultura biológica.
Ele confirmou a necessidade de avançar rapidamente com a etiquetagem biológica da produção local tanto para assegurar a protecção dos interesses dos agricultores como para permitir ao consumidor o melhor conhecimento do que compra. Ele também confirmou que a autossuficiência alimentar do Sikkim não estava no horizonte, dado que as condições naturais não o permitem, independentemente do sistema agrícola adoptado.
No entanto, ele enfatizou as novas oportunidades que agora se abriam pela certificação biológica da agricultura de todo o Estado. Referiu o interesse de comerciantes sul-coreanos em se abastecer em produtos hortícolas no Sikkim, bem como da indústria farmacêutica e do ‘bem-estar’ em se abastecer em especiarias vindas do Estado. Ele referiu perspectivas muito positivas nos domínios do cardamomo, gengibre e curcuma. De acordo com as suas estimativas, o número de turistas iria triplicar de 2016 a 2019 e de acordo com ele a imagem de país de agricultura exclusivamente biológica é um elemento essencial para esse resultado.
Ele explicou também como os Estados e regiões vizinhos – tais como o Ladakh no Estado do Jammu e Cachemira e o Estado do Bihar – estavam interessados em seguir o exemplo biológico do Sikkim e que vários países europeus tinham também revelado o seu interesse em seguir a experiência do Sikkim.
Concordámos que seria muito positivo para o Parlamento Europeu e outras instituições tomar conhecimento da experiência da agricultura biológica no Sikkim e o SADF (Fórum Democrático da Ásia do Sul que dirijo) disponibilizou-se para desenvolver esses contactos.
Creio que a aposta corajosa do Sikkim na agricultura biológica tem uma importância capital para toda a região dos Himalaias, bem como para toda a zona do Indo-Pacífico e na verdade todo o mundo e especificamente as instituições europeias deveriam apoiar a iniciativa e abrir-se a ela com o objectivo de a pôr em prática.
A Política Agrícola Comum poderia considerar o necessário quadro legal para permitir incentivos e apoio a autoridades nacionais, regionais e locais dispostas a converter a totalidade dos seus territórios em agricultura biológica no contexto de estratégias ambientais coerentes, sem prejuízo de continuar o debate sobre as vantagens específicas de todas as práticas envolvidas.
Fotos: Paulo Casaca