A cientista política Ana Prestes analisa a disputa presidencial nos Estados Unidos, seus resultados, a indefinição e suas repercussão.
As eleições dos Estados Unidos continuam no centro do noticiário internacional. Ainda sem resultados oficiais declaradas, a imagem que se tem é de uma eleição para deputados e deputadas que mantém maioria democrata na Câmara de Representantes e uma eleição para senadoras e senadores que mantém por estreita margem a maioria republicana no Senado. Mas ainda pode mudar. Lembrando que as casas estão sendo renovadas em dois terços de sua composição. Quanto à eleição presidencial, já houve altos e baixos. Momentos em que a vitória de Trump parecia certa, como na madrugada do dia 3 para o dia 4 e momentos em que uma vitória arrasadora de Biden também era dada como certa, como no meio do dia de ontem (4). Neste momento, a vitória de Biden é bem mais provável que a de Trump. Vejamos os números:
Escolhi como fonte o New York Times, pois os dados das eleições americanas são fiáveis pelos maiores meios de comunicação, diferentemente do acompanhamento dos Tribunais Eleitorais Nacionais aos quais nos atemos nas eleições em outros países. Partindo do dado de que o colégio eleitoral dos EUA, quem finalmente elege o presidente, se reúne com 538 assentos e que, portanto, são necessários 270 destes assentos para a eleição de um presidente, no momento em que escrevo, Joe Biden aparece no mapa do NYT com 253 assentos já conquistados contra 214 de Donald Trump. Outros meios estão divulgando desde ontem 264 delegados para Biden, contando já com os delegados do Arizona. Ao fechar essas notas vi notícias de que é grande a pressão de Trump e coordenadores da campanha dos republicanos sobre a Fox News para que retire os 11 delegados do Arizona que constam como já validados para os democratas.
Faltam os dados finais dos seguintes estados: Nevada (6 delegados), Arizona (11 delegados), Pensilvânia (20 delegados), Carolina do Norte (15 delegados), Geórgia (16 delegados) e Alaska (3 delegados). No fim do dia de ontem, alguns meios de comunicação, como a Fox News, já somavam os delegados do Arizona (11) para Biden, ficando este com 264 delegados. Houve então muita expectativa de que o estado de Nevada, com 6 delegados, liberasse seu resultado, o que poderia tornar Biden virtualmente eleito com os 270 assentos necessários. As autoridades eleitorais de Nevada chegaram a anunciar uma antecipação na liberação dos resultados, mas declinaram no meio da tarde (15 horas no horário de lá) e vão seguir o cronograma inicial de liberação dos resultados nesta quinta, 5 de novembro. O dia de hoje será de expectativa em torno da finalização da contagem e liberação desses resultados. Uma curiosidade sobre a espera dessas apurações é que apoiadores de Trump tem ido às portas dos locais de votação com diferentes demandas, em alguns protestos eles pedem para que sejam contados os votos e em outros pedem para que parem de contar os votos.
Uma curiosidade sobre os “eleitores” ou “delegados” como são chamados os representantes dos estados no Colégio Eleitoral é que pela constituição dos EUA eles podem votar em outro candidato que não seja o que venceu pelo voto popular no seu estado.
Também na tarde de ontem (4), um dos filhos de Trump, Eric, e o advogado deles, Rudy Giuliani (ex-prefeito de Nova York), fizeram uma espécie de comício de rua na cidade de Filadélfia, na Pensilvânia, para anunciar que na opinião deles há fraude na contagem dos votos que chegaram pelos correios e que não foram admitidos observadores do Partido Republicano em alguns locais de apuração. Deste modo, vão judicializar a contagem de votos na Pensilvânia, em Wisconsin, na Geórgia, no Arizona, em Nevada e Michigan.
O presidente Trump e o candidato Biden já fizeram um pronunciamento cada desde o início do dia eleitoral em 3 de novembro. Trump falou na madrugada do dia 3 para o dia 4 dizendo que ganhou as eleições e que vai à Suprema Corte para denunciar fraude eleitoral em alguns estados. Biden falou na tarde do dia 4 dizendo que ainda não há vencedores, que todos os votos precisam ser contados e que se for eleito será um presidente para todos os americanos. Ambos falaram no tom que era esperado de cada, Trump mais estourado e Biden mais conciliador. Embora não tenha mais falado à imprensa, ele está bastante ativo em sua conta no Twitter, focado em denunciar as apurações que considera fraudulentas.
Nas últimas horas ele tem focado em derrubar o procurador geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, por supostamente ter feito campanha pelos democratas e estar assim “comprometendo qualquer solução legal que envolva as eleições”. Os observadores internacionais (mais de cem) que se encontram no país para acompanhar as eleições discordam dessas denúncias de fraudes, segundo a coluna de Jamil Chade. A missão de observação é organizada pela OSCE (organização para a segurança e cooperação na Europa) e é composta por 102 pessoas de 39 países. Foi solicitado o envio de 400 observadores, mas o governo dos EUA não aceitou. Uma das questões levantadas pela missão é o grau de restrição ao sufrágio universal no país, especialmente com relação a pessoas que já sofreram condenação criminal, mesmo que já tenham cumprido suas penas. Mais de 5 milhões de pessoas podem ter sido impedidas de votar por estarem nestas condições.
Sobre as eleições parlamentares, algumas curiosidades. Foram reeleitas as quatro deputadas democratas que ficaram conhecidas por sua atuação à esquerda e pela representatividade da diversidade através de seus mandatos, Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Ayanna Pressley. Também foi eleita uma ativista que ficou bastante conhecida pelos protestos do Black Lives Matter, Cori Bush. Ela, que é enfermeira e líder comunitária, organiza protestos antirracistas desde 2014, após a morte de Michael Brown em Ferguson. Foi eleita ainda a primeira senadora transgênero, trata-se da democrata Sarah McBride que foi a primeira estagiária transgênero da Casa Branca durante o mandato de Obama. Outra mulher a ganhar um assento no Congresso americano, mas esta de orientação ultraconservadora e conspiracionista é Marjorie Greene promotora do grupo QAnon.
Em meio ao processo eleitoral, os EUA formalizaram ontem (4) a saída do país do Acordo de Paris sobre o clima (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). A saída do acordo já havia sido anunciada por Trump ainda no começo de seu mandato em 2017, mas agora está formalizada. Segundo Trump, o acordo prejudica a economia dos EUA. No acordo, os EUA se comprometeram a reduzir as emissões de carbono do país entre 26% e 28% até 2025, com base nos níveis de poluição de 2005. As metas foram estabelecidas após uma participação pífia de Obama na COP de Copenhagen em 2009 e nas tratativas do tema nos anos seguintes, com uma melhora da atuação em seu segundo mandato e a Conferência de Paris em 2015.
Outra herança que o governo Trump se esforça para deixar, em um cenário que não garante sua reeleição, é um acordo trilateral – EUA – Brasil – Japão para a criação de um fórum anti-China, especialmente para assuntos tecnológicos. O objetivo é criar mecanismos internacionais de restrição à entrada da Huawei nos mercados de 5G desses países e influenciar outros. Enquanto isso, as rivais da Huawei no Brasil se preparam para fazer grandes investimentos, um montante de 8 a 10 bilhões de dólares segundo uma reportagem de ontem (5) em O Globo.
Na véspera da posse de Luis Arce (MAS) como presidente da Bolívia, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, fez contato no dia de ontem (4) como forma de reconhecer o resultado eleitoral. Segundo porta-voz da Casa Branca, a conversa foi sobre cooperação econômica e na área de saúde, para combate à Covid. A ligação se deu mais de duas semanas após a vitória de Arce nas eleições bolivianas. Em 2019, os EUA foram dos primeiros a alegar que as eleições que deram a quarta vitória a Evo haviam sido fraudadas. A posse de Arce vai ocorrer no próximo dia 8 de novembro (domingo) e já tem confirmada a presença de Maduro (Venezuela), Fernández (Argentina), Piñera (Chile), Benítez (Paraguai), o Rei da Espanha, Felipe VI e o chanceler iraniano que está na Venezuela. Além do ritual institucional, haverá também uma cerimônia ancestral indígena em Tiwanaku, departamento de La Paz.
por Ana Prestes, Cientista social. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG | Texto original em português do Brasil
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