De imediato pensei nos traços comuns às trajectórias destes dois homens de cinema e decidi evocá-los na mesma prosa. Como diria Sérgio Godinho, “isto anda tudo ligado”.
Seixas Santos
No passado dia 10, Seixas Santos deixou-nos. Tinha 80 anos. Muito se escreveu nos últimos dias sobre a sua importância (e a da sua obra) para o “novo cinema português”. Da realização cinematográfica à presidência do Instituto Português de Cinema, da Direcção de Programas da RTP à fundação da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Parece-nos interessante sublinhar as coincidências do seu percurso com as de alguns dos nomes emblemáticos da “nouvelle vague” francesa, como Truffaut, Godard, Rohmer e Chabrol. Desde logo, uma intensa actividade cineclubista (no caso, no ABC Cineclube, de Lisboa), crítica de cinema em várias publicações – ‘Imagem’, ‘Seara Nova’ e ‘O Tempo e o Modo’, ‘M- Revista de Cinema’, entre outras. Para além disso, uma prática exaustiva de visionamento de filmes, exactamente no local frequentado pelos seus colegas atrás referidos – a Cinemateca Francesa dirigida por Henri Langlois.
Homem da área das “humanidades” (frequentou Histórico-Filosóficas em Lisboa), Seixas Santos começou a sua actividade de realização com duas curtas-metragens e imediatamente antes do “25 de Abril de 1974” filmou “Brandos Costumes”, que nasceu a partir do Centro Português de Cinema fundado em 1970 e que haveria de estrear apenas em 1975, uma trama centrada numa família em que se confrontam uma visão muito conservadora da sociedade e o desejo de mudança das gerações mais novas. Um retrato do estertor da ditadura salazarista-marcelista.
A “revolução de Abril” e as suas consequências estão muito presentes em alguns trabalhos da escassa filmografia de Seixas Santos. Desde logo, a sua participação nos filmes colectivos “As Armas e o Povo” (filmado entre 25 de Abril e 1 de Maio de 1974) e “A Lei da Terra”, de 1977, filme sobre a reforma agrária, produzido pela Grupo Zero, cooperativa que ajudou a fundar. Mas também, “Gestos e Fragmentos”, de 1982, uma reflexão do trajecto da revolução, com a participação de Otelo Saraiva de Carvalho, Eduardo Lourenço e do realizador norte-americano Robert Kramer (que em 1975 tinha vencido o Festival da Figueira da Foz, com “Milestones”) ou “Paraíso Perdido” (1992), abordagem do processo de descolonização.
“Mal”, de 1999, e “O Tempo Passa”, de 2011, são outros dois títulos da obra de um autor que sempre manteve a preocupação e um discurso reflexivo sobre o nosso destino colectivo… e sobre o cinema português. Pudemos testemunhá-lo num Encontro Nacional de Cineclubes, realizado em Aveiro há uma dúzia de anos, e em que Seixas Santos e Margarida Gil, discorreram e conversaram longamente sobre as condições de produção, realização e exibição dos filmes portugueses.
Coincidências do percurso de Alberto Seixas Santos e Henrique Espírito Santo
E agora, nas linhas seguintes convido o leitor a encontrar as coincidências do percurso de Alberto Seixas Santos com o do produtor Henrique Espírito Santo, com quem me habituei a conviver em muitos Festivais da Figueira da Foz, mas também no Festróia, nos Caminhos do Cinema Português, no Filminho (V.N. Cerveira) e noutros locais de encontro de cinéfilos. Henrique Espírito Santo é um jovem de 85 anos, que felizmente continua entre nós, cuja vida e obra estão plasmadas no catálogo que a Cinemateca Portuguesa apresentou na semana passada.
O catálogo reúne uma entrevista original de Manuel Mozos a Henrique Espírito Santo, e textos originais de José Manuel Costa, Miguel Cardoso, Solveig Nordlund, João Abel Aboim, Manuel Pina e Luís Filipe Rocha, bem como textos de época do próprio Henrique Espírito Santo.
Henrique Espírito Santo
Pois Henrique Espírito Santo foi cineclubista no “Cineclube Imagem”, crítico de cinema nas revistas Visor, Imagem, Actualidades, Seara Nova e nalguns jornais diários, entre 1954 e 1963.
Foi professor na Escola de Cinema do Conservatório Nacional.
Esteve no Centro Português de Cinema onde foi o director de produção de “O Recado” de José Fonseca e Costa (1971), “A Promessa” de António de Macedo (1972), “Meus Amigos” de António da Cunha Teles (1973), “Brandos Costumes” de Alberto Seixas Santos (1974), “Jaime” (1974) de António Reis e Margarida Cordeiro e “Benilde ou a Virgem-Mãe” (1974) de Manoel de Oliveira.
Foi o produtor do já citado filme colectivo “As Armas e o Povo” e em 1976 fundou a Prole Filme na qual começou por produzir “A Fuga” (1977) e “Cerromaior” (1980), ambos de Luís Filipe Rocha.
Produziu também, entre outros, “As Ruínas do Interior” (1976) de José de Sá Caetano, “Veredas” (1977) de João César Monteiro, “O Bobo” (1979) de José Álvaro Morais, “Amor de Perdição” (1979) de Manoel de Oliveira, “Passagem ou a Meio Caminho” (1980) de Jorge Silva Melo, “Das Autogramm” (1983) de Peter Lilienthal, “Buster’s Bedroom” (1989) de Rebeca Horn, “Hors Salson” (1991) de Daniel Schmid, “Olhos da Ásia” (1995) de João Mário Grilo e “Cinco Dias, Cinco Noites” (1995) de José Fonseca e Costa. Uma filmografia de respeito…
Deixo para o fim a referência a outros dois títulos produzidos por Henrique Espírito Santo: “Até Amanhã, Mário” (1992), a primeira abordagem no cinema ao tema da pedofilia na Madeira (ainda não era público o caso do padre Frederico e que dificuldades teve o Henrique que ultrapassar “naquele jardim” para conseguir concretizar o projecto…) e “Comédia Infantil” (1998) realizado em Moçambique e que conta a história de um pequeno rapaz que perdeu a família na Guerra Civil e é levado para um campo de treino de meninos soldados. Estes dois filmes são de Solveig Nordlund, sueca e portuguesa, montadora, realizadora e encenadora teatral, que conheceu Alberto Seixas Santos em 1962 e com o qual se casou.
De facto, “isto anda tudo ligado”…