Na “modernidade líquida”, tal como a caracterizou Z. Bauman, as identidades (pessoais e sociais) configuram-se de um modo mais dinâmico e inter-relacional. É indubitável o seu caráter processual e histórico.
A realidade social, cultural, política, económica e antropológica do Alentejo do século XX atravessou enormes transformações que mereciam um estudo aprofundado nas diferentes áreas do conhecimento. Como é notório, não é esse o meu objetivo. Aqui, neste espaço, falo apenas do que observo, do que sei, do que sinto, em alegria ou em dor.
De facto, facilmente constatamos que o Alentejo está na moda. Por boas e por más razões. Também esta realidade merecia uma reflexão aprofundada. Mas, o meu Além Tejo não é o que está na moda!
O meu Alentejo é o do Alentejano em Portalegre, das rodas de amigos em longas conversas e o do Alentejano em Estremoz, da cera a reluzir no chão, da madeira nas paredes e dos rostos nos espelhos! Mas é também o do Arcada em Évora, em cujas mesas muitos planos foram desenhados e muitos encontros se aventuraram em aspirações de mais justiça. É literatura: Armindo Rodrigues, Saramago, Régio.
É também a memória de avós, à soleira das portas, contando histórias nas tardes cálidas de verão, ou dos seus silêncios longos, meditativos, atentos aos sons da planície ou às mágoas da alma. É ainda o das mulheres, em Estremoz, que lavam com água e lixivia as pedras da calçada, tornando ainda mais reluzente o mármore e fazendo de cada passeio um reflexo branco do branco da cal nas paredes. É o das mulheres do Couço que se colocaram na primeira fila da contestação à miséria e foram presas com os seus filhos, ainda meninos de colo, como tão bem testemunha Custódia Chibante.
O meu Além Tejo tem o cheiro da cal e é um rodapé pintado a ocre.
O meu Além Tejo é o que cheira a esteva e a forno de lenha onde cresce o pão que é de todos! É o da Páscoa e dos folares que se constituem em oferta generosa e símbolo de vida renovada.
É ainda o cheiro a alecrim, a festa de cores da espiga apanhada em Maio, a esperança das cruzes a proteger as searas e das coroas de S.João a guardar as casas e o equilíbrio das suas gentes.
Além Tejo é uma forma de sentir. Pode ser, também, uma opção. Como diz o jovem cineasta Manuel Guerra: “Se pudesse teria nascido alentejano” (Diário do Alentejo, 9/1/12). Falamos, então, de uma comunhão, um sentimento de pertença que, “estranhamente”, não depende só do local de nascimento mas nos coloca no patamar da universalidade, daquilo que há de mais genuíno no ser humano.
Além Tejo é a planície, a paisagem que se tornou a nossa pátria, a nossa forma de estar e de cantar. É olhar o horizonte e seguir, sempre! Afirmarmo-nos compadres é nossa maneira de dizer solidariedade. E é verdade: não temos pressa. E, aí se encontra a sabedoria que devemos preservar.
[…] Source: Além Tejo (2) – Jornal Tornado […]